Patriotismo e o défice público
No seguimento do já famoso Relatório Constâncio II, já com o novo Programa de Estabilidade e Crescimento aprovado pela maioria PS e em plena discussão do Orçamento Rectificativo temos vindo a assistir ao desfile de apelos a determinado tipo de patriotismo e à responsabilidade cívica dos trabalhadores. Trata-se de mais do mesmo – o povo que emagreça e pague a crise e os capitalistas que engordem com a mesma.
O Presidente da República, Jorge Sampaio, deu o mote - os parceiros sociais têm que demonstrar o seu patriotismo face à crise económica.
Alguns, mais desatentos, poderiam ser levados a pensar que Jorge Sampaio apelava em igual modo a sindicatos e patrões. Nada que uma revisão às principais propostas do patronato não seja reveladora: cortes nas despesas do Estado, em salários - congelamento salarial dos funcionários públicos, em contraste com o aumento da remuneração dos detentores de cargos públicos – e despedimentos; privatização da saúde, educação e segurança social; desregulamentação do mercado laboral e da contratação colectiva; aumento da idade da reforma; liberalização total das rendas e dos despejos.
Acontece que o conceito de patriotismo em causa pretende atingir apenas quem vive do seu trabalho. A coincidência das propostas do governo com as pretensões do patronato dizem tudo.
Eduardo Prado Coelho, esquecido dos tempos de 75 em que denunciava os dirigentes do PS de que apesar da sua opção de esquerda não seriam revolucionários (o tempo veio demonstrar que não eram apenas esses tais dirigentes do PS), acusa o movimento sindical unitário e o Partido Comunista Português, de desviarem os trabalhadores da sua consciência cidadã. Atrevem-se a apelar à sua consciência de classe.
Sim, porque segundo Eduardo Prado Coelho, é necessário que os portugueses ponham de parte a sua condição de classe, pela qual sentem bem as consequências da política de direita e anti-patriótica (não se confunda com certo tipo de patriotismo já referido em linhas anteriores) seguida pelos sucessivos governos do PS e do PSD, sós, em parelha ou acompanhados pelo CDS, e agora novamente do PS (desta feita com maioria absoluta).
Apelando à sua condição de cidadãos, Eduardo Prado Coelho, defende a tese de que os trabalhadores devem assumir o sacrifício colectivo nacional, qual Dom Sebastião que vindo do nevoeiro reerguerá a pátria lusitana. Esta tese foi levada a extremos nos tempos do fascismo com o famoso rigor orçamental do Professor Oliveira Salazar, responsável pelo empobrecimento dos trabalhadores portugueses por conta do enriquecimento dos capitalistas e seus lacaios.
Promessas esquecidas
Terminado que está o seu primeiro tabu, o ex-comissário europeu e ex-candidato a presidente da Comissão Europeia António Vitorino, tendo tomado posse das funções de analista político, não pretendendo ficar para trás, apelou também ao que chamou responsabilidade política e social dos sindicatos.
Coerente com as políticas que sempre defendeu na Comissão Europeia, esquecendo-se das promessas eleitorais do PS, de que foi coordenador, António Vitorino responsabilizou os sindicatos pela criação de emprego.
De regresso a velha tese de que os responsáveis pela capacidade de obter emprego – a empregabilidade, muito em voga - são os trabalhadores. Sim, esses perigosos preguiçosos, ignorantes e que não querem aprender, que têm a lata de defender a contratação colectiva, a redução do horário semanal de trabalho sem redução do vencimento.
Segundo o ex-comissário/comentador da TV, a criação de emprego consegue-se flexibilizando o horário de trabalho, garantindo a mobilidade e flexibilidade laborais, facilitando o contrato individual de trabalho, e a prazo, e na tão necessária formação dos trabalhadores paga pelos próprios (não o afirmou desta feita, mas poderemos recordar as suas opiniões acerca das propinas, do Processo de Bolonha, etc.).
Todos estes comentários, aos quais poderíamos somar os dos yuppies do Compromisso Portugal, são enquadrados no tempo por um conjunto de acontecimentos que na realidade relevam para outro plano o momento e a luta política.
O Relatório Constâncio II, recupera a necessidade da contenção da despesa pública face aos compromissos com o Pacto de Estabilidade e Crescimento e a criação da moeda única assumidos pelo PS, PSD e CDS.
