Da união à força
O PCP tem uma nova célula de empresa, na fábrica Continental, em Lousada, Famalicão. Os seus militantes contam porque decidiram criar esta organização e as dificuldades que têm de ultrapassar por serem comunistas.
A mesa está cheia e alegre: rissóis, croquetes, pasteis de bacalhau, frango, bolos, sumos, refrigerantes, vinho... Chegamos a meio de um convívio entre amigos, companheiros de trabalho e camaradas do Partido. Conversa-se, ri-se, faz-se planos. Só falta cantar os parabéns ao dono da casa, que faz anos nesse dia. Passa-se aos petiscos, acabada a reunião da nova célula do PCP na fábrica Continental, antiga Mabor, em Lousada, Famalicão. E, entre dois copos, conversa-se com o Avante!.
A célula do Partido na empresa tem poucos meses. Por agora a experiência é escassa, mas abunda a vontade de implementar o PCP no seio dos funcionários da Continental. A criação da célula – desta e de muitas outras no País – surge no seguimento da decisão do Encontro Nacional do PCP sobre a Acção do Partido nas empresas de aumentar o nível de organização dos trabalhadores nos seus locais de trabalho. Mas mais razões estiveram na base desta decisão. «As políticas dos governos obrigam a isso...», comenta Félix Azevedo. «Estamos preocupados com a situação política, social e económica e vamos tentar melhorar as coisas», acrescenta Adelino Santos.
Estes dois militantes do Partido fazem parte da nova célula, que contabiliza cerca de dez elementos, a maioria delegados e dirigentes sindicais. Os primeiros passos não são fáceis. «Estamos praticamente a começar com este trabalho. Começar uma célula é muito complicado. Não sabemos quantos militantes há na fábrica. Sei que há dois jovens que são do Partido e têm as cotas em dia, inclusive uma chefia, mas temos de arranjar uma estratégia para chegar a eles. No trabalho não podemos porque ele é chefe... Temos de arranjar uma maneira de entrar com essas pessoas e de os trazer para a célula», diz Félix Azevedo.
A célula tem como objectivo inscrever novas pessoas no Partido e até reactivar a célula da JCP na Lousada, mas os militantes não esquecem as dificuldades que terão de ultrapassar. «Ainda há muitos preconceitos contra os comunistas. Mas nós não queremos que seja “abaixo o comunismo”, porque foi o comunismo que trouxe o que temos hoje de bom. Ser comunista é uma pedra no sapato para muita gente», diz Adelino Santos.
Que diferença pode fazer a exisência da célula do PCP na Continental? Adelino responde: «Faz muita! Reunimos com camaradas que não são da nossa empresa e vamos tirando ideias, ilações... Precisamos de absorver experiências de fora, ideias e formas de luta para podermos trabalhar melhor.»
Os trabalhadores sentiam necessidade de uma organização activa onde pudessem trabalhar. E, a partir do momento em que existe um colectivo ou uma célula do PCP, muita coisa pode mudar. «Há maior força. A união faz a força. Se estivermos dois ou três, alguém vai dizer: “O que é que aqueles badamecos andam a fazer?” Se formos dez, já há interesse: “O que é que se passa ali?” Temos de arranjar mais força para que possamos ter mais ideias e criar uma maior união para a luta. Temos de ter uma base. Começamos com cinco e depois vamos aumentando... Se tudo correr como estamos a pensar, daqui a três ou quatro anos talvez sejamos uns 50», projecta Adelino.
É difícil ser comunista?
Adelino Santos militou na JCP entre os 15 e os 22 anos. Aos 30 entrou para o Partido. A decisão foi tomada em Janeiro «para abraçar este projecto». «Criamos uma base para depois erguer o pilar. Para isso temos de trabalhar como militantes, não chega ser apoiante. Acredito neste projecto e nas pessoas que estão connosco», argumenta.
«Temos de trabalhar em três frentes: no colectivo, na CGTP e na comissão de trabalhadores», diz. Adelino não esmorece apesar de considerar que a luta não é fácil e que os resultados não são imediatos. Conta como um camarada falava nesse dia das estratégias a desenvolver com os trabalhadores. «Acho que as coisas não são assim tão simples, mas é bom acreditar que é possível. O entusiasmo com que ele falava! Ele está certo, só que actualmente é muito difícil conseguir alguma coisa.»
Adelino afirma que muitos trabalhadores têm medo de não subir na empresa por serem reconhecidos como comunista e conta a sua experiência: «No dia em que fui eleito para a CGTP, um engenheiro veio ter comigo e disse-me: “Incentivei-te a estudar e deite-te a categoria de chefia 4, mas enquanto fizeres parte disso não sobes.” Ou seja, isto tem de ser com calma...», comenta, sorrindo.
