O fascismo salazarista nas curvas da guerra
Nos anos 20 em toda a Europa vivia-se um período de grande crise social e política. Os grupos sociais e financeiros dominantes queriam reconstituir e reforçar o seu poder, abalado com a 1.ª Grande Guerra (1914-18). As camadas populares, com os trabalhadores na primeira linha, procuravam o reconhecimento dos seus direitos sociais e económicos, com um ânimo em grande parte estimulado pelo avanço desses direitos na Rússia, com a revolução soviética de 1917. E o anticomunismo foi a bandeira que as forças políticas mais reaccionárias ergueram para fundamento da sua expressão mais agressiva que então começava crescendo no mundo: o nazi-fascismo.
A maré reaccionária que alastrava na Europa chegou a Portugal em 1926, pela mão da ditadura militar implantada pelo golpe de Estado de 28 de Maio. E a ditadura militar encontrou em Salazar a pessoa que se tornou a face visível, o orientador e o organizador do novo regime de opressão, repressão e exploração - a que chamaram «Estado Novo».
Salazar apoia as ambições do nazismo hitleriano
No período que antecede a guerra, a posição do fascismo português é de claro apoio perante as ambições territoriais e revanchistas de Hitler e de aplauso e incentivação a todas as cedências da Inglaterra e da França. Toda a acção de Salazar vai no sentido de apoiar as negociações entre as potências ocidentais e Hitler, de forma a que cedam perante as suas reivindicações, e de contrariar todo e qualquer acordo entre elas e a URSS no sentido de travar o nazismo.
No mesmo dia em que Hitler anexava a Áustria (11 de Março de 1938) perante o silêncio cúmplice da França e da Inglaterra, Salazar proferia aos «legionários» um violento discurso anticomunista e anti-soviético. Dias depois, perante a fina-flor dos dirigentes da União Nacional, não disfarçava o seu contentamento pelo «espírito de colaboração» nas relações internacionais fora das «simpatias dos governantes pelos sistemas políticos», isto é, por terem aceite passivamente a acção nazi contra a Áustria.
Para Salazar, a anexação da Checoslováquia «foi apenas um episódio ou incidente». E expressava mais uma vezo seu apoio às ambições de Hitler: «É insensato supor que a Alemanha poderia indefinidamente resignar-se a viver numa espécie de menoridade que violentava a consciência nacional», aplaudindo uma Alemanha que «criou um imenso poderio militar que em plena paz lhe permitiu alargar as fronteiras do Império.»
Salazar não escondeu também o seu regozijo pelo novo rumo das relações internacionais a seguir ao vergonhoso Pacto de Munique, em que Chamberlain e Daladier entregaram a Hitler a Checoslováquia. Não esquecendo na ocasião de fazer rasgado elogio ao seu guia e mestre Mussolini, exaltando entusiasmado a «indiscutível glória de Chamberlain, a quem o chefe do governo italiano deve ter dado a colaboração decisiva do seu génio político». O ditador fascista não disfarçava o seu entusiasmo ao apontar quem, segundo ele, considera ter sido derrotado em Munique: «E até a Rússia soviética, aliás directamente interessada na contenda, teve de ser afastada como indesejável para ser possível alcançar a paz. Grande derrota e para muitos duríssima lição.»
A Europa caminhava a passos velozes para a guerra. A Inglaterra e a França, ajudadas pela teimosia dos coronéis polacos, também amigos de Hitler, não se decidem a um acordo político-militar a sério com a URSS, capaz de travar Hitler.
Mas a Inglaterra e a França gozaram por pouco tempo a ilusão de terem empurrado a Alemanha nazi contra a URSS. Aperceber-se-ão rapidamente que os planos de Hitler eram mais vastos.
O fascismo português ante a guerra
Em 1 de Setembro de 1939, quando a Alemanha invade a Polónia sem lhe declarar guerra, o governo português publica uma nota oficiosa de autoria de Salazar em que «prevê» as mais graves consequências «pelo facto de irem defrontar-se na luta algumas das maiores nações do nosso continente, nações amigas» e define a posição portuguesa como de neutralidade. Trata-se, no fundo, do que melhor serve, naquele momento, os interesses da Alemanha nazi e da Inglaterra. É o próprio Salazar que o diz (9 de Outubro): «A Alemanha fez--nos saber que está na disposição de respeitar a integridade de Portugal e das suas possessões ultramarinas em caso de neutralidade, a Inglaterra nada pedirá em nome da Aliança que nos obrigasse a entrar no conflito.»
