Braços no ar europeu

Fausto Neves
Regressámos há dias de uma reunião no estrangeiro onde, em assembleia de uma organização europeia, fomos reeleitos para um segundo mandato no seu Conselho de Administração.
«Grande coisa!» – dirá certamente o leitor. «Somos pequeninos, estamos aqui no nosso cantinho à beira-mar plantado, mas, felizmente, muitos são já os portugueses em órgãos sociais de instituições de âmbito europeu, até mesmo, mundial».
Pois é.
Só que o método eleitoral utilizado deixou-nos arrepiados, assustados, boquiabertos: não é que a nossa reeleição, assim como todas as outras alterações ao Conselho de Administração cessante, foi feita por votação de... braço no ar?!?! E, cúmulo dos cúmulos, mesmo após ser dado liberdade de escolha quanto ao método electivo, não é que o plenário, por perversa unanimidade, decidiu em favor deste arrepiante método, derrotando assim o democratiquíssimo voto secreto!?!
Ficamos desnorteados. Para onde vai o Mundo?
Tínhamos sido recentemente alertados no País para a cegueira democrática em que vivêramos anos a fio, colaborando no monstruoso processo eleitoral do braço no ar, em boa hora desmontado ideologicamente, quer pela pluma de pensadores de profundíssima estirpe, quer pelos legislativos desvelos carinhosamente cozinhados pela aliança PP/PSD/PS. Entretanto, deslocando-nos para zonas europeias que reputávamos de mais seguras em sólida prática democrática, descansámos desse alerta vermelho (não sei de devamos também mudar agora a coloração da expressão...) em que a nossa recém purificada alma se mantinha. Numa organização europeia composta por representantes de quase todo o democrático estrangeiro europeu, desde a Hungria à Grã-Bretanha ou da Noruega à Itália, pensei estar em segurança de qualquer malfeitoria desses tenebrosos adeptos das golpaças marxistas-leninistas.
Mas não.
Como nos encontrávamos na mesa que dirigia os trabalhos, não pudemos captar o olhar certamente ameaçador e manipulador que a presidente cessante, de nacionalidade e simpatia bem francesas, lançou, ao nosso lado, à Assembleia ao questionar a sala sobre o método eleitoral. Também não descortinámos donde se coagiu todos os presentes na altura de se pronunciarem por unanimidade com o raio do braço levantado ou o tal pateta necessário que, certamente com uma invisível baioneta encostada às costas, dissertou acerca da confiança existente entre todos os membros no levar por diante o trabalho que todas as organizações representadas vinham voluntariamente fazendo. Mas sabe-se que nós, portugueses, ainda não dominamos bem as mais altas tecnologias, já disseminadas nas europas de ponta, dos segredos das camuflagens de equipamentos.
Não percebemos igualmente a razão de todos terem um ar feliz no convívio fraterno que se seguiu em volta do copo da amizade e despedida com que se encerrou os três dias de reunião, dando-nos uma sensação de solidariedade e de vontade de trabalhar num novo projecto europeu que, tudo indica, terá de novo o apoio da Comissão Europeia através do Programa Cultura 2000. A exemplo, aliás, do que se passou no triénio agora espirado.
E se tudo o que para trás ficou nos parece extremamente grave, esta é de bradar aos céus: então esta organização não é que é apoiada pela CE?!?
Não sabemos que mais fazer.
Impotentes em criar uma vaga de fundo de artigos de opinião em toda a imprensa europeia, vituperando métodos demoníacos de funcionamento interno de organizações pretensamente democráticas; incapazes de poder avançar para uma proposta legislativa no Parlamento Europeu que proíba, liminarmente, quaisquer organizações europeias de se poderem organizar como desejarem os seus membros – estamos a falar apenas no que diz respeito às perversões marxistas-leninistas, não é verdade? –, resta-nos confiar estas linhas ao Avante! e esperar que, em fase de mudança do nosso semanário, se possa vir a criar um cantinho que, à falta de «Correio do Coração», acolha leitores fragilizados e em profunda crise.
Ajudem-me. Preciso de uma palavra amiga.


Mais artigos de: Temas

Capitalistas de acesso <br>controlam o Pentágono

A «reconstrução» do Afeganistão e do Iraque está a agitar os meios de negócios americanos para cujo benefício a guerra naqueles países foi inventada. Mas a reconstituição dos vastos meios militares de que as forças armadas dos Estados Unidos fazem uso para a consumação dos seus criminosos assaltos a outros países, é toda uma outra história. Basta lembrar o grande espectáculo de que fizeram gala aqueles meios durante a marcha para Bagdade. Não lhes faltava nada. Para as mais diversas ou imprevistas circunstâncias, aparecia logo o mais sofisticado material, como se saído de obra de ficção científica. A verdade é que os americanos andam, há anos, a preparar a máquina de guerra que os possa levar a um conflito contra o mundo inteiro.

Uma fusão pouco clara

Pouco depois do início de funções do XV Governo constitucional, é promulgada a Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, Lei de Alteração ao Orçamento do Estado para 2002, que determina, no capítulo II, «medidas de emergência com vista à consolidação orçamental». Destaca-se o Art.º 2º que diz no seu nº1 o seguinte: «Os serviços e organismos da administração central, incluindo os institutos públicos, na modalidade de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, que prossigam objectivos complementares, paralelos ou sobrepostos a outros serviços existentes ou cuja finalidade de criação se encontre esgotada, serão objecto de extinção, reestruturação ou fusão» (sublinhado nosso). E, no nº2 do mesmo artigo, adianta: «Sem prejuízo (?) do disposto no número anterior, são desde já objecto de (...) b) Fusão: (...) Instituto Nacional de Investigação Agrária; Instituto de Investigação das Pescas e do Mar; (...)»