Combater a seca, desenvolver o Alentejo

Paulo Maurício
Neste início de Primavera parte muito significativa do território nacional regista uma situação de seca muito intensa. Após um Inverno e Outono sem chuva significativa e de intenso frio surgem os planos de emergência de combate à seca, de apoio à fortemente afectada actividade agrícola, a consideração de planos para que as populações já sem água potável sejam abastecidas, o Governo e instituições tanto da Administração Central como Local e Regional põem mãos à obra para «mitigar» os efeitos devastadores de uma situação que se agrava com o acumular de dias sem chuva.

«Desde o século passado que políticos, economistas e agrónomos salientam a necessidade de desenvolver planos de irrigação no país, designadamente no Alentejo, como única forma de promover o desenvolvimento e travar o processo de desertificação humana

Neste início de Primavera parte muito significativa do território nacional regista uma situação de seca muito intensa. Após um Inverno e Outono sem chuva significativa e de intenso frio surgem os planos de emergência de combate à seca, de apoio à fortemente afectada actividade agrícola, a consideração de planos para que as populações já sem água potável sejam abastecidas, o Governo e instituições tanto da Administração Central como Local e Regional põem mãos à obra para «mitigar» os efeitos devastadores de uma situação que se agrava com o acumular de dias sem chuva.

No Alentejo é recorrente a ocorrência de secas, com o arrastamento de graves problemas para a agricultura e abastecimento de água às populações. Esta situação arrasta a formação de duas posições fundamentais: A consideração dos ciclos naturais como a determinante, ainda que se possa «mitigar» os seus efeitos, e a consideração das possibilidades humanas e técnicas não apenas como passíveis de uma acção eficaz contra ciclo mas também potenciadora de uma gestão global (integrada) dos recursos hídricos.
O Alentejo perdeu muito com o desenvolvimento do processo de destruição da Reforma Agrária. Concentradas neste objectivo central, as políticas desenvolvidas ao longo de 28 anos pelos governos PS, PSD e CDS-PP, juntos ou separados, negligenciaram, porque era necessário negligenciar, a necessidade de políticas integradas de desenvolvimento. Resultado: envelhecimento, despovoamento, desemprego crónico para milhares de trabalhadores, atraso e subdesenvolvimento económico e social. Não fora a existência e activa intervenção do Poder Local Democrático, a luta dos trabalhadores agrícolas e das populações do Alentejo em defesa da Reforma Agrária, e a luta e intervenção do PCP a vários níveis e o processo de degradação social e agrícola seria incomensuravelmente mais profundo. Senão mesmo já sem retorno.

Linhas de intervenção

O estudo elaborado pela Universidade de Évora (1) na sequência do período de seca de 1994 fornece-nos uma análise que permite delinear linhas de intervenção económicas, sociais e políticas que não se compadecem com intervenções casuísticas.
A questão da água como bem de domínio público e onde a luta pela implementação de sistemas de gestão que não impliquem a sua apropriação privada é uma linha de intervenção política de enorme importância.
Neste sentido a defesa dos sistemas intermunicipais estão, e vão continuar a estar em cima da mesa como objectivo estratégico dos comunistas.
A Associação de Municípios do Litoral Alentejano (AMLA) propôs, no domínio do tratamento dos recursos hídricos, a realização de um estudo integrado dos referidos recursos para a região. A proposta pelo Governo, em Maio de 1999, de um sistema multimunicipal para o Baixo Alentejo e Alentejo Litoral no domínio de captação, tratamento, transporte de água para consumo humano e ainda a colecta dos efluentes domésticos e seu tratamento final, onde os municípios perderiam todo o controlo sobre o sistema, levou ao atrasar de uma solução, ainda hoje não resolvida. A solução de um sistema intermunicipal, a ser concretizada, será uma vitória da persistência e da luta contra a privatização da água.
Por responsabilidade governamental, um atraso de tantos anos na definição do sistema de tratamento dos recursos hídricos, acarretou perdas enormes de possibilidades de investimentos no âmbito do III QCA e ainda maiores danos para as populações.
O Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, considerada pelo referido estudo de «opção estratégica de reserva hídrica e de desenvolvimento para o Alentejo», após décadas de bloqueios, vem dar uma resposta parcial mas decisiva à necessidade de armazenamento de água. No entanto este empreendimento, estruturante para o Alentejo, «foi conduzido, durante anos, não em função do interesse do desenvolvimento regional mas ao sabor de conjunturas resultantes das sucessivas mudanças de governo, sem coordenação, por vezes mesmo em conflito entre os diferentes ministérios acoitados na administração da EDIA, sem estratégia, com prioridades casuísticas, sem respeito pela natureza integrada do projecto, sem definição clara das competências da empresa gestora do mesmo.» (2)