Mas Salazar vai avisando que em qualquer momento pode mudar de posição, iniciando o longo ziguezaguear até vislumbrar um vencedor.
Para o fascismo português, uma guerra entre os dois dos seus mais importantes aliados (Inglaterra e Alemanha) era um quebra-cabeças. À Inglaterra, grande potência marítima, colonial, imperialista, ligava o fascismo a sobrevivência do império colonial. Na Alemanha atraiam-lhe as afinidades ideológicas e a ideia da aliança com a grande potência «do futuro», como dizia Salazar.
A falsa neutralidade de Salazar
Enquanto proclamava em 1939 a neutralidade e reafirmava a aliança com a Inglaterra, o fascismo português colaborava intensamente com a guerra desencadeada pelos nazis. Tratava-se da continuação lógica de relações que vinham de trás e que se tinham consolidado na ajuda a Franco.
À Alemanha nazi não interessava a participação do pequeno e mal preparado exército português. O que lhe interessava era o enorme auxílio em minérios para a indústria de guerra (volfrâmio, estanho, cobre, etc.), em munições e explosivos, em abastecimentos de géneros alimentícios (sardinhas de conserva, peixe fresco, cereais, óleos, etc.) e malhas destinadas às tropas da frente soviética, botas militares, correias de transmissão, capacetes, etc, que, a coberto da «neutralidade», o governo fascista de Salazar fornecia à máquina de guerra hitieriana. Numerosos telegramas entre a embaixada alemã em Lisboa e o governo nazi em Berlim demonstram de forma irrefutável que a Alemanha era de facto privilegiada com acordos secretos mesmo quando a sorte de guerra passou a inclinar-se para os aliados e demonstram que o governo de Salazar cobria totalmente as ilegalidades cometidas por alemães no «mercado negro», mas agia imediatamente perante as queixas alemães sobre «compras ilegais» dos aliados.
Um dos aspectos mais importantes do apoio de Salazar ao exército nazi foi a exportação de grande parte dos poucos géneros com que o povo português podia contar para a sua alimentação. Os géneros alimentícios saíam diariamente de Portugal por Vilar Formoso, Marvão, etc., para Espanha ou Suíça de onde seguiam para a Alemanha.
A «neutralidade» do Portugal de Salazar e da Espanha de Franco foi, de facto, uma cunha aberta no bloqueio à Alemanha, para fornecimento de alimentos e matérias-primas importadas em muitos casos dos próprios países em guerra com a Alemanha.
Nos primeiros anos de guerra o «jogo» vai ser fácil para Salazar. Hitler parece imparável.
Em Junho de 1940, Hitler já está em Paris. Os seus exércitos avançam em todo o lado. Salazar aguarda. Remodela o governo, autonomeia-se também ministro da Guerra, faz discursos a militares, ao funcionalismo.
A Inglaterra, entretanto, procura não perder o «velho» aliado, que sabe que tem o coração com Hitler. Em 19 de Abril de 1941 conferem a Salazar o título de doutor honoris causa pela Universidade de Oxford...
A Quinta Coluna nazi em Portugal
Portugal sob regime fascista foi, antes de mais, um centro de espionagem de primeiro plano que protegeu e serviu de base à actividade de milhares de espiões nazis. Milhares de alemães, disfarçados de comerciantes, turistas, etc., dedicavam-se, com o apoio das polícias de Salazar, à espionagem. De Lisboa partiam informações para afundamento de barcos aliados (e neutrais) que saíam dos portos portugueses. Altos funcionários portugueses eram autênticos espiões ao serviço de Hitler, fornecendo informações à Embaixada alemã. Portugal converteu-se numa base de conspiração diplomática hitleriana. O governo de Salazar tornou-se uma peça
da máquina hitieriana para as suas campanhas anticomunistas e anti-soviéticas e para as suas manobras tendentes a dividir os aliados. O próprio irmão do rei de Inglaterra veio a Portugal, depois da invasão da URSS, para tentar negociar com os alemães uma «paz separada».
A Legião Portuguesa era a tropa de choque dos quinta-colunistas nazis em Portugal.
Os afundamentos de barcos mercantes portugueses pelos submarinos alemães eram recebidos com indiferença pelo governo. Os jornais fascistas e, em especial, o jornal oficioso Diário da Manhã, a Emissora Nacional, os discursos de fascistas responsáveis, enalteciam os «feitos de armas» hitierianos.
