Che, Zeca Afonso e os JO's de 1968
Jogos Olímpicos no México, ano de 1968. Talvez os mais significativos em termos de «inauguração» do que viriam a ser os Jogos na sua nova fase, tal como os conhecemos hoje. Nesse ano, fazia pouco tempo que Salazar caíra da cadeira, o tal Objecto Quase como nos foi mostrado José Saramago. Em Paris, fora o Maio de 68. Em Praga, a crise do regime e a intervenção das tropas do Pacto de Varsóvia. Nos EUA. vivia-se o tempo do black power.
Inclusive no México, na sua capital, foi a vez de uma enorme e brutal carga das forças da ordem sobre os manifestantes – que foram muitíssimos nesse dia –, muitos deles assassinados por obra dos célebres tiros para o ar, para dispersar as multidões – as massas –, cujas dinâmicas nunca se sabe onde vão desembocar – como os poderes de tal quilate e seus sequazes gostam de afirmar. O próprio actual Presidente da República Mexicana, na altura um rapaz, aí apanhado por acaso, li, vi ou ouvi nos media – claro, não poderia ser um marginal –, terá corrido os seus riscos. Ao que parece, sem os ter procurado. Tudo a dar que cismar sobre o destino da Revolução Mexicana!
No dia seguinte a estes acontecimentos, ainda algum tempo antes da inauguração dos Jogos – pois é verdade, estivemos cerca de um abençoado mês no México, tendo chegado algum tempo antes com objectivo de nos adaptarmos à altitude que, quando em esforço, bem nos mostrava os seus efeitos –, no dia a seguir, dizia, já andavam os jornalistas pela aldeia olímpica a interrogar os atletas sobre o que pensavam acerca de tais acontecimentos. A mim tocou-me um jornalista da Associated Press – mostrou-me a identificação –, que me perguntou o que eu pensava sobre a actuação das forças da ordem na manifestação havida na Cidade do México, tendo eu – componente da delegação portuguesa como se via bem no fato de treino, cidadão de um país a viver uma ditadura fascista –, acto contínuo, à defesa, respondido que não pensava nada. Pedido o meu nome, para poder informar quem era este sem opinião, respondi que não tinha nome. E esta questão ficou por ali. Cobardia minha? Devia ter respondido a verdade, à maneira do que eu considerei, talvez para justificar a minha consciência, ser uma quixotada?
Na realidade eu tinha a minha opinião mais que formada sobre aquela bárbara situação. Mais, desafiados pelo attaché – designavam assim quem tinha sido nomeado para a função de ligação entre a organização e cada uma das delegações nacionais – para a delegação portuguesa aos Jogos, um docente de Sociologia da Universidade da Cidade do México (creio que se chamava assim, agora estou com dúvidas), o Manso Pinheiro, outro dos componentes da equipa nacional de espada, e eu fomos com ele, nesse mesmo dia, a uma cueva – uma espécie de bar com música –, onde se cantavam canções de protesto. Aí pudemos ouvir uma primeira produção de reacção à forma como a manifestação tinha sido reprimida: «Quita la pata de mi pech». Não sei se era exactamente assim (não escrevo diários!), nem, sendo estas as palavras utilizadas, se a escrita castelhana (designação utilizada pelos povos americanos que falam esta língua) estará 100% correcta. E a letra da repentista canção de protesto continuava de acordo com o mote. Entendi parte do texto, mas essa continuação já se me foi, restou a ideia primeira. Enfim, uma grande emoção.
Depois, quando saímos os três da cueva, o nosso amigo sociólogo ainda nos levou a sua casa – uma grande mansão –, até ao seu quarto de filho. Porta fechada, retirou debaixo da cama um grande poster com o Che Guevara mais um gravador que colocou em funcionamento. Aí estava o Zeca Afonso a cantar: «Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada». Como foi natural, uma ainda maior emoção a estoirar, e as lágrimas a serem contidas quanto baste. Pudera. E por várias razões.
Um ano antes, em França, num posto de Correios, ao enviar um postal para casa, em Lisboa, a atendente, num país que já recebia emigrantes nossos às bateladas: «Ah, Lisbonne, Espagne». Irritado por ver que afinal não existíamos. Ao contrário de Eusébio, do Benfica, e mesmo Lisboa, que existiam. E duas décadas mais tarde, em Canterbury, em terras do nosso mais antigo aliado, Portugal já no Mercado Comum, a empregada de mesa, ao saber-me português, ainda não sabia que raio de país seria Portugal!