A transferência da sustentabilidade da dívida pública para uma perspectiva de curto prazo e a retirada dos instrumentos de política económica da esfera dos estados membros, serve na perfeição aos objectivos do capital. De uma assentada, consegue que a única ferramenta ao serviço dos governos passe a ser o nível do emprego e por essa via os salários, limitando claramente o nível da despesa pública, não às necessidades de eficiência e equidade económica, e sim, à estabilidade dos preços (dos salários) e à regra de ouro do liberalismo – as despesas correntes do Estado têm que ser cobertas pelas receitas correntes. O que tem implícita a tese: cada um deve contribuir (pagar os impostos) de acordo com a utilização que faz do Estado, ou seja, o princípio do utilizador-pagador.
O Programa de Estabilidade e Crescimento - documento político em que os governos e os parlamentos nacionais se comprometem a aplicar as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento – desenvolve a mesma perspectiva política e económica. As promessas do PS, das quais não devemos esquecer o tão propagado choque tecnológico, arrumam-se na gaveta.
Perante a promessa de que não aumentaria os impostos, decidiu agravar a taxa normal do IVA, passando de 19% (era 17% em 2002) para 21%. Um crescimento superior a 10%, o que implica um aumento directo de 1,7% no preço pago pelo consumidor (supondo que os preços dos factores produtivos não sofrem outro aumento que não o do imposto).
À promessa de garantir o crescimento do emprego e 150 mil novos postos de trabalho, o governo perspectiva, no seu cenário mais optimista, níveis de desemprego em 2009 (6,9%) superiores aos de 2004 (6,3%), atingindo em 2006 o seu máximo (7,7%).
Simultaneamente o governo PS retoma o discurso da direita acenando com a injustiça dos muitos privilégios dos funcionários públicos (nas palavras do governo). Ataca a idade de reforma, a protecção social e o subsistema de saúde, bem como o estatuto remuneratório dos funcionários públicos.
A luta é a única resposta
Levados pela demagogia, ouve-se nas ruas e nos cafés que o Governo tem toda a razão e que os funcionários públicos são uns malandros. A intenção de dividir os trabalhadores parece estar a resultar. Como se costuma dizer, mais tarde ou mais cedo, os populares compreenderão o verdadeiro alcance destas medidas: reduzir os salários e os direitos dos trabalhadores em geral e deteriorar a prestação dos serviços públicos a um ponto sem (aparente) retorno: a privatização dos mesmos.
Perante todas estas medidas da mais elementar justiça social capitalista, o governo anuncia um pacote de intenções de redução de alguns, poucos, benefícios fiscais do capital e dos detentores de maiores rendimentos. Trocado por miúdos, aos sacrifícios que impõe aos trabalhadores, o governo PS utiliza o discurso político das intenções futuras que, por norma, nunca serão aplicadas.
No seguimento da apresentação a Bruxelas do Programa de Estabilidade e Crescimento, enquanto se discute o Orçamento Rectificativo (que põe em marcha um conjunto de políticas já referidas), surgem as primeiras declarações de o cenário macro-económico apresentado pelo governo seria optimista e corria os riscos de criar uma nova derrapagem nas contas públicas.
Na realidade a perspectiva, para o período de 2005 a 2009, de preços do petróleo, bem como, de crescimento da procura externa e o seu efeito multiplicador nas exportações nacionais, apresentam-se irrealistas face à estrutura económica portuguesa e ao modelo de crescimento capitalista efectivamente projectado.
A projecção do preço do petróleo entre os 50 e os 46 dólares, quando hoje este se encontra superior a 60 dólares, é um exemplo.
Mais grave é a projecção que é feita ao crescimento das exportações e ao seu impacto no crescimento do PIB. É reconhecido por todos os economistas de que o crescimento português se baseia nos baixos salários e em produções que exigem reduzidos níveis de conhecimento e formação, modelo que tem que ser abandonado, pela concorrência do alargamento da União Europeia a Leste e à emergência da China, Índia, Brasil e à liberalização do comércio mundial.
Quando as políticas propostas pelo governo representam a manutenção desse mesmo modelo, significa que na prática, o que provavelmente acontecerá é o agravamento dos desequilíbrios da nossa Balança Comercial pela redução da capacidade de exportar das empresas portuguesas, somado à incapacidade de produzir para o mercado interno.
Uma vez mais somos levados a concluir que os apelos de falso patriotismo e responsabilidade social, não passam de propaganda ao imobilismo dos trabalhadores com o objectivo de garantir e agravar os desequilíbrios estruturais portugueses: a concentração da riqueza e a dependência externa nacional.