Os quinta-colunistas portugueses praticavam também a repressão contra refugiados antifascistas alemães. Segundo o presidente do Comité Internacional de Auxílio aos Refugiados, em declaração lida em 1-11-1941 nos EUA, «vários refugiados alemães antifascistas têm desaparecido de Portugal, por terem sido entregues pela PIDE à Gestapo, que os tem assassinado ou enviado para campos de concentração». E Salazar deu aos cônsules portugueses na Europa ordens no sentido de proibir dar vistos a passaportes de israelitas de qualquer nacionalidade; ordens que o cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, não cumpriu, salvando assim muitas vidas contra a vontade do governo salazarista.
«A voz do Fuhrer»
A propaganda nazi em Portugal foi intensa. Era feita através do sistema propagandístico de Salazar e pelos próprios alemães. A imprensa portuguesa alinhava pela bitola nazi. O tema mais glosado era o antibolchevismo do regime de Hitler.
Os jornais portugueses publicavam integralmente as «Proclamações» do Führer e circulavam livremente livros «clandestinos» dos serviços de propaganda nazi.
A rádio foi, no entanto, a principal força dos serviços de propaganda nazi.
Um relatório alemão de 29-5-1941 refere que «a embaixada chegou a acordo com a mais forte rádio particular portuguesa, o Rádio Clube Português (dirigida pelo fascista Botelho Moniz), segundo o qual esse posto pede aos ouvintes que escutem, às 21,30 h, a emissão alemã em língua portuguesa. Esta decisão causou sensação e representa uma excelente propaganda para a rádio alemã», sublinhava o telegrama do embaixador.
Mas a mais descarada posição pró-nazi das emissoras portuguesas foi dada pela Rádio Renascença. Em 1-3-1941, um «Relatório sobre propaganda em Portugal» referia que «a influência já exercida sobre a Rádio Renascença, será acelerada pela Embaixada alemã em Portugal».
Quase dois meses depois numa acta de uma reunião em Berlim sobre as emissões para Portugal referia-se: «o Sr. Volker informou que se conseguiu alugar a Rádio Renascença de modo a ficarem todas as emissões à nossa completa disposição. A direcção está nas mãos do Sr. Roth.»
Esta acção de intoxicação pró-nazi utilizava também palestrantes portugueses, nas várias emissoras: Costa Leite Lumbralles, João Ameal, Luís Supico, Domingos Mascarenhas, que difundiam os princípios do nacional-socialismo hitieriano e procurava enfraquecer o espírito antifascista e a luta do povo português.
O ascenso da luta popular antifascista em Portugal durante a Segunda Guerra, com a acção fundamental do PCP, provou que o nazismo não conseguiu o mínimo apoio da parte do povo português.
A agressão à URSS
e as reacções dos salazaristas
Em Junho de 1941 a Alemanha invade a URSS. Salazar e os fascistas portugueses rejubilam e manifestam abertamente a sua alegria.
Em 10 de Julho de 1941, a Legião Portuguesa, cujo presidente da Junta Central era o ministro das Finanças Costa Leite Lumbrales, declarava em ordem do dia: «A grandeza das forças que hoje enfrentam o comunismo russo não carece de colaboração nossa na frente da batalha, mas devemos considerar-nos mobilizados e prontos a travar combate, logo que seja necessário, neste extremo ocidental da Europa.»
Mas quando a Inglaterra e a URSS estabelecem acordos de cooperação e quando soviéticos, americanos e ingleses assinam em Moscovo acordos de fornecimentos militares, para Salazar, campeão do anticomunismo, é de mais!
Salazar levanta a voz «contra os perigos de tal cooperação» referindo «a inegável perturbação dos espíritos causada pela aliança anglo-russa e a dolorosa inquietação que se pressente por toda a parte em virtude da solidariedade emprestada pelas democracias inglesa e americana ao governo soviético».
Para o fascismo português o momento é de hesitação. As dúvidas quanto ao futuro são grandes. Mas Salazar não desiste de pensar na vitória do aliado ideológico. Salazar adverte do perigo, tem a percepção do significado das derrotas nazis na URSS e da entrada dos EUA na guerra, com todo o seu potencial económico, e das possíveis consequências dos crescentes entendimentos entre os anglo-americanos e a URSS. Ele teme as consequências de uma vitória democrática.
Salazar reconhece, num discurso de 25 de Junho de 1942, que «há muitos interessados em fazer da eventual vitória inglesa uma vitória ideológica». Ele sabe que uma derrota de Hitler representa um grave perigo para a sobrevivência do regime.
Como contrapartida a esse aspecto na evolução da guerra, que acentuou o caracter ideológico da guerra e continha fortes factores potencialmente revolucionários, Salazar reforça a propaganda fascista. A Emissora Nacional inicia a «Campanha anticomunista», dirigida por Costa Leite Llumbralles.
