Mulheres, Europa e direitos

Isabel Araújo Branco
Esta semana assinala-se o 7.º aniversário do referendo sobre o aborto. O PCP considera que a despenalização pode ser aprovada pelo Parlamento, em defesa dos direitos das mulheres. Esta temática foi abordada recentemente num encontro promovido pelo PCP, JCP e GEUE, realizado em Lisboa. O Avante! entrevistou duas das participantes, Eva Svensson e Joanne Stevenson.
O PCP assinala que, apesar do PS ter a maioria absoluta na Assembleia da República, Portugal continua a manter uma das legislações mais restritivas da União Europeia em matéria de aborto, leis que têm sido usadas «para fomentar processos, investigações e julgamentos contra mulheres, como o que decorre actualmente no Tribunal de Setúbal».
O PCP reafirma que a insistência de fazer depender a alteração da lei do aborto da realização de um referendo, em vez de fazer aprovar uma nova lei na Assembleia da República, torna «quem assim pensa e age responsável por novos atrasos e incertezas quanto ao desfecho final deste processo».
Em nota à imprensa, a Comissão do PCP para a Luta e Movimento das Mulheres considera que o PS, ao desperdiçar a actual maioria parlamentar, assume «pesadas responsabilidades na dimensão social e política do aborto clandestino, na situação de atraso na protecção da saúde reprodutiva das portuguesas, continuando a ignorar as diversas recomendações internacionais sobre estas matérias».
Ao enveredarem pelo recurso ao referendo, PS e BE «demitem-se das suas responsabilidades na AR e desperdiçam a maior maioria de sempre que deveria dar corpo à despenalização do aborto, cedendo mais uma vez aos argumentos da direita e dos sectores mais conservadores. A verdade dos factos é que, na prática, PS e BE convergem no caminho dos entraves, obstáculos e adiamentos, impostos há décadas pelas forças mais obscurantistas», defende o PCP.
O PCP considera que «não é uma opção correcta dar prioridade a um novo referendo, que será usado, como evidenciou o de 1998, para fomentar um clima psicológico fracturante na sociedade, uma cruzada de culpabilização das sucessivas gerações de mulheres que têm recorrido ao aborto e para caluniar as razões fundamentais dos que estão pela despenalização do aborto em Portugal: pôr fim à sujeição das mulheres ao aborto clandestino».

Eva Britt Svensson,
do Partido da Esquerda da Suécia
«A Constituição Europeia está morta»


Qual é a relação entre a União Europeia e os direitos das mulheres?

Se compararmos os direitos das mulheres na União Europeia e na Suécia, encontramos muito mais dificuldades no contexto europeu. Na Suécia foram implementadas muitas melhorias neste campo, como é o caso da educação sexual nas escolas, implementada há 50 anos. Hoje, nenhuma mulher tem qualquer dúvida sobre a sua sexualidade. É uma questão tão natural!

Isso é bom para a vida de cada mulher...

Sim, contribui para melhorar a vida de cada uma de nós. É um assunto tão importante! Quando comecei a trabalhar na Comissão dos Direitos Humanos do Parlamento Europeu fiquei surpreendida. Pensava que sabia muito sobre a situação das mulheres nos outros Estados-membros, mas há muitas diferenças entre os países. No parlamento formado após as eleições de há cerca de um ano, a ala direita ganhou mais poder e tornou-se mais difícil trabalhar no PE, nomeadamente no que diz respeito aos direitos das mulheres e à educação sexual. Mas penso que os partidos de esquerda podem continuar a trabalhar nestas questões, até porque isso implica solidariedade entre os Estados-membros. Temos de trabalhar nos nossos países, no PE e a nível global.

As leis europeias são boas ou más para as mulheres?

Penso que na União Europeia há uma boa opinião sobre estas problemáticas e muitos eurodeputados falam dos direitos das mulheres, mas parece-me que se fala muito disso e que é mais difícil quando se trata de tomar decisões. Quem trabalha com estas questões – seja os partidos de esquerda, seja as ONGs – dá pequenos passos importantes. Não sou pessimista e penso que temos de fazer uma abordagem positiva.

Qual a sua opinião em relação à Constituição Europeia?