Félix Azevedo não tem a mesma opinião: «Eu nunca fui discriminado e o meu chefe sabe que eu sou comunista. Se for preciso mostrar o meu cartão de militante não tenho problema nenhum. Hoje já não tenho medo dos ataques. Quando comprei o terreno e tinha filhos pequenitos era complicado. Hoje já não.» Félix recorda o seu percursso político: foi militante do Partido, depois filiou-se no PS e, mais tarde, já na Continental, conheceu militantes do PCP e voltou a inscrever-se. Com a sua experiência percebeu que este «é o único partido que defende os direitos dos trabalhadores» e decidiu regressar, consciente do panorama político e social nacional.
Félix e Adelino já se conheciam da empresa e do trabalho no sindicato. «Temos uma boa estrutura sindical na empresa e os trabalhadores reconhecem o nosso trabalho», comenta o primeiro. Esse reconhecimento pode funcionar como ponto de partida para o crescimento da célula. «Com as políticas do Governo, as pessoas sentem-se desiludidas, vêem que vivem pior e vão sentir necessidade de agir», defende o militante.
Os belíssimos rissóis feitos ali ao lado, na cozinha, chamam os olhos gulosos. O estômago está confortável, mas os dotes culinários da dona da casa são mais fortes e vencem... A conversa prossegue devagar. Lá fora ouve-se um jogo com raquetas. Quem está a ganhar?
Com medo das deslocalizações
A Continental é uma empresa estável, garante Adelino Santos. «Está aí para durar», diz. Com cerca de 1500 trabalhadores, esta fábrica produz 42 mil pneus por dia. A maioria do trabalho é exportado. Mais de 40 por cento da produção segue para a Autoeuropa e o restante para fábricas no estrangeiro da Mercedes, Ford e BM. Na produção apenas trabalham homens. A média dos salários ronda os 800 euros por mês. Várias gerações familiares empregaram-se primeiro na Mabor, depois na Continental, as mesmas instalações, nomes diferentes. O pai e o avô de Adelino também ali trabalharam. «Quem se reforma, vai com uma certa tristeza, um certo vazio, mas tem de aproveitar antes que a idade da reforma aumente », comenta o militante comunista.
A fábrica não apresenta problemas financeiros, mas o contexto social e político faz os trabalhadores ficar prevenidos em relação às deslocalizações. «É uma empresa que paga a horas, mas, face ao desenvolvimento da situação política em Portugal, temos sempre receio que o que hoje está bom amanhã não esteja. O Governo não está a cumprir as promessas que fez e temos de estar atentos para que determinados direitos não sejam violados», afirma Adelino.
Cerca de 30 brasileiros estão diariamente na fábrica «para aprender connosco e abrir uma no Brasil». Recentemente a Continental fundou um complexo industrial no México. «Não se comenta nada, mas olhando para a situação actual ficamos preocupados com a deslocalização da empresa», declara Félix Azevedo. «Quando as empresas fecham para onde é que vão? Está a olhos vistos: vão para Leste ou para a Ásia. Nunca fecham por falta de trabalho ou porque os trabalhadores portugueses têm mais ou menos formação. Fecham porque as empresas procuram mão-de-obra mais barata. Eu não tenho nada contra os brasileiros, porque eles também precisam de trabalhar, mas preocupa-me a situação», sublinha Adelino.
Os funcionários não sabem até que ponto é que esta possibilidade é real, mas mostram-se preparados para lhe fazer frente. «Se a administração tiver essa ideia, não vai ser fácil, porque nós somos lutadores. Não vão tirar nada da fábrica sem o nosso consentimento. Quase 60 por cento dos trabalhadores são da Lousada. Isto é nosso, temos de preservar», afirma Adelino.
Ao longo dos anos alguns direitos dos trabalhadores foram perdidos, como o posto médico familiar na empresa. Adelino trabalha na Continental há seis anos. «O meu pai trabalhou lá 30 anos e teve muito mais regalias. As que temos agora não é para perder. Há pouco tempo, a empresa tentou retirar os feriados, mas não podemos deixar que se mexa no que está no contrato. Já nos foi retirada muita coisa, mas não podem tirar mais nada», diz.