O vulgo do Ocidente não sabia quem éramos. Hoje, porventura, sabê-lo-á um pouco mais. Mas ali, Zeca Afonso era conhecido. E, pelos vistos, também aí prestava os seus serviços à Causa.
Inclusive no México, na sua capital, foi a vez de uma enorme e brutal carga das forças da ordem sobre os manifestantes – que foram muitíssimos nesse dia –, muitos deles assassinados por obra dos célebres tiros para o ar, para dispersar as multidões – as massas –, cujas dinâmicas nunca se sabe onde vão desembocar – como os poderes de tal quilate e seus sequazes gostam de afirmar. O próprio actual Presidente da República Mexicana, na altura um rapaz, aí apanhado por acaso, li, vi ou ouvi nos media – claro, não poderia ser um marginal –, terá corrido os seus riscos. Ao que parece, sem os ter procurado. Tudo a dar que cismar sobre o destino da Revolução Mexicana!
No dia seguinte a estes acontecimentos, ainda algum tempo antes da inauguração dos Jogos – pois é verdade, estivemos cerca de um abençoado mês no México, tendo chegado algum tempo antes com objectivo de nos adaptarmos à altitude que, quando em esforço, bem nos mostrava os seus efeitos –, no dia a seguir, dizia, já andavam os jornalistas pela aldeia olímpica a interrogar os atletas sobre o que pensavam acerca de tais acontecimentos. A mim tocou-me um jornalista da Associated Press – mostrou-me a identificação –, que me perguntou o que eu pensava sobre a actuação das forças da ordem na manifestação havida na Cidade do México, tendo eu – componente da delegação portuguesa como se via bem no fato de treino, cidadão de um país a viver uma ditadura fascista –, acto contínuo, à defesa, respondido que não pensava nada. Pedido o meu nome, para poder informar quem era este sem opinião, respondi que não tinha nome. E esta questão ficou por ali. Cobardia minha? Devia ter respondido a verdade, à maneira do que eu considerei, talvez para justificar a minha consciência, ser uma quixotada?
Na realidade eu tinha a minha opinião mais que formada sobre aquela bárbara situação. Mais, desafiados pelo attaché – designavam assim quem tinha sido nomeado para a função de ligação entre a organização e cada uma das delegações nacionais – para a delegação portuguesa aos Jogos, um docente de Sociologia da Universidade da Cidade do México (creio que se chamava assim, agora estou com dúvidas), o Manso Pinheiro, outro dos componentes da equipa nacional de espada, e eu fomos com ele, nesse mesmo dia, a uma cueva – uma espécie de bar com música –, onde se cantavam canções de protesto. Aí pudemos ouvir uma primeira produção de reacção à forma como a manifestação tinha sido reprimida: «Quita la pata de mi pech». Não sei se era exactamente assim (não escrevo diários!), nem, sendo estas as palavras utilizadas, se a escrita castelhana (designação utilizada pelos povos americanos que falam esta língua) estará 100% correcta. E a letra da repentista canção de protesto continuava de acordo com o mote. Entendi parte do texto, mas essa continuação já se me foi, restou a ideia primeira. Enfim, uma grande emoção.
Depois, quando saímos os três da cueva, o nosso amigo sociólogo ainda nos levou a sua casa – uma grande mansão –, até ao seu quarto de filho. Porta fechada, retirou debaixo da cama um grande poster com o Che Guevara mais um gravador que colocou em funcionamento. Aí estava o Zeca Afonso a cantar: «Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada». Como foi natural, uma ainda maior emoção a estoirar, e as lágrimas a serem contidas quanto baste. Pudera. E por várias razões.
Um ano antes, em França, num posto de Correios, ao enviar um postal para casa, em Lisboa, a atendente, num país que já recebia emigrantes nossos às bateladas: «Ah, Lisbonne, Espagne». Irritado por ver que afinal não existíamos. Ao contrário de Eusébio, do Benfica, e mesmo Lisboa, que existiam. E duas décadas mais tarde, em Canterbury, em terras do nosso mais antigo aliado, Portugal já no Mercado Comum, a empregada de mesa, ao saber-me português, ainda não sabia que raio de país seria Portugal!
O vulgo do Ocidente não sabia quem éramos. Hoje, porventura, sabê-lo-á um pouco mais. Mas ali, Zeca Afonso era conhecido. E, pelos vistos, também aí prestava os seus serviços à Causa.