Crónica

Agora, o euro

Pedro Carvalho
O euro - a União Económica e Monetária (UEM) - é um instrumento de classe que visa principalmente, através do sacrossanto objectivo da estabilidade dos preços, promover a moderação salarial, reduzir os salários reais e com isso garantir a transferência dos ganhos de produtividade para o patronato, engrossando os seus lucros (o peso dos lucros na repartição do rendimento na UE atingiu o seu máximo nos últimos 25 anos). Mais, o euro serve os interesses do grande capital - das grandes empresas multinacionais - ao reduzir os seus custos de internalização e internacionalização dos mercados. Mas principalmente, o euro é o alicerce na unificação política europeia, como espelhada em Maastricht e concretizada neste nado morto que se designa de «constituição europeia». O euro é elemento federalista e como tal um projecto político fundamental da «construção europeia» que algumas elites ambicionam. Mas pior, o euro é um dos principais condicionadores da nossa soberania, limitando a existência de um projecto de desenvolvimento económico e social endógeno e autónomo para Portugal. O euro representa o consenso conservador/social-democrata sobre a matriz económica europeia que importa romper, que importa dar uma resposta de classe.

Convencer os povos

Porquê lembrar estes argumentos que levaram o PCP a dizer claramente não à moeda única? O euro é um entrave ao desenvolvimento sustentável e a política monetária única seguida pelo BCE é um dos principais factores para a actual situação económica e social. Os senhores do capital e seus representantes sabem-no e por isso estão receosos. Nas sondagens, a oposição ao euro continua a crescer, na medida em que os preços dos bens essenciais sobem e as pessoas vão tomando consciência do impacto das orientações económicas da UE na sua vida quotidiana. O «não» ao euro ganhou dinâmica como os referendos na Dinamarca e na Suécia e foi um dos motivos também do «não» francês e holandês à dita «constituição europeia».
Para a maioria dos deputados do Parlamento Europeu, o BCE reagiu sempre correctamente à evolução económica, o problema é que esta mesma evolução de ano para ano, nomeadamente depois da concretização da UEM e da introdução do euro, não pára de se deteriorar: recessão, procura interna fraca, baixas taxas de investimento, crescimento económico fraco, ao que se junta níveis elevados de desemprego, pobreza e desigualdades de rendimento. Os países que não aderiram ao euro parecem ter tendências diferentes, o que preocupa ainda mais os senhores do capital.
A crise continua a aprofundar-se e falta uma avaliação do contributo do euro para a mesma, tendo em conta a rigidez de uma política monetária única. Como se esta pudesse dar resposta às necessidades diferenciadas de 25 economias diferentes, numa UE de divergências e disparidades crescentes ao nível económico e social. Importa pois fazer uma avaliação dos custos do euro.
Num relatório aprovado na passada terça-feira, no PE, sobre a estratégia de informação e comunicação do euro, os receios são evidentes. O objectivo deste relatório é «vender» o euro, ou seja, investir mais dinheiro na máquina de propaganda europeia patrocinada, pelas campanhas de «informação» PRINCE, para convencer os cidadãos sobre os benefícios da moeda única. O relator Maaten parte do princípio que o euro é bom e ponto final. E reconhece que da popularidade do euro depende também a dita «constituição europeia». Se é bom e as pessoas estão contra, é porque estão mal informadas ou melhor, não são racionais. Este é um autismo de classe.
Os relatórios do PE sobre a condução da política monetária por parte do BCE desdobram-se em elogios: o «congratula-se», o «felicita-se» e o «apoia-se» são palavras repetidas vezes sem fim. As receitas para a crise são sempre mais do mesmo, nomeadamente acelerar as ditas reformas estruturais, ou seja, a flexibilização do mercado laboral, a política de liberalizações e a privatização da segurança social. Tudo em nome da defesa da sacrossanta estabilidade dos preços, ou seja, da moderação salarial. Objectivo que tem vindo a concretizar-se com reduções dos salários reais e a transferência dos ganhos de produtividade para o patronato. Isto num enquadramento da defesa do Pacto de Estabilidade, tal como antes da sua reforma, e das orientações económicas e monetárias contidas na dita «constituição europeia».
No último relatório do PE sobre a política anual do BCE chega-se mesmo a afirmar que na UE se trabalha menos que noutras regiões do globo, num apelo directo ao aumento do tempo de trabalho. Já não lhe bastam a obtenção de mais-valias relativas, o ataque agora é para as mais-valias absolutas. Sinais do tempo...
É necessário uma ruptura com as actuais políticas. Os tempos são de oportunidade, não de oportunismos. Os tempos da inevitabilidade e da irreversibilidade acabaram, daí a desorientação das elites políticas europeias. Combater o instrumento de classe UE, é combater não só a dita «constituição europeia» ou outra equivalente que esteja na forja, mas é também combater Maastricht e o Acto Único, é combater o Euro. Por isso, o combate ao Euro tem de ser uma prioridade da nossa agenda política.


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