Dúvidas da igreja portuguesa

Jorge Messias
A montanha verbal erguida sobre a sucessão do Papa serviu, como sempre, para realçar o acessório e ocultar o fundamental. Só porque tem outro chefe, a igreja católica não mudou nem resolveu qualquer dos seus vários problemas de fundo. E nada permite esperar que venha a abrandar o seu anterior esquema estratégico. Os projectos de expansão que alimentou durante o consulado de João Paulo II são exactamente os mesmos que a continuarão a orientar. A questão é que entre os actuais cardeais do Vaticano apagou-se a linha divisória entre fundamentalistas e progressistas e absolutizou-se o princípio da incondicional obediência ao Papa. O mesmo vai acontecendo entre os bispos das conferências nacionais, transformados em títeres do dogma e do expansionismo, esquecidos dos anseios e dos direitos dos seus humildes povos. Só porque o trono de Pedro mudou de ocupante, não nos devemos deixar iludir por falsas esperanças de mudança das leituras que o clero faz dos seus deveres, justamente nas áreas que nos devem preocupar: a da intervenção da hierarquia da igreja portuguesa na política e na sociedade.
A Conferência Episcopal Portuguesa sofreu, em Maio, uma profunda remodelação. Pouco mediatizada, aliás. As atenções estavam viradas para o grande espectáculo romano. O que é facto, é que esta remodelação não deve ser esquecida. Os bispos portugueses escolheram, em Plenário, um novo presidente para a CEP, D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga. Trata-se de um prelado com uma dupla licenciatura (uma, laica, em História; a outra, eclesiástica, em Teologia). Um outro novo bispo, D. Carlos Azevedo (História e Teologia), foi eleito secretário da Conferência. Faz parte de um grupo importante de vários novos bispos, com a característica comum das «duas formaturas», que ingressou agora na CEP. Caracterizam-se por serem, simultaneamente, padres doutores da Igreja, formados em universidades católicas; e historiadores, educadores, geofísicos, etc., que cursaram faculdades públicas ou privadas. Nos seus currículos avulta o facto de estarem sempre ligados, como ex-alunos ou como professores, à Universidade Católica Portuguesa e, em particular, à sua Faculdade de Teologia. Observe-se, apenas de passagem, que essa instituição é frequentemente apontada como sede do tradicionalismo católico mais cerrado. Diz-se que se entrecruza, permanentemente, com o Opus Dei.
Nada temos a ver, evidentemente, com as formas de organização da igreja católica. A Constituição da República consagra o direito das igrejas escolherem livremente as suas formas orgânicas. Mas podemos reflectir, simplesmente, sobre o provável sentido destas mudanças. Elas serão acompanhadas, dentro em breve, pelo anúncio de mudanças radicais nas paróquias e pela aceleração dos ritmos de intervenção da acção social e política da igreja portuguesa. É o que se entende, aliás, das recentes declarações públicas de D. Jorge Ortiga, o novo homem forte do episcopado. Quanto aos grandes problemas latentes na sociedade portuguesa, a igreja fará campanha contra a interrupção voluntária da gravidez, contra o uso de contraceptivos, contra a alteração do actual estatuto dos homossexuais e contra qualquer forma de eutanásia clínica. No que se refere ao encerramento das empresas e à supressão de postos de trabalho, a hierarquia remete esses casos para as lutas dos trabalhadores católicos dispersos no mercado. A principal prioridade do episcopado será na linha da cultura «enquanto promoção de um humanismo integrado que envolva todas as áreas da vida», declara D. Jorge. Particularmente em terrenos como os da Economia, do Direito ou da Biotecnologia, a Universidade Católica pode dar um contributo importantíssimo ao projecto da igreja. Ao tratar do perfil que atribui ao novo Papa, refere o novo presidente da CEP: «Estou convencido de que este Papa, apelidado por muitos de tradicionalista, será um teólogo de vanguarda... Ele também tem uma devoção muito grande a Maria e, até talvez, a Portugal!»
Nas entrelinhas destas declarações pouco ou nada se encontra que anuncie novas posições da igreja, mais democráticas e socialmente mais justas. Pelo contrário, a rejuvenescida hierarquia católica parece inclinada à radicalização das suas tendência elitistas, profundamente conservadoras. O que significa um cada vez maior isolamento.


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