Félix mostra-se preocupado com a situação económica das famílias. «Se calha o azar de uma empresa como a Continental fechar, há muita gente aqui na zona de Famalicão que vai deitar a corda ao pescoço. As pessoas chegam ao fim do mês com o dinheiro todo contado: vai um bocado para a prestação da casa, outro para o carro, outro para a educação dos filhos...», afirma. E lembra que, apesar da produção ter pneus em atraso, a administração tem ordens da Alemanha para não pagar horas extraordinárias, «porque ficam muito caras». «Dá que pensar... Isto é novo», refere.
A célula do Partido na empresa tem poucos meses. Por agora a experiência é escassa, mas abunda a vontade de implementar o PCP no seio dos funcionários da Continental. A criação da célula – desta e de muitas outras no País – surge no seguimento da decisão do Encontro Nacional do PCP sobre a Acção do Partido nas empresas de aumentar o nível de organização dos trabalhadores nos seus locais de trabalho. Mas mais razões estiveram na base desta decisão. «As políticas dos governos obrigam a isso...», comenta Félix Azevedo. «Estamos preocupados com a situação política, social e económica e vamos tentar melhorar as coisas», acrescenta Adelino Santos.
Estes dois militantes do Partido fazem parte da nova célula, que contabiliza cerca de dez elementos, a maioria delegados e dirigentes sindicais. Os primeiros passos não são fáceis. «Estamos praticamente a começar com este trabalho. Começar uma célula é muito complicado. Não sabemos quantos militantes há na fábrica. Sei que há dois jovens que são do Partido e têm as cotas em dia, inclusive uma chefia, mas temos de arranjar uma estratégia para chegar a eles. No trabalho não podemos porque ele é chefe... Temos de arranjar uma maneira de entrar com essas pessoas e de os trazer para a célula», diz Félix Azevedo.
A célula tem como objectivo inscrever novas pessoas no Partido e até reactivar a célula da JCP na Lousada, mas os militantes não esquecem as dificuldades que terão de ultrapassar. «Ainda há muitos preconceitos contra os comunistas. Mas nós não queremos que seja “abaixo o comunismo”, porque foi o comunismo que trouxe o que temos hoje de bom. Ser comunista é uma pedra no sapato para muita gente», diz Adelino Santos.
Que diferença pode fazer a exisência da célula do PCP na Continental? Adelino responde: «Faz muita! Reunimos com camaradas que não são da nossa empresa e vamos tirando ideias, ilações... Precisamos de absorver experiências de fora, ideias e formas de luta para podermos trabalhar melhor.»
Os trabalhadores sentiam necessidade de uma organização activa onde pudessem trabalhar. E, a partir do momento em que existe um colectivo ou uma célula do PCP, muita coisa pode mudar. «Há maior força. A união faz a força. Se estivermos dois ou três, alguém vai dizer: “O que é que aqueles badamecos andam a fazer?” Se formos dez, já há interesse: “O que é que se passa ali?” Temos de arranjar mais força para que possamos ter mais ideias e criar uma maior união para a luta. Temos de ter uma base. Começamos com cinco e depois vamos aumentando... Se tudo correr como estamos a pensar, daqui a três ou quatro anos talvez sejamos uns 50», projecta Adelino.
É difícil ser comunista?
Adelino Santos militou na JCP entre os 15 e os 22 anos. Aos 30 entrou para o Partido. A decisão foi tomada em Janeiro «para abraçar este projecto». «Criamos uma base para depois erguer o pilar. Para isso temos de trabalhar como militantes, não chega ser apoiante. Acredito neste projecto e nas pessoas que estão connosco», argumenta.
«Temos de trabalhar em três frentes: no colectivo, na CGTP e na comissão de trabalhadores», diz. Adelino não esmorece apesar de considerar que a luta não é fácil e que os resultados não são imediatos. Conta como um camarada falava nesse dia das estratégias a desenvolver com os trabalhadores. «Acho que as coisas não são assim tão simples, mas é bom acreditar que é possível. O entusiasmo com que ele falava! Ele está certo, só que actualmente é muito difícil conseguir alguma coisa.»
Adelino afirma que muitos trabalhadores têm medo de não subir na empresa por serem reconhecidos como comunista e conta a sua experiência: «No dia em que fui eleito para a CGTP, um engenheiro veio ter comigo e disse-me: “Incentivei-te a estudar e deite-te a categoria de chefia 4, mas enquanto fizeres parte disso não sobes.” Ou seja, isto tem de ser com calma...», comenta, sorrindo.