As derrotas nazis na Frente Leste
e a viragem na guerra
Em 1943, as derrotas nazis começam a avolumar-se. Os aliados ocidentais retardam a abertura da 2.ª frente, deixando que os nazis concentrem toda a sua força militar contra os soviéticos, que continuam a arrostar com o grosso do potencial militar nazi. Mas os soviéticos resistem heroicamente em Moscovo, Leninegrado e Stalinegrado, detendo a ofensiva da Wermacht e demonstrando que os exércitos nazis não eram invencíveis. E depois da derrota alemã em Stalinegrado, onde é vencido e aprisionado um dos mais poderosos exércitos hitlerianos, regista-se uma viragem na guerra.
Prosseguem as ofensivas soviéticas em todas as frentes. A 10 de Julho os anglo-americanos desembarcam na Sicília. Mussolini cai. Importantes cidades alemãs, Hamburgo, Berlim, são duramente bombardeadas. As resistências nacionais antinazis ganham força.
E quando as sortes da guerra começam a inclinar-se em sentido antinazi, o governo salazarista sente a necessidade de exibir medidas militares e reforça o seu potencial militar e repressivo.
Em 1 de Agosto, há uma parada militar em Lisboa e, numa nota oficiosa de 2 de Setembro de 1943, o governo vem justificar «as recentes aquisições e recepção de material de guerra em quantidades apreciáveis».
Para que são as armas? Diz o governo: «Tanto podem ter de servir contra inimigos externos como contra os veículos internos de desagregação nacional.»
O PCP alerta para a viragem de campo
do fascismo salazarista
O PCP denunciou imediatamente o ensaio de «reviravolta».
De facto, o discurso de Salazar de Abril de 1943 foi considerado pelo Avante! logo a seguir, em Maio, como «a reviravolta» de Salazar. E no Avante! n.º 34, de Junho de 1943, podia ler-se: «Sim, é possível uma "reviravolta" de Salazar para o lado de Inglaterra mas apenas para tentar fazer sobreviver o domínio fascista de Salazar, mesmo no caso de derrota hitieriana».
As angústias salazaristas de 43/44
Em Outubro de 1943, Salazar cede aos ingleses «facilidades nos Açores em troca de auxílio militar britânico» para o Exército português.
As derrotas nazis sucediam-se, e a Itália assinava o armistício com os anglo-americanos e declarava a guerra à Alemanha.
Em 14-30 de Outubro de 1943, realiza-se em Moscovo a Conferência Tripartida anglo-americano-soviética. Em fins de Novembro realiza-se a Conferência dos Três Grandes em Teerão. As tropas soviéticas avançavam, o desembarque anglo-americano no ocidente era marcado para Maio-Junho de 1944. A sorte de Hitler estava ditada.
É neste quadro em movimento e anunciador de alterações que o fascismo salazarista é obrigado a procurar novos apoios. O coração balançava-lhes para o lado de Hitler. Mas desse lado já não podiam esperar os necessários suportes.
O que preocupava Salazar era a sobrevivência do regime. Ele sabia desde 1939 que o regime estaria em perigo entrando na guerra. Mas agora também o está, não entrando.
Salazar começa a pensar no pós-guerra e nas formas de se salvar. «Espera-se uma nova ordem, dependendo precisamente do desfecho da guerra saber-se quem a definirá» dizia ele em 27 de Abril de 1943.
O ano de 1943 é sem dúvida de grande preocupação quanto ao desfecho da guerra. O primeiro semestre deve ter sido negro para o ditador pelos constantes desastres dos amigos com as derrotas em Stalinegrado e em Itália. O segundo semestre marcará o início das grandes opções, certamente dolorosas para Salazar, mas necessárias para salvar o regime.
O fascismo português na aproximação agora mais nítida à Inglaterra e aos EUA procura justificar as anteriores relações económicas e de fornecimentos militares com Hitler dizendo que «tem procurado «comerciar com uns e com outros».
Salazar não se poupa a esforços para convencer agora os americanos da sua sinceridade na dinamização da aliança, sobretudo porque ele sabe que as posições do seu governo foram entendidas no passado como coniventes com Hitler.
Até à última hora, Salazar permaneceu de coração ao lado da Alemanha hitleriana. E, pela morte de Hitler, prestou-lhe a última homenagem decretando luto nacional. Os acontecimentos foram, porém, mais fortes que os desejos de Salazar.