A luta em defesa dos salários, do emprego, dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, bem como, da dignidade do trabalhador do Estado, é a única resposta verdadeiramente patriótica ao alcance dos trabalhadores portugueses.
Alguns, mais desatentos, poderiam ser levados a pensar que Jorge Sampaio apelava em igual modo a sindicatos e patrões. Nada que uma revisão às principais propostas do patronato não seja reveladora: cortes nas despesas do Estado, em salários - congelamento salarial dos funcionários públicos, em contraste com o aumento da remuneração dos detentores de cargos públicos – e despedimentos; privatização da saúde, educação e segurança social; desregulamentação do mercado laboral e da contratação colectiva; aumento da idade da reforma; liberalização total das rendas e dos despejos.
Acontece que o conceito de patriotismo em causa pretende atingir apenas quem vive do seu trabalho. A coincidência das propostas do governo com as pretensões do patronato dizem tudo.
Eduardo Prado Coelho, esquecido dos tempos de 75 em que denunciava os dirigentes do PS de que apesar da sua opção de esquerda não seriam revolucionários (o tempo veio demonstrar que não eram apenas esses tais dirigentes do PS), acusa o movimento sindical unitário e o Partido Comunista Português, de desviarem os trabalhadores da sua consciência cidadã. Atrevem-se a apelar à sua consciência de classe.
Sim, porque segundo Eduardo Prado Coelho, é necessário que os portugueses ponham de parte a sua condição de classe, pela qual sentem bem as consequências da política de direita e anti-patriótica (não se confunda com certo tipo de patriotismo já referido em linhas anteriores) seguida pelos sucessivos governos do PS e do PSD, sós, em parelha ou acompanhados pelo CDS, e agora novamente do PS (desta feita com maioria absoluta).
Apelando à sua condição de cidadãos, Eduardo Prado Coelho, defende a tese de que os trabalhadores devem assumir o sacrifício colectivo nacional, qual Dom Sebastião que vindo do nevoeiro reerguerá a pátria lusitana. Esta tese foi levada a extremos nos tempos do fascismo com o famoso rigor orçamental do Professor Oliveira Salazar, responsável pelo empobrecimento dos trabalhadores portugueses por conta do enriquecimento dos capitalistas e seus lacaios.
Promessas esquecidas
Terminado que está o seu primeiro tabu, o ex-comissário europeu e ex-candidato a presidente da Comissão Europeia António Vitorino, tendo tomado posse das funções de analista político, não pretendendo ficar para trás, apelou também ao que chamou responsabilidade política e social dos sindicatos.
Coerente com as políticas que sempre defendeu na Comissão Europeia, esquecendo-se das promessas eleitorais do PS, de que foi coordenador, António Vitorino responsabilizou os sindicatos pela criação de emprego.
De regresso a velha tese de que os responsáveis pela capacidade de obter emprego – a empregabilidade, muito em voga - são os trabalhadores. Sim, esses perigosos preguiçosos, ignorantes e que não querem aprender, que têm a lata de defender a contratação colectiva, a redução do horário semanal de trabalho sem redução do vencimento.
Segundo o ex-comissário/comentador da TV, a criação de emprego consegue-se flexibilizando o horário de trabalho, garantindo a mobilidade e flexibilidade laborais, facilitando o contrato individual de trabalho, e a prazo, e na tão necessária formação dos trabalhadores paga pelos próprios (não o afirmou desta feita, mas poderemos recordar as suas opiniões acerca das propinas, do Processo de Bolonha, etc.).
Todos estes comentários, aos quais poderíamos somar os dos yuppies do Compromisso Portugal, são enquadrados no tempo por um conjunto de acontecimentos que na realidade relevam para outro plano o momento e a luta política.
O Relatório Constâncio II, recupera a necessidade da contenção da despesa pública face aos compromissos com o Pacto de Estabilidade e Crescimento e a criação da moeda única assumidos pelo PS, PSD e CDS.
A transferência da sustentabilidade da dívida pública para uma perspectiva de curto prazo e a retirada dos instrumentos de política económica da esfera dos estados membros, serve na perfeição aos objectivos do capital. De uma assentada, consegue que a única ferramenta ao serviço dos governos passe a ser o nível do emprego e por essa via os salários, limitando claramente o nível da despesa pública, não às necessidades de eficiência e equidade económica, e sim, à estabilidade dos preços (dos salários) e à regra de ouro do liberalismo – as despesas correntes do Estado têm que ser cobertas pelas receitas correntes. O que tem implícita a tese: cada um deve contribuir (pagar os impostos) de acordo com a utilização que faz do Estado, ou seja, o princípio do utilizador-pagador.
