«Estudar» Física

Francisco Silva
Já lá vai metade do Ano Mundial da Física. Já estamos na segunda metade do centenário doAnnus Mirabilis de Albert Einstein, ou seja, do seu miraculoso ano lá para os idos de 1905. E entre tanto escrever e tantos escritos já nestes meses, não me saiu nem um a propósito destas comemorações, ou destas efemérides. Mais, o facto é que tenho vindo a ficar com a minha consciência cada vez mais pesada por não o ter ainda feito.
Mais a mais, tendo eu ainda recentemente, e mais de uma vez, ouvido a uma pessoa há muito minha conhecida, professora da área das línguas, entusiasta, distinta profissional, mestra e tudo, pois claro, afirmar que, ter tido como matéria curricular a Física, foi uma pura perda de tempo. Sim, para que serve a Física, essa coisa de saber resolver problemas sobre velocidades e acelerações, e massas, e forças, e energias e potências, e quantidades de calor e temperaturas, e intensidades de corrente eléctrica, ou tensões eléctricas, ou resistências eléctricas, e entropias e informação? E isto para me referir apenas a conceitos dos mais evidentes e sempre aí presentes no dia a dia. Sim - ela ainda a questionar -, para que me serviu perder tempo a estudar isso? Sim - eu a ruminar -, tendo eu a imagem deste episódio a “indignar-me”, a fazer pular de incompreensão a minha [penso eu de que] pueril mente, então porque não me pus, nem me vou pondo ao caminho com a missão de procurar inverter este estado de coisas? Ou seja, pregar, divulgar, etc.
E, quando penso bem em mim próprio, recordo que, já não digo nos ciclos correspondentes ao “básico” adiantado e ao “secundário” onde, reconheço, alguma coisa de útil aprendi - alguma coisa que ficou acerca dos fenómenos físicos -, mas sempre sem provocar um entusiasmo por aí além - sempre era mais giro aprender línguas, ou a história, ou a geografia -, mas dizia, verifico, ao rever as aulas de Física já no “superior”, quando era estudante de engenharia - e logo de engenharia, vejam lá! -, é isso, verifico que a parte melhor para nós - e essencial para a nossa avaliação por parte do professor - era o desafio que representavam os rigores dos cálculos e das equações “complicadas”, as sofisticadas artimanhas para os resolver. Contudo, os fenómenos físicos eles próprios, esses pareciam só lá estar para justificar os malabarismos de um exercitar tão abstractamente quanto possível das nossas capacidades de resolução de charadas para malta com muito crânio. Sei que exagero um pouco, mas que querem, estou convencido, era muito disto!
De modo que só mais tarde, depois de ter acabado a obrigação de estudar e de exercitar-me na Física para responder o suficiente nos exames, e, em geral, quando deixei de ter a preocupação de ter que “passar” nas cadeiras e os anos até acabar a maratona do curso - dos estudos, como também lhe chamam -, só então passei a estar disponível para estudar verdadeiramente Física, só então, quando aquele peso já não ameaçava ser chumbo, é que me comecei a interessar mesmo a sério por ela, pela Física e pelos seus fenómenos, bem como pelos seus actores, pelos profissionais da Ciência Física, pelas suas ideias e por como as coisas lhes foram acontecendo ao longo das suas vidas.
É certo que tenho de reconhecer que estarei a exagerar um pouco o cenário. Primeiro porque o meu interesse pelas matérias da Física estaria mesmo assim, bastante acima da média, caso contrário deveria ter seguido outro rumo, e não a engenharia. Segundo, à medida que ia eu avançando nos estudos e as matérias mais se aproximavam do tratamento das suas realizações tecnológicas, quer na área genérica da electrotecnia quer na das telecomunicações, as correspondentes áreas do lado da ciência, em particular o electromagnetismo, a teoria da informação e a electrónica, adquiriam para mim mais interesse, mas nem sempre aquele - julgo - que deveria ser. Contudo, aquelas Físicas dos primeiros anos trituraram - e ainda continuarão a triturar - muita gente lá pelas engenharias. E estou convencido, fazendo-se um estudo sobre este assunto, os estudantes que por aí passando deverão ter, em média, uma opinião semelhante.
Agora, passaram os anos e de há décadas que se mudaram as minhas vontades. Já há muito que me habituei, ao contrário daquela minha amiga do lado das “letras” e de tantos outros, e da grande maioria, a ser voluntário para estudar Física, em sim mesma, e, claro, muito da sua história, porque sem avançarmos no conhecimento das suas peripécias e de como se relacionam, nada feito.


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