Em 25 de Maio de 1944 Salazar reconhece pela primeira vez de forma explícita, num discurso público, «a hipótese da guerra terminar por inequívoca derrota alemã» e já só pensa na salvação do regime no pós-guerra.
Salazar sabe (e di-lo) que a Inglaterra e os EUA são as potências que virão a ter grande papel no pós-guerra, prevê o seu confronto com a URSS e prepara-se para tomar posições no que viria a chamar-se guerra fria, onde espera que o seu anticomunismo assegure a sobrevivência do seu regime fascista.
Como de facto aconteceu.
Salazar apoia as ambições do nazismo hitleriano
No período que antecede a guerra, a posição do fascismo português é de claro apoio perante as ambições territoriais e revanchistas de Hitler e de aplauso e incentivação a todas as cedências da Inglaterra e da França. Toda a acção de Salazar vai no sentido de apoiar as negociações entre as potências ocidentais e Hitler, de forma a que cedam perante as suas reivindicações, e de contrariar todo e qualquer acordo entre elas e a URSS no sentido de travar o nazismo.
No mesmo dia em que Hitler anexava a Áustria (11 de Março de 1938) perante o silêncio cúmplice da França e da Inglaterra, Salazar proferia aos «legionários» um violento discurso anticomunista e anti-soviético. Dias depois, perante a fina-flor dos dirigentes da União Nacional, não disfarçava o seu contentamento pelo «espírito de colaboração» nas relações internacionais fora das «simpatias dos governantes pelos sistemas políticos», isto é, por terem aceite passivamente a acção nazi contra a Áustria.
Para Salazar, a anexação da Checoslováquia «foi apenas um episódio ou incidente». E expressava mais uma vezo seu apoio às ambições de Hitler: «É insensato supor que a Alemanha poderia indefinidamente resignar-se a viver numa espécie de menoridade que violentava a consciência nacional», aplaudindo uma Alemanha que «criou um imenso poderio militar que em plena paz lhe permitiu alargar as fronteiras do Império.»
Salazar não escondeu também o seu regozijo pelo novo rumo das relações internacionais a seguir ao vergonhoso Pacto de Munique, em que Chamberlain e Daladier entregaram a Hitler a Checoslováquia. Não esquecendo na ocasião de fazer rasgado elogio ao seu guia e mestre Mussolini, exaltando entusiasmado a «indiscutível glória de Chamberlain, a quem o chefe do governo italiano deve ter dado a colaboração decisiva do seu génio político». O ditador fascista não disfarçava o seu entusiasmo ao apontar quem, segundo ele, considera ter sido derrotado em Munique: «E até a Rússia soviética, aliás directamente interessada na contenda, teve de ser afastada como indesejável para ser possível alcançar a paz. Grande derrota e para muitos duríssima lição.»
A Europa caminhava a passos velozes para a guerra. A Inglaterra e a França, ajudadas pela teimosia dos coronéis polacos, também amigos de Hitler, não se decidem a um acordo político-militar a sério com a URSS, capaz de travar Hitler.
Mas a Inglaterra e a França gozaram por pouco tempo a ilusão de terem empurrado a Alemanha nazi contra a URSS. Aperceber-se-ão rapidamente que os planos de Hitler eram mais vastos.
O fascismo português ante a guerra
Em 1 de Setembro de 1939, quando a Alemanha invade a Polónia sem lhe declarar guerra, o governo português publica uma nota oficiosa de autoria de Salazar em que «prevê» as mais graves consequências «pelo facto de irem defrontar-se na luta algumas das maiores nações do nosso continente, nações amigas» e define a posição portuguesa como de neutralidade. Trata-se, no fundo, do que melhor serve, naquele momento, os interesses da Alemanha nazi e da Inglaterra. É o próprio Salazar que o diz (9 de Outubro): «A Alemanha fez--nos saber que está na disposição de respeitar a integridade de Portugal e das suas possessões ultramarinas em caso de neutralidade, a Inglaterra nada pedirá em nome da Aliança que nos obrigasse a entrar no conflito.»
Mas Salazar vai avisando que em qualquer momento pode mudar de posição, iniciando o longo ziguezaguear até vislumbrar um vencedor.
Para o fascismo português, uma guerra entre os dois dos seus mais importantes aliados (Inglaterra e Alemanha) era um quebra-cabeças. À Inglaterra, grande potência marítima, colonial, imperialista, ligava o fascismo a sobrevivência do império colonial. Na Alemanha atraiam-lhe as afinidades ideológicas e a ideia da aliança com a grande potência «do futuro», como dizia Salazar.
