Cerco ao Irão

André Levy
A cimeira para revisão do Tratado de Não-Proliferação (TNP) prossegue em Nova Iorque. Não é promissor que a primeira semana e meia de uma conferência de quatro semanas tenha sido passada a discutir a agenda. Os estados não nucleares queixam-se que os cinco países que oficialmente possuem armas nucleares não estão a cumprir a sua parte do compromisso, pela falta de progresso em eliminar os seus arsenais e pelo desenvolvimento de novas armas nucleares. Os EUA estão também em falta ao não terem ainda ratificado o Tratado Compressivo de Eliminação de Testes Nucleares. Por outro lado, os EUA desejam impor limites ao desenvolvimento de tecnologia nuclear por parte de estados como o Irão.
O Irão reclama, legitimamente, o seu direito de desenvolver um sector energético nuclear. Afinal, esse direito está contemplado no Artigo IV do TNP, que concede o direito ao «desenvolvimento, pesquisa, produção, e uso de energia nuclear para fins pacíficos». E mais recentemente tanto os EUA como a Grã-Bretanha declararam dar um novo impulso nesta área. Recentemente, o presidente Bush apelou à construção de novas centrais nucleares nos EUA, segundo ele um passo importante no caminho para uma maior independência energética(1).
O receio, reclamam, é que o Irão use o urânio enriquecido para a produção de armas nucleares. Mas enfraquecer o Artigo IV, enquanto não se cumpre as suas obrigações de desarmamento, seria perturbar o balanço de direitos e deveres que viabilizam o TNP. De resto, os EUA e Israel já planeiam destruir as centrais nucleares iranianas, caso os meios diplomáticos instrumentalizados não o consigam. Existe precedente: a força aérea israelita destruiu em 1981 o reactor iraquiano de Osirak. E existem indícios de preparativos para um ataque semelhante no Irão: os EUA conduzem manobras de reconhecimento aéreo e no terreno das instalações nucleares no Irão. Vários oficiais militares e da inteligência dos EUA afirmaram repetidamente que «o próximo alvo estratégico será o Irão»(2). Já em 2004, Israel havia completado treinos de uma ataque preventivo contra a central nuclear em Bushehr(3), e agora procura comprar aos EUA bombas BLU-109 e GBU-28 destinadas à destruição de instalações subterrâneas(4).

Um país cobiçado

O interesse estratégico dos EUA pelo Irão vai muito além da segurança. Trata-se de controlar um país com reservas combinadas de hidrocarbonos apenas ligeiramente inferiores aos da Arábia Saudita. Segundo as mais recentes estimativas do Oil and Gas Journal, o Irão tem as segundas maiores reservas de petróleo, a seguir à Arábia Saudita, tendo um maior potencial de crescimento de produção, já que não está a extrair em plena capacidade. E possui as segundas maiores reservas de gás natural (a seguir à Rússia), um recurso que assumirá importância crescente.
As companhias estadunidenses estão impedidas de investir no Irão, por uma ordem executiva assinada por Clinton em 95, e renovada por Bush em 2004. Entretanto, apesar de ameaças de sanções pelos EUA, alguns dos seus principais rivais económicos têm desenvolvido parcerias com o Irão. A Rússia é o principal vendedor de tecnologia nuclear ao Irão, e concordou até retirar todo o combustível gasto na central de Bushehr, para apaziguar as preocupações de que possa ser usado para produção de plutónio.
A China importa já 14% do seu petróleo do Irão, e em 2004, a companhia chinesa Sinopec assinou um contrato de 25 anos, no valor de 100 mil milhões de dólares para desenvolver um dos maiores campos de extracção de gás natural e subsequente exportação para a China. A Índia também celebrou um contrato, em Janeiro, para a exportação de gás natural iraniano, e discute conjuntamente com o Paquistão a construção de um oleoduto a unir estes países, motivando a secretária de Estado, Condoleezza Rice, numa recente visita à Índia, a exprimir a sua preocupação pela cooperação entre estes países. E o Japão adquiriu recentemente 20% do Soroush-Nowruz, campo de extracção marítimo iraniano no Golfo Persa.
O Irão tem também importância geográfica pelo controle que exerce sobre o estreito de Hormuz, que dá acesso marítimo ao Golfo Persa, e portanto a grande parte da exportação de petróleo iraquiano e saudita. O Irão já ameaçou que fecharia o estreito por forma a prevenir um ataque dos EUA.
O Irão vê-se assim ameaçado por Israel e cercado por posições militares dos EUA, na Arábia Saudita, Iraque, Koweit e Afeganistão. Não existindo indícios de que o Irão planeie desenvolver armas nucleares, seria de admirar se o fizesse?
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81) Os EUA possuem actualmente 103 centrais nucleares comerciais, que providenciam cerca de 20% da energia nacional. Mas desde 1970 que não é construída uma nova central. Em contraste, a França, que produz quase 80% da sua energia em centrais nucleares, construiu 58 centrais desde essa data.
(2) Seymour Hersh, New Yorker, 17 de Janeiro, 2005
(3) Jerusalem Post, 19 de Julho, 2004
(4) Financial Times, 28 de Fevereiro, 2005 e Jerusalem Post, 5 de Maio, 2005


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