Félix Azevedo não tem a mesma opinião: «Eu nunca fui discriminado e o meu chefe sabe que eu sou comunista. Se for preciso mostrar o meu cartão de militante não tenho problema nenhum. Hoje já não tenho medo dos ataques. Quando comprei o terreno e tinha filhos pequenitos era complicado. Hoje já não.» Félix recorda o seu percursso político: foi militante do Partido, depois filiou-se no PS e, mais tarde, já na Continental, conheceu militantes do PCP e voltou a inscrever-se. Com a sua experiência percebeu que este «é o único partido que defende os direitos dos trabalhadores» e decidiu regressar, consciente do panorama político e social nacional.
Félix e Adelino já se conheciam da empresa e do trabalho no sindicato. «Temos uma boa estrutura sindical na empresa e os trabalhadores reconhecem o nosso trabalho», comenta o primeiro. Esse reconhecimento pode funcionar como ponto de partida para o crescimento da célula. «Com as políticas do Governo, as pessoas sentem-se desiludidas, vêem que vivem pior e vão sentir necessidade de agir», defende o militante.
Os belíssimos rissóis feitos ali ao lado, na cozinha, chamam os olhos gulosos. O estômago está confortável, mas os dotes culinários da dona da casa são mais fortes e vencem... A conversa prossegue devagar. Lá fora ouve-se um jogo com raquetas. Quem está a ganhar?
Com medo das deslocalizações
A Continental é uma empresa estável, garante Adelino Santos. «Está aí para durar», diz. Com cerca de 1500 trabalhadores, esta fábrica produz 42 mil pneus por dia. A maioria do trabalho é exportado. Mais de 40 por cento da produção segue para a Autoeuropa e o restante para fábricas no estrangeiro da Mercedes, Ford e BM. Na produção apenas trabalham homens. A média dos salários ronda os 800 euros por mês. Várias gerações familiares empregaram-se primeiro na Mabor, depois na Continental, as mesmas instalações, nomes diferentes. O pai e o avô de Adelino também ali trabalharam. «Quem se reforma, vai com uma certa tristeza, um certo vazio, mas tem de aproveitar antes que a idade da reforma aumente », comenta o militante comunista.
A fábrica não apresenta problemas financeiros, mas o contexto social e político faz os trabalhadores ficar prevenidos em relação às deslocalizações. «É uma empresa que paga a horas, mas, face ao desenvolvimento da situação política em Portugal, temos sempre receio que o que hoje está bom amanhã não esteja. O Governo não está a cumprir as promessas que fez e temos de estar atentos para que determinados direitos não sejam violados», afirma Adelino.
Cerca de 30 brasileiros estão diariamente na fábrica «para aprender connosco e abrir uma no Brasil». Recentemente a Continental fundou um complexo industrial no México. «Não se comenta nada, mas olhando para a situação actual ficamos preocupados com a deslocalização da empresa», declara Félix Azevedo. «Quando as empresas fecham para onde é que vão? Está a olhos vistos: vão para Leste ou para a Ásia. Nunca fecham por falta de trabalho ou porque os trabalhadores portugueses têm mais ou menos formação. Fecham porque as empresas procuram mão-de-obra mais barata. Eu não tenho nada contra os brasileiros, porque eles também precisam de trabalhar, mas preocupa-me a situação», sublinha Adelino.
Os funcionários não sabem até que ponto é que esta possibilidade é real, mas mostram-se preparados para lhe fazer frente. «Se a administração tiver essa ideia, não vai ser fácil, porque nós somos lutadores. Não vão tirar nada da fábrica sem o nosso consentimento. Quase 60 por cento dos trabalhadores são da Lousada. Isto é nosso, temos de preservar», afirma Adelino.
Ao longo dos anos alguns direitos dos trabalhadores foram perdidos, como o posto médico familiar na empresa. Adelino trabalha na Continental há seis anos. «O meu pai trabalhou lá 30 anos e teve muito mais regalias. As que temos agora não é para perder. Há pouco tempo, a empresa tentou retirar os feriados, mas não podemos deixar que se mexa no que está no contrato. Já nos foi retirada muita coisa, mas não podem tirar mais nada», diz.
Félix mostra-se preocupado com a situação económica das famílias. «Se calha o azar de uma empresa como a Continental fechar, há muita gente aqui na zona de Famalicão que vai deitar a corda ao pescoço. As pessoas chegam ao fim do mês com o dinheiro todo contado: vai um bocado para a prestação da casa, outro para o carro, outro para a educação dos filhos...», afirma. E lembra que, apesar da produção ter pneus em atraso, a administração tem ordens da Alemanha para não pagar horas extraordinárias, «porque ficam muito caras». «Dá que pensar... Isto é novo», refere.