A Constituição Europeia é má para as mulheres e para os valores democráticos. Defende as estratégias económicas liberais. Para que existam de facto os direitos das mulheres é preciso lutar contra a pobreza, contra as diferenças entre os sexos. As políticas económicas liberais que fazem parte da Constituição Europeia vão contra a possibilidade das mulheres de aumentar a sua qualidade de vida. Por exemplo, a diferença entre os salários entre homens e mulheres vai aumentar. Ficámos muito felizes com a vitória do «Não» nos referendos em França e na Holanda e lamento que na Suécia não se realize igualmente um referendo e que seja o Parlamento a tomar a decisão.

O que pensa da decisão do Conselho da Europa em relação à Constituição Europeia?

Penso que os líderes europeus têm de reconhecer o que as populações pensam sobre a Constituição Europeia. Não podem enfiar a cabeça na areia e não ver o que as pessoas acham e o que as pessoas precisam. Os povos querem mais solidariedade e mais direitos democráticos, querem ter a possibilidade de tomar decisões sobre tudo o que está relacionado com as suas vidas. Os lideres europeus têm de reconhecer isso e assumir que a Constituição Europeia está morta.

Joanne Stevenson,
da Liga dos Jovens Comunistas do Reino Unido
«O conflito de classes está por trás dos problema das mulheres»


Quais as repercussões das políticas liberais de Margaret Thatcher no sistema de saúde britânico, em particular para as mulheres?

Apesar do que o Partido Conservador diz, Margaret Thatcher, enquanto primeira-ministra, não fez muito pelas mulheres. O que tentou fazer foi destruir o sistema de saúde. Basicamente esses governos tentaram privatizar todas as indústrias e todos os serviços públicos, mas felizmente não foram bem sucedidos em relação ao serviço de saúde. Ainda é um sector público, mas continua sob os ataques agora do Governo Trabalhista.
Na década de 60, algumas boas políticas foram implantadas – como a legalização da interrupção voluntária da gravidez – e foram atacados muitos estigmas sociais. Isto surgiu depois de muito trabalho do Partido Comunista nos anos 40 e 50. Com o trabalho de base que foi feito, o Governo foi obrigado a aceitar a necessidade de legalizar o aborto, pois a realidade e a lei eram duas coisas completamente diferentes.

O serviço de saúde tornou-se diferente depois de Tatcher?

Tornou-se pior e desde então é alvo de constantes ataques. Só agora é que os meios de comunicação social começam a falar nas consequências disso, tal como das outras indústrias e serviços que foram privatizados. Está a decorrer uma campanha para que os serviços de caminho de ferro sejam nacionalizados, porque quando eram públicos, mesmo as piores linhas, eram melhores do que são hoje privatizadas. O problema é que as pessoas têm dificuldade em fazer paralelos entre estas campanhas e o serviço de saúde e não vêem o perigo real de um próximo governo fazer desaparecer completamente o serviço público. Os serviços ópticos e os dentistas são quase todos privados e há menos fundos para os utentes que usam estes serviços. Por exemplo, temos de pagar quase na totalidade os nossos óculos e o tratamento dentário. Há muitas empresas americanas que estão a oferecer seguros de saúde e nós tentamos fortalecer a consciência de que estes serviços têm de ser públicos e para todos, e não privados.

No contexto da União Europeia, como estão os direitos das mulheres?

Não estão nada bem. Os custos não compensam os benefícios. A própria Constituição Europeia indica que todas as indústrias e todos os serviços têm de ser privatizados, o que significa que não podemos ter o nosso serviço público de saúde, de transportes ou de educação! Temos ensino público há 100 anos e agora deixaremos de o ter? Não pode ser!
O que está por trás dos problema das mulheres é o conflito de classes. Se a lei que permite o aborto desaparecer, são as mulheres trabalhadoras que serão afectadas, não as mulheres das classes altas. O mesmo acontece em todas as áreas. A educação sexual nas escolas privadas é boa, porque têm meios. Nas escolas públicas, temos apenas uma ou duas horas nas aulas de religião, educação cívica ou ciências. Não há financiamento para isso. Porque é que as pessoas não usam contraceptivos? Porque são muito caros. Os preservativos deviam ser gratuitos.

Neste contexto, como vês a Constituição Europeia?

A Constituição Europeia tem muitas desvantagens. Em vez deste tratado deveríamos estar a desenvolver as condições de vida dos trabalhadores e a atacar o imperialismo. A classe trabalhadora tem de estar unida em todo o mundo. Provavelmente, os governos europeus vão tentar remeter as decisões para os bastidores e levar os parlamentos a aprovar a Constituição. Por isso, como europeus, temos todos de dizer «Não».


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