Trabalhadores não apoiam Tony Blair
Quando este jornal chegar às mãos dos seus leitores, o Parlamento terá já sido dissolvido. Tony Blair tinha agendada uma conferência com a raínha, Isabel II, no Palácio de Buckingham para terça-feira, dia 5. A soberana só teria de assinar o decreto governamental. A Câmara dos Comuns, como se torna evidente, não voltará a reunir nas condições da actual legislatura e a campanha eleitoral, já bem presente na vida britânica, começará, oficialmente. Mas terá de aguardar o fim da pausa que os funerais do Papa e o casamento do príncipe Carlos estão a exigir.
O primeiro-ministro conseguiu sobreviver às inúmeras dificuldades (quase todas por ele próprio criadas) que lhe surgiram na estrada pedregosa por onde enveredou. Tem o ódio de milhões de pessoas que em diversas ocasiões encheram as ruas das grandes cidades protestando contra a participação britânica na guerra do Iraque. Tem um país a questioná-lo quanto à sua integridade pessoal e aos métodos de que tem feito uso desde 2001, particularmente. Tem o Sistema Nacional de Saúde em precário funcionamento devido à premente necessidade de financiamentos adicionais, e à provada incapacidade dos hospitais sob gestão empresarial para darem resposta aos problemas de saúde do povo britânico. Há cerca de um mês, todo o país discutia o escândalo de uma paciente que estava à espera de poder ser submetida a uma operação ortopédica (a um ombro) desde há nove meses e que, chamada a dar entrada no hospital já por três vezes em todas elas foi mandada recolher a casa por falta de camas.
O primeiro-ministro enfrenta problemas na área da Educação e da diplomacia. A sua posição junto das instituições europeias inspira desconfiança. Mas a própria Grã-Bretanha desconfia da natureza dos laços de amizade entre o governo New Labour blairista e a Administração Bush, que Tony Blair prossegue com uma fidelidade ridícula. Em sessões diversas de perguntas e respostas, Mr. Blair é constantemenete humilhado. Não conseguiu desembaraçar-se do Chanceler do Tesouro, Gordon Brown, cuja política económico-financeira continua a merecer algum apreço no país, mesmo se essa política se afasta dos ideais socialistas do Old Labour. Na verdade, a posição de Blair face a Brown é bastante má. Poucos acreditam, na Grã-Bretanha, que o primeiro-ministro cumpra o seu terceiro mandato consecutivo na totalidade. A hora de Gordon Brown está próxima.
Os trabalhistas tinham uma confortável maioria de 161 deputados na Câmara dos Comuns agora dissolvida. Mas espera-se que essa maioria, apesar das limitadas possibilidades dos outros partidos, incluindo o próprio Partido Conservador, seja cortada no dia das eleições (05. ou 12.05.2005) para somente 85 lugares. E isto, principalmente, porque largos sectores da classe trabalhadora (numerosa neste país) já não se identificam com o New Labour e projectam dar os seus votos ao Partido dos Liberais Democratas, de Charles Kennedy, aos partidos regionais ou, até, aos conservadores, de Michael Howard, um sobrevivente da era thatcherista em luta para calar o oportunismo do seu n.º 2, Howard Flight. O peso dos trabalhadores manuais e das suas famílias é, ainda, considerável. Mas na área terciária (serviços) Tony Blair ainda conta com um sólido apoio.
Vão longe os dias em que as campanhas eleitorais britânicas eram travadas a partir de rígidas posições de classe. Os conservadores representavam a burguesia tradicional e a numerosa classe média cujos interesses se ligavam aos dos meios de negócios, da chamada livre empresa, das posições imperialistas no mundo. Os trabalhistas eram a indústria, a velha indústria do carvão, da metalurgia, do aço, da construção naval, da construção civil, da marinha mercante, dos automóveis, dos aviões; eram o partido dos grandes serviços públicos, os caminhos de ferro, por exemplo, os telefones, o gás, a electricidade; eram o partido dos laboratórios e dos serviços de hospitais e farmácias sob a tutela do Estado - um mundo! Compreendem-se, assim, os prejuízos que Tony Blair trouxe à causa dos trabalhadores. Confundiu-lhes os interesses. Arrastou o trabalhismo para o terreno eleitoral do capitalismo. Empurrou o país para uma guerra que ele não deseja. Daí a indiferença.
O fantasma das dívidas assola
uma em cada cinco famílias britânicas
Salários na China 95% mais baixos
Conhecer a Grã-Bretanha é não perder de vista as suas grandezas e as suas insuficiências. Ainda somos do tempo em que os irmãos Craig dominavam o universo dos gangsters do East End londrino. E do roubo ao famoso comboio-correio que vinha de Glasgow. Mas tudo se passava numa conjuntura em que o país ainda vivia a alegria da vitória na guerra, comprava-se uma casa por 5000 libras (hoje, custa 300 mil) e os tentáculos do imperialismo não chegavam tão perto.
Agora, os crimes por fraude custam à sociedade 756 milhões de libras (1134 milhões de Euros), anualmente. Os tribunais, porque as prisões continuam a abarrotar, evitam decretar sentenças demasiado alongadas para aqueles que no campo das fraudes «toquem» em menos de um milhão de libras. Os especialistas dizem que os criminosos activos neste ramo já não agem motivados por imperiosas necessidades financeiras. Hoje, dizem, é o desejo, a ambição de um estilo de vida mais aproximado dos poderosos da nossa época que a televisão nos mostra, o que faz pôr em acção os homens do crime organizado.
Uma em cada cinco famílias já não consegue manter os pagamentos das suas dívidas. O custo mensal das hipotecas tomadas quando se compra casa, a prestação do automóvel, os extractos de conta mensais das companhias de cartões de crédito, o fantasma do overdraft (saque a descoberto sobre uma conta bancária), para já não mencionar as prestações múltiplas, enlouquecem a família comum. Dizem as estatísticas que o devedor normal tem 27 000 libras em dívida (mais de 40 000 Euros) a, pelo menos, 11 credores diferentes. Mas o problema dos débitos não afecta os 10% mais ricos, cujo controlo sobre toda a riqueza produzida no país, anualmente, (3 464 mil milhões de libras) é de 55%.
Também acabaram os dias em que os médicos faziam visitas residenciais aos seus pacientes. Os médicos de família já rareiam e os consultórios são dirigidos segundo princípios empresariais. Cada médico, um businessman. Na zona de Londres, os consultórios são, quase todos, dirigidos por médicos indianos ou paquistaneses. O médico de quem escreve estas linhas, homem de rigorosas convicções islâmicas, perguntou-nos, recentemente: «O senhor fuma?» Dissemos-lhe que não. «Quantos por dia ?». É um distraido.
A estabilidade financeira da Grã-Bretanha, disse um dos membros da Comissão para a Estabilidade Monetária, do Banco de Inglaterra, reside nas dívidas do país que ascendem a 1000 milhões de libras. Enquanto se profere uma barbaridade desta magnitude, o governo afirma que as companhias britânicas estão a gerar um valor acrescentado três vezes superior às dos respectivos parceiros nos outros países europeus. Entre as principais 600 empresas europeias, 167 são britânicas. O valor acrescentado por estas gerado subiu em 15% para 347 mil milhões de libras (520 mil milhões de Euros). Mas os desvios de capacidade produtiva para outros países suscitaram comentários à ministra do Comércio, Patricia Hewitt: «Os salários na China estão a cerca de 5% dos que se pagam na Grã-Bretanha. Os custos de mão-de-obra por hora, na Coreia, representam metade dos que se praticam no Reino Unido». Entre as 14 principