Os preocupados
Uma curiosa preocupação parece percorrer não apenas o telejornalismo português mas também alguns dos comentadores crónicos ou acidentais cujas palavras a TV nos traz a casa. O contexto da preocupação é o acto eleitoral que vai decidir quem sucederá a Jorge Sampaio. O momento do seu nascimento parece ter sido o anúncio da candidatura a Belém de Jerónimo de Sousa. Sendo ela, a tal preocupação, o que é, parece provável que venha a agravar-se com a apresentação de outras candidaturas que sejam de esquerda ou de esquerda se reivindiquem. E a preocupação é simpática, confessemos: é o receio de que diversas candidaturas de esquerda, apresentadas perante uma candidatura de Cavaco Silva surgida como única de uma direita unificada para esta eleição, «dividam e enfraqueçam a esquerda».
Por mim, quando inicialmente dei por esta inesperada inquietação, pensei que não passasse de um lapso esporádico, de uma distracção, quando muito de uma ignoranciazinha de gente nova que como toda a gente, incluindo gradas figuras da vida nacional, ou nunca leu a Constituição da República ou não lhe liga nenhuma, partindo do princípio, que aliás a generalizada prática confirma, de que aquilo não é para cumprir. Porém, este meu superficial convencimento ficou abalado quando, se os meus ouvidos não me enganaram, dei com o professor Marcelo Rebelo de Sousa contaminado pelo mesmo temor, o de ver a esquerda dividida neste próximo episódio da vida nacional e, porque dividida, enfraquecida. Bem sei que o senhor professor também tem o direito de se distrair, direito que aliás se reforça com a pressa com que sempre fala no seu comentário dominical na RTP. Ainda assim, porém, fiquei abalado. E a pensar, procurando descobrir se esta epidemia mansa, consubstanciada numa surpreendente preocupação pelo eventual enfraquecimento da esquerda nas presidenciais, seria ou não apenas uma tontice contagiosa. E o que suscitou no sujeito pouco confiado que sou o germe de uma vaga desconfiança foi que, como acima se disse, tudo começou com o anúncio de que o secretário-geral do PCP se canditará à Presidência da República. Assim os inquietos comentários posteriores quanto ao «enfraquecimento da esquerda» sugeriam, conscientemente ou não, por mera distracção ou compreensível ignorância, que teria sido Jerónimo de Sousa a vir enfraquecer a esquerda.
Por exemplo
Contudo, como é aliás de elementar sabedoria nestas coisas da vida política portuguesa, a eleição presidencial decorre numa ou em duas voltas, mas sempre e indispensavelmente com o eleito a receber a maioria absoluta dos votos, passando à eventual segunda volta apenas dois candidatos, os mais votados na ronda primeira. Quer isto dizer que a conquista de uma maioria absoluta na primeira volta não depende do número de candidatos desde que estes sejam mais de dois. Exemplifiquemos com uma hipótese improvável quanto a nomes, mas esclarecedora quanto à questão em aparente equívoco: afinal o professor Cavaco não se candidata e o único candidato da direita é o dr. Santana, que até está em situação se sub-emprego, enquanto que sob a etiqueta de «esquerda» se alinham Jerónimo, Mário, Francisco, Carmelinda e mais cinco outros candidatos cujos nomes me dispenso de inventar. Poderia o charme do dr. Santana conquistar 37% dos votos contra, na esquerda dividida, 18+17+7+1+1+1+1+1+1, somando 48% se a aritmética não me falha. Santana (direita unida) teria tido muito mais votos que a «esquerda dividida», mas nem por isso seria presidente por não ter tido maioria absoluta (cujo mínimo, nesta hipótese seria de 49%). Na segunda volta, os votos da esquerda, concentrados no único dos seus candidatos que teria passado a essa fase, facilmente ultrapassariam os 40% e Santana Lopes teria de se partilhar entre o seu lugar na AR e o escritório de advogado onde aguardaria a chegada de clientes.
A demonstração foi chata, porque esta é uma situação cujo entendimento é mais rápido que a prova, e talvez fosse hiperdispensável. Entreguei-me a ela, contudo, por admitir, suspeitoso, que tão frequentes preocupações expressas na TV pela «divisão da esquerda» e o seu consequente «enfraquecimento», podem ser tentativas de enganar alguns eleitores incautos levando-os, por exemplo, a votar na primeira volta no candidato de «esquerda» de eleição mais plausível, e não em Jerónimo de Sousa, em quem de facto desejariam ter votado. Ora, a primeira volta serve exactamente para que cada um de nós possa votar como mais lhe apetece, sem se preocupar com outras aparentes razões. Como sei, por dura e longa experiência própria, que a TV é muito usada em jogos de enganos, pareceu-me menos mal, embora talvez ingénuo, deixar aqui um aviso provavelmente inútil.