A falsa neutralidade de Salazar
Enquanto proclamava em 1939 a neutralidade e reafirmava a aliança com a Inglaterra, o fascismo português colaborava intensamente com a guerra desencadeada pelos nazis. Tratava-se da continuação lógica de relações que vinham de trás e que se tinham consolidado na ajuda a Franco.
À Alemanha nazi não interessava a participação do pequeno e mal preparado exército português. O que lhe interessava era o enorme auxílio em minérios para a indústria de guerra (volfrâmio, estanho, cobre, etc.), em munições e explosivos, em abastecimentos de géneros alimentícios (sardinhas de conserva, peixe fresco, cereais, óleos, etc.) e malhas destinadas às tropas da frente soviética, botas militares, correias de transmissão, capacetes, etc, que, a coberto da «neutralidade», o governo fascista de Salazar fornecia à máquina de guerra hitieriana. Numerosos telegramas entre a embaixada alemã em Lisboa e o governo nazi em Berlim demonstram de forma irrefutável que a Alemanha era de facto privilegiada com acordos secretos mesmo quando a sorte de guerra passou a inclinar-se para os aliados e demonstram que o governo de Salazar cobria totalmente as ilegalidades cometidas por alemães no «mercado negro», mas agia imediatamente perante as queixas alemães sobre «compras ilegais» dos aliados.
Um dos aspectos mais importantes do apoio de Salazar ao exército nazi foi a exportação de grande parte dos poucos géneros com que o povo português podia contar para a sua alimentação. Os géneros alimentícios saíam diariamente de Portugal por Vilar Formoso, Marvão, etc., para Espanha ou Suíça de onde seguiam para a Alemanha.
A «neutralidade» do Portugal de Salazar e da Espanha de Franco foi, de facto, uma cunha aberta no bloqueio à Alemanha, para fornecimento de alimentos e matérias-primas importadas em muitos casos dos próprios países em guerra com a Alemanha.
Nos primeiros anos de guerra o «jogo» vai ser fácil para Salazar. Hitler parece imparável.
Em Junho de 1940, Hitler já está em Paris. Os seus exércitos avançam em todo o lado. Salazar aguarda. Remodela o governo, autonomeia-se também ministro da Guerra, faz discursos a militares, ao funcionalismo.
A Inglaterra, entretanto, procura não perder o «velho» aliado, que sabe que tem o coração com Hitler. Em 19 de Abril de 1941 conferem a Salazar o título de doutor honoris causa pela Universidade de Oxford...
A Quinta Coluna nazi em Portugal
Portugal sob regime fascista foi, antes de mais, um centro de espionagem de primeiro plano que protegeu e serviu de base à actividade de milhares de espiões nazis. Milhares de alemães, disfarçados de comerciantes, turistas, etc., dedicavam-se, com o apoio das polícias de Salazar, à espionagem. De Lisboa partiam informações para afundamento de barcos aliados (e neutrais) que saíam dos portos portugueses. Altos funcionários portugueses eram autênticos espiões ao serviço de Hitler, fornecendo informações à Embaixada alemã. Portugal converteu-se numa base de conspiração diplomática hitleriana. O governo de Salazar tornou-se uma peça
da máquina hitieriana para as suas campanhas anticomunistas e anti-soviéticas e para as suas manobras tendentes a dividir os aliados. O próprio irmão do rei de Inglaterra veio a Portugal, depois da invasão da URSS, para tentar negociar com os alemães uma «paz separada».
A Legião Portuguesa era a tropa de choque dos quinta-colunistas nazis em Portugal.
Os afundamentos de barcos mercantes portugueses pelos submarinos alemães eram recebidos com indiferença pelo governo. Os jornais fascistas e, em especial, o jornal oficioso Diário da Manhã, a Emissora Nacional, os discursos de fascistas responsáveis, enalteciam os «feitos de armas» hitierianos.
Os quinta-colunistas portugueses praticavam também a repressão contra refugiados antifascistas alemães. Segundo o presidente do Comité Internacional de Auxílio aos Refugiados, em declaração lida em 1-11-1941 nos EUA, «vários refugiados alemães antifascistas têm desaparecido de Portugal, por terem sido entregues pela PIDE à Gestapo, que os tem assassinado ou enviado para campos de concentração». E Salazar deu aos cônsules portugueses na Europa ordens no sentido de proibir dar vistos a passaportes de israelitas de qualquer nacionalidade; ordens que o cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, não cumpriu, salvando assim muitas vidas contra a vontade do governo salazarista.