O Programa de Estabilidade e Crescimento - documento político em que os governos e os parlamentos nacionais se comprometem a aplicar as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento – desenvolve a mesma perspectiva política e económica. As promessas do PS, das quais não devemos esquecer o tão propagado choque tecnológico, arrumam-se na gaveta.
Perante a promessa de que não aumentaria os impostos, decidiu agravar a taxa normal do IVA, passando de 19% (era 17% em 2002) para 21%. Um crescimento superior a 10%, o que implica um aumento directo de 1,7% no preço pago pelo consumidor (supondo que os preços dos factores produtivos não sofrem outro aumento que não o do imposto).
À promessa de garantir o crescimento do emprego e 150 mil novos postos de trabalho, o governo perspectiva, no seu cenário mais optimista, níveis de desemprego em 2009 (6,9%) superiores aos de 2004 (6,3%), atingindo em 2006 o seu máximo (7,7%).
Simultaneamente o governo PS retoma o discurso da direita acenando com a injustiça dos muitos privilégios dos funcionários públicos (nas palavras do governo). Ataca a idade de reforma, a protecção social e o subsistema de saúde, bem como o estatuto remuneratório dos funcionários públicos.
A luta é a única resposta
Levados pela demagogia, ouve-se nas ruas e nos cafés que o Governo tem toda a razão e que os funcionários públicos são uns malandros. A intenção de dividir os trabalhadores parece estar a resultar. Como se costuma dizer, mais tarde ou mais cedo, os populares compreenderão o verdadeiro alcance destas medidas: reduzir os salários e os direitos dos trabalhadores em geral e deteriorar a prestação dos serviços públicos a um ponto sem (aparente) retorno: a privatização dos mesmos.
Perante todas estas medidas da mais elementar justiça social capitalista, o governo anuncia um pacote de intenções de redução de alguns, poucos, benefícios fiscais do capital e dos detentores de maiores rendimentos. Trocado por miúdos, aos sacrifícios que impõe aos trabalhadores, o governo PS utiliza o discurso político das intenções futuras que, por norma, nunca serão aplicadas.
No seguimento da apresentação a Bruxelas do Programa de Estabilidade e Crescimento, enquanto se discute o Orçamento Rectificativo (que põe em marcha um conjunto de políticas já referidas), surgem as primeiras declarações de o cenário macro-económico apresentado pelo governo seria optimista e corria os riscos de criar uma nova derrapagem nas contas públicas.
Na realidade a perspectiva, para o período de 2005 a 2009, de preços do petróleo, bem como, de crescimento da procura externa e o seu efeito multiplicador nas exportações nacionais, apresentam-se irrealistas face à estrutura económica portuguesa e ao modelo de crescimento capitalista efectivamente projectado.
A projecção do preço do petróleo entre os 50 e os 46 dólares, quando hoje este se encontra superior a 60 dólares, é um exemplo.
Mais grave é a projecção que é feita ao crescimento das exportações e ao seu impacto no crescimento do PIB. É reconhecido por todos os economistas de que o crescimento português se baseia nos baixos salários e em produções que exigem reduzidos níveis de conhecimento e formação, modelo que tem que ser abandonado, pela concorrência do alargamento da União Europeia a Leste e à emergência da China, Índia, Brasil e à liberalização do comércio mundial.
Quando as políticas propostas pelo governo representam a manutenção desse mesmo modelo, significa que na prática, o que provavelmente acontecerá é o agravamento dos desequilíbrios da nossa Balança Comercial pela redução da capacidade de exportar das empresas portuguesas, somado à incapacidade de produzir para o mercado interno.
Uma vez mais somos levados a concluir que os apelos de falso patriotismo e responsabilidade social, não passam de propaganda ao imobilismo dos trabalhadores com o objectivo de garantir e agravar os desequilíbrios estruturais portugueses: a concentração da riqueza e a dependência externa nacional.
A luta em defesa dos salários, do emprego, dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, bem como, da dignidade do trabalhador do Estado, é a única resposta verdadeiramente patriótica ao alcance dos trabalhadores portugueses.