Por mim, quando inicialmente dei por esta inesperada inquietação, pensei que não passasse de um lapso esporádico, de uma distracção, quando muito de uma ignoranciazinha de gente nova que como toda a gente, incluindo gradas figuras da vida nacional, ou nunca leu a Constituição da República ou não lhe liga nenhuma, partindo do princípio, que aliás a generalizada prática confirma, de que aquilo não é para cumprir. Porém, este meu superficial convencimento ficou abalado quando, se os meus ouvidos não me enganaram, dei com o professor Marcelo Rebelo de Sousa contaminado pelo mesmo temor, o de ver a esquerda dividida neste próximo episódio da vida nacional e, porque dividida, enfraquecida. Bem sei que o senhor professor também tem o direito de se distrair, direito que aliás se reforça com a pressa com que sempre fala no seu comentário dominical na RTP. Ainda assim, porém, fiquei abalado. E a pensar, procurando descobrir se esta epidemia mansa, consubstanciada numa surpreendente preocupação pelo eventual enfraquecimento da esquerda nas presidenciais, seria ou não apenas uma tontice contagiosa. E o que suscitou no sujeito pouco confiado que sou o germe de uma vaga desconfiança foi que, como acima se disse, tudo começou com o anúncio de que o secretário-geral do PCP se canditará à Presidência da República. Assim os inquietos comentários posteriores quanto ao «enfraquecimento da esquerda» sugeriam, conscientemente ou não, por mera distracção ou compreensível ignorância, que teria sido Jerónimo de Sousa a vir enfraquecer a esquerda.
Por exemplo
Contudo, como é aliás de elementar sabedoria nestas coisas da vida política portuguesa, a eleição presidencial decorre numa ou em duas voltas, mas sempre e indispensavelmente com o eleito a receber a maioria absoluta dos votos, passando à eventual segunda volta apenas dois candidatos, os mais votados na ronda primeira. Quer isto dizer que a conquista de uma maioria absoluta na primeira volta não depende do número de candidatos desde que estes sejam mais de dois. Exemplifiquemos com uma hipótese improvável quanto a nomes, mas esclarecedora quanto à questão em aparente equívoco: afinal o professor Cavaco não se candidata e o único candidato da direita é o dr. Santana, que até está em situação se sub-emprego, enquanto que sob a etiqueta de «esquerda» se alinham Jerónimo, Mário, Francisco, Carmelinda e mais cinco outros candidatos cujos nomes me dispenso de inventar. Poderia o charme do dr. Santana conquistar 37% dos votos contra, na esquerda dividida, 18+17+7+1+1+1+1+1+1, somando 48% se a aritmética não me falha. Santana (direita unida) teria tido muito mais votos que a «esquerda dividida», mas nem por isso seria presidente por não ter tido maioria absoluta (cujo mínimo, nesta hipótese seria de 49%). Na segunda volta, os votos da esquerda, concentrados no único dos seus candidatos que teria passado a essa fase, facilmente ultrapassariam os 40% e Santana Lopes teria de se partilhar entre o seu lugar na AR e o escritório de advogado onde aguardaria a chegada de clientes.
A demonstração foi chata, porque esta é uma situação cujo entendimento é mais rápido que a prova, e talvez fosse hiperdispensável. Entreguei-me a ela, contudo, por admitir, suspeitoso, que tão frequentes preocupações expressas na TV pela «divisão da esquerda» e o seu consequente «enfraquecimento», podem ser tentativas de enganar alguns eleitores incautos levando-os, por exemplo, a votar na primeira volta no candidato de «esquerda» de eleição mais plausível, e não em Jerónimo de Sousa, em quem de facto desejariam ter votado. Ora, a primeira volta serve exactamente para que cada um de nós possa votar como mais lhe apetece, sem se preocupar com outras aparentes razões. Como sei, por dura e longa experiência própria, que a TV é muito usada em jogos de enganos, pareceu-me menos mal, embora talvez ingénuo, deixar aqui um aviso provavelmente inútil.