«A voz do Fuhrer»
A propaganda nazi em Portugal foi intensa. Era feita através do sistema propagandístico de Salazar e pelos próprios alemães. A imprensa portuguesa alinhava pela bitola nazi. O tema mais glosado era o antibolchevismo do regime de Hitler.
Os jornais portugueses publicavam integralmente as «Proclamações» do Führer e circulavam livremente livros «clandestinos» dos serviços de propaganda nazi.
A rádio foi, no entanto, a principal força dos serviços de propaganda nazi.
Um relatório alemão de 29-5-1941 refere que «a embaixada chegou a acordo com a mais forte rádio particular portuguesa, o Rádio Clube Português (dirigida pelo fascista Botelho Moniz), segundo o qual esse posto pede aos ouvintes que escutem, às 21,30 h, a emissão alemã em língua portuguesa. Esta decisão causou sensação e representa uma excelente propaganda para a rádio alemã», sublinhava o telegrama do embaixador.
Mas a mais descarada posição pró-nazi das emissoras portuguesas foi dada pela Rádio Renascença. Em 1-3-1941, um «Relatório sobre propaganda em Portugal» referia que «a influência já exercida sobre a Rádio Renascença, será acelerada pela Embaixada alemã em Portugal».
Quase dois meses depois numa acta de uma reunião em Berlim sobre as emissões para Portugal referia-se: «o Sr. Volker informou que se conseguiu alugar a Rádio Renascença de modo a ficarem todas as emissões à nossa completa disposição. A direcção está nas mãos do Sr. Roth.»
Esta acção de intoxicação pró-nazi utilizava também palestrantes portugueses, nas várias emissoras: Costa Leite Lumbralles, João Ameal, Luís Supico, Domingos Mascarenhas, que difundiam os princípios do nacional-socialismo hitieriano e procurava enfraquecer o espírito antifascista e a luta do povo português.
O ascenso da luta popular antifascista em Portugal durante a Segunda Guerra, com a acção fundamental do PCP, provou que o nazismo não conseguiu o mínimo apoio da parte do povo português.
A agressão à URSS
e as reacções dos salazaristas
Em Junho de 1941 a Alemanha invade a URSS. Salazar e os fascistas portugueses rejubilam e manifestam abertamente a sua alegria.
Em 10 de Julho de 1941, a Legião Portuguesa, cujo presidente da Junta Central era o ministro das Finanças Costa Leite Lumbrales, declarava em ordem do dia: «A grandeza das forças que hoje enfrentam o comunismo russo não carece de colaboração nossa na frente da batalha, mas devemos considerar-nos mobilizados e prontos a travar combate, logo que seja necessário, neste extremo ocidental da Europa.»
Mas quando a Inglaterra e a URSS estabelecem acordos de cooperação e quando soviéticos, americanos e ingleses assinam em Moscovo acordos de fornecimentos militares, para Salazar, campeão do anticomunismo, é de mais!
Salazar levanta a voz «contra os perigos de tal cooperação» referindo «a inegável perturbação dos espíritos causada pela aliança anglo-russa e a dolorosa inquietação que se pressente por toda a parte em virtude da solidariedade emprestada pelas democracias inglesa e americana ao governo soviético».
Para o fascismo português o momento é de hesitação. As dúvidas quanto ao futuro são grandes. Mas Salazar não desiste de pensar na vitória do aliado ideológico. Salazar adverte do perigo, tem a percepção do significado das derrotas nazis na URSS e da entrada dos EUA na guerra, com todo o seu potencial económico, e das possíveis consequências dos crescentes entendimentos entre os anglo-americanos e a URSS. Ele teme as consequências de uma vitória democrática.
Salazar reconhece, num discurso de 25 de Junho de 1942, que «há muitos interessados em fazer da eventual vitória inglesa uma vitória ideológica». Ele sabe que uma derrota de Hitler representa um grave perigo para a sobrevivência do regime.
Como contrapartida a esse aspecto na evolução da guerra, que acentuou o caracter ideológico da guerra e continha fortes factores potencialmente revolucionários, Salazar reforça a propaganda fascista. A Emissora Nacional inicia a «Campanha anticomunista», dirigida por Costa Leite Llumbralles.
As derrotas nazis na Frente Leste
e a viragem na guerra
Em 1943, as derrotas nazis começam a avolumar-se. Os aliados ocidentais retardam a abertura da 2.ª frente, deixando que os nazis concentrem toda a sua força militar contra os soviéticos, que continuam a arrostar com o grosso do potencial militar nazi. Mas os soviéticos resistem heroicamente em Moscovo, Leninegrado e Stalinegrado, detendo a ofensiva da Wermacht e demonstrando que os exércitos nazis não eram invencíveis. E depois da derrota alemã em Stalinegrado, onde é vencido e aprisionado um dos mais poderosos exércitos hitlerianos, regista-se uma viragem na guerra.
