Transfusões de dinheiro e de poder

Jorge Messias
Uma operação financeira, corrente entre os grandes grupos empresariais, é geralmente designada como dispersão de capitais. Uma «holding» acumula lucros, converte-os em capital e depois, em vez de continuar a acumulação dentro do próprio grupo, exporta parte desse dinheiro, comprando posições noutras «holdings». A manobra tem importantes consequências positivas para as políticas do capitalismo: amplia o campo de acção do grupo comprador, facilita a realização de alianças estratégicas e reforça o sistema de circulação de capitais entre os agentes capitalistas. É uma técnica de transfusão do poder e do dinheiro. Em Portugal, a operação é realizada com crescente frequência. Embora, claro está, nos continuem a ocultar quantos grupos financeiros funcionam no país e quais são as empresas que os integram. Mas os trabalhadores compreendem que à sombra dos discursos de crise em que o governo socialista se atola, aumentam em flecha os lucros das principais «holdings» financeiras enquanto cresce como nunca o desemprego e as falências de pequenas e médias empresas e se abrem ainda mais as portas do mercado aos interesses estrangeiros. Quanto aos trabalhadores, «que apertem o cinto»!
Dando um exemplo, para mais fácil compreensão: de Janeiro a Junho de 2005, os quatro maiores bancos privados instalados oficialmente no país (BCP, Espírito Santo, BPI e Santander) registaram lucros superiores a 727 milhões de euros. E como ninguém controla seriamente as vias por onde se dispersam - nas «holdings» que esses bancos financiam, nos off-shores ou nas agências de outras instituições fortemente comprometidas com a movimentação constante de capitais - milhões e milhões de euros, volumes financeiros gigantescos passam despercebidos por detrás das comportas das dispersões de capitais.
Tudo isto é duramente pago pelos trabalhadores. O individamento das famílias atingiu 117%. Faliram 3123 pequenas e médias empresas (recorde europeu). O desemprego chega a mais de 500 mil trabalhadores portugueses. Sobem os índices da inflação, generaliza-se a corrupção, o governo (grotescamente declarado socialista) cultiva a demagogia e fecha os olhos à contínua fuga de capitais. Os imigrantes são explorados, e a crise é paga integralmente pelas populações - trabalhadores, classe média baixa, pensionistas e idosos. Para Sócrates, os culpados disto tudo são os trabalhadores faltosos. Para Jorge Sampaio, o que nos falta é auto-estima.

Grandes negócios e Igreja financeira

Nestes cenários, a Igreja financeira é grande vedeta. Pisam o palco talentosos actores da sociedade civil e ganham corpo transacções espantosas.
Negócios milionários como os da Media Capital e da Lusomundo, cruzam-se com as mega-operações financeiras da TGV, da Ota ou dos jogos de azar, à escala europeia, que engordam as misericórdias, as ONGS e as IPSS católicas. A hierarquia da igreja conquista posições decisivas, como parceiro estratégico preferencial, nos grandes combinações ligadas ao choque tecnológico, à especulação imobiliária e bolsista, à banca, às telecomunicações, etc. São milhões e milhões que entram nos cofres do Vaticano. Tudo, em contínua unidade de acção com o famigerado governo socialista.
Sendo de esperar o mais inesperado, num cenário de saque como este, é mesmo assim espantoso o que está a acontecer nos negócios que decorrem entre a Media Capital, a Prisa e a Prensa Ibérica. Trata-se de «holdings» do mesmo grupo financeiro católico. A Media Capital nasceu a partir da TVI, da Rádio Renascença, do Patriarcado e das participações financeiras dos «off-shores» da Madeira, das ilhas Caimão e das Bahamas. A MC só existe por ter sido financiada pelos «ultras» bolivianos da Santo Domingo, pelos fundos opudeístas da RTL (Radiotelevisão do Luxemburgo e pelos anónimos capitais da «Fidelity Investments», um gigantesco gestor de investimentos norte-americano. A Prisa estabeleceu-se em Espanha durante a primeira fase de expansão do Opus Dei. Em 2004, teve 103 milhões de euros de lucros líquidos. É dona do El País, das rádios Cadena Ser e de cadeias radiofónicas no Chile, Costa Rica, EUA, França, Colômbia e México. Participa nos capitais sociais dos mais importantes órgãos de comunicação europeus. Possui ramificações nas redes da TV por cabo, na Banda Larga e na TV digital. Nova dona da Média Capital, tem amplos entendimentos com a Controlinveste, apontada como compradora da Lusomundo. Junte-se a esta perspectiva o fulminante avanço de outros grupos espanhóis (Recoletos, Prensa Ibérica, Vocento, etc.) no mercado dos «media» portugueses, e ficaremos a saber que, se tudo se consumar, a frágil e caricatural comunicação social portuguesa em breve será esmagada.


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