Um plano estratégico

Coloca-se como necessidade premente a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional para o Alentejo. Esta é uma proposta do PCP há muito assumida pois dela resultaria o compromisso e empenho na definição global e no cumprimento concreto de objectivos compreendendo os projectos estruturantes para o Alentejo.
Para aferirmos melhor desta necessidade vejamos a actualidade das conclusões que em Março de 1996 no II ENCONTRO DEBATE SOBRE O APROVEITAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS DO ALENTEJO, promovido pelas Assembleias Distritais de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal.
Este Encontro sucedeu ao estudo elaborado pela Universidade de Évora, delineando projectos necessários, ainda que não suficientes, para o cabal aproveitamento dos recursos hídricos:
«Acelerar a construção de um conjunto de infra-estruturas hidráulicas, indispensáveis ao armazenamento de água e com vista à dinamização económica da região e criação de emprego: barragens de Alqueva e Pedrogão; barragens ligadas ao sistema de Alqueva, entre as quais a dos Álamos, Loureiro e o Sistema do Ardila; a barragem do Monte do Seixo, no rio Xarrama, a sul de évora, prevista no Plano de Rega do Alentejo, e a Albufeira de Barras; os projectos distintos do Alqueva, entre os quais as barragens dos Minutos ( Montemor-o-Novo), Pisão ( Crato/Alter-do-Chão); Abrilongo/Xévora (Campo Maior/Espanha); Gema e Água Branca ( Odemira); Enxoé ( Serpa ); Oeiras ( Almodôvar ).
Outros pequenos empreendimentos, tais como, Ribeira da Estação ( Portalegre ); Ribeira de Mulheres ( Sousel ); Caniceira ( Avis ); Apartadura ( Marvão ); ribeira do Freixo ( Monforte); Foz do Guadiana ( Beja ); Pardiela ( Redondo); Ribeira Seca ( Odemira); Ribeira das Vinhas ( Ponte de Sor).
»
Os grandes projectos estruturantes em conjunto com pequenas e mini-hídricas, respectivas ligações, e sistemas hídricos de captação, tratamento e distribuição serão um factor de prevenção e atenuação do ciclo hidrológico, mas também um factor de reestruturação fundiária onde o uso e posse da terra esteja conforme as culturas de regadio (prédios rústicos de +/- 50 ha segundo muitos estudos).
De facto, nos 10 perímetros de rega do Alentejo (antes de Alqueva ) com uma área de regadio potencial de 46.000 ha, verifica-se que a área regada era de 32% em 1981 contra 59,2% em 1991.
Esta tendência para o aumento da percentagem de aproveitamento das áreas regáveis, resulta da diminuição ou perspectiva de diminuição dos preços dos cereais e o consequente aumento do interesse dos agricultores pelo regadio na busca de compensação de rendimentos antes obtidos pela cultura de sequeiro, a que se junta o aumento da capacidade tecnológica dos agricultores e a crescente aceitação do regadio como forma privilegiada de produção agrícola nas regiões mediterrânicas, designadamente face aos condicionalismos impostos pela PAC. (1)
A questão da água volta a colocar o problema do latifúndio. O mesmo é dizer, o problema da posse privada de grandes extensões de solo entra em contradição com as necessidades objectivas da produção e do abastecimento agro-alimentar do país em novas condições de produção capitalistas.
Veio em bom tempo a decisão do Partido no seu XVII Congresso de proceder a uma análise aprofundada da situação e do papel da agricultura. Avancemos também neste campo.

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1 – «ESTUDO HIDROLÓGICO COM INCIDÊNCIA NO ALENTEJO», Universidade de Évora, 1996
2 - «QUE MODELO DE DESENVOLVIMENTO PARA O DISTRITO DE BEJA E ALENTEJO»”, José Soeiro, Diário do Alentejo, 21 Jan. 05



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