Prosseguem as ofensivas soviéticas em todas as frentes. A 10 de Julho os anglo-americanos desembarcam na Sicília. Mussolini cai. Importantes cidades alemãs, Hamburgo, Berlim, são duramente bombardeadas. As resistências nacionais antinazis ganham força.
E quando as sortes da guerra começam a inclinar-se em sentido antinazi, o governo salazarista sente a necessidade de exibir medidas militares e reforça o seu potencial militar e repressivo.
Em 1 de Agosto, há uma parada militar em Lisboa e, numa nota oficiosa de 2 de Setembro de 1943, o governo vem justificar «as recentes aquisições e recepção de material de guerra em quantidades apreciáveis».
Para que são as armas? Diz o governo: «Tanto podem ter de servir contra inimigos externos como contra os veículos internos de desagregação nacional.»
O PCP alerta para a viragem de campo
do fascismo salazarista
O PCP denunciou imediatamente o ensaio de «reviravolta».
De facto, o discurso de Salazar de Abril de 1943 foi considerado pelo Avante! logo a seguir, em Maio, como «a reviravolta» de Salazar. E no Avante! n.º 34, de Junho de 1943, podia ler-se: «Sim, é possível uma "reviravolta" de Salazar para o lado de Inglaterra mas apenas para tentar fazer sobreviver o domínio fascista de Salazar, mesmo no caso de derrota hitieriana».
As angústias salazaristas de 43/44
Em Outubro de 1943, Salazar cede aos ingleses «facilidades nos Açores em troca de auxílio militar britânico» para o Exército português.
As derrotas nazis sucediam-se, e a Itália assinava o armistício com os anglo-americanos e declarava a guerra à Alemanha.
Em 14-30 de Outubro de 1943, realiza-se em Moscovo a Conferência Tripartida anglo-americano-soviética. Em fins de Novembro realiza-se a Conferência dos Três Grandes em Teerão. As tropas soviéticas avançavam, o desembarque anglo-americano no ocidente era marcado para Maio-Junho de 1944. A sorte de Hitler estava ditada.
É neste quadro em movimento e anunciador de alterações que o fascismo salazarista é obrigado a procurar novos apoios. O coração balançava-lhes para o lado de Hitler. Mas desse lado já não podiam esperar os necessários suportes.
O que preocupava Salazar era a sobrevivência do regime. Ele sabia desde 1939 que o regime estaria em perigo entrando na guerra. Mas agora também o está, não entrando.
Salazar começa a pensar no pós-guerra e nas formas de se salvar. «Espera-se uma nova ordem, dependendo precisamente do desfecho da guerra saber-se quem a definirá» dizia ele em 27 de Abril de 1943.
O ano de 1943 é sem dúvida de grande preocupação quanto ao desfecho da guerra. O primeiro semestre deve ter sido negro para o ditador pelos constantes desastres dos amigos com as derrotas em Stalinegrado e em Itália. O segundo semestre marcará o início das grandes opções, certamente dolorosas para Salazar, mas necessárias para salvar o regime.
O fascismo português na aproximação agora mais nítida à Inglaterra e aos EUA procura justificar as anteriores relações económicas e de fornecimentos militares com Hitler dizendo que «tem procurado «comerciar com uns e com outros».
Salazar não se poupa a esforços para convencer agora os americanos da sua sinceridade na dinamização da aliança, sobretudo porque ele sabe que as posições do seu governo foram entendidas no passado como coniventes com Hitler.
Até à última hora, Salazar permaneceu de coração ao lado da Alemanha hitleriana. E, pela morte de Hitler, prestou-lhe a última homenagem decretando luto nacional. Os acontecimentos foram, porém, mais fortes que os desejos de Salazar.
Em 25 de Maio de 1944 Salazar reconhece pela primeira vez de forma explícita, num discurso público, «a hipótese da guerra terminar por inequívoca derrota alemã» e já só pensa na salvação do regime no pós-guerra.
Salazar sabe (e di-lo) que a Inglaterra e os EUA são as potências que virão a ter grande papel no pós-guerra, prevê o seu confronto com a URSS e prepara-se para tomar posições no que viria a chamar-se guerra fria, onde espera que o seu anticomunismo assegure a sobrevivência do seu regime fascista.
Como de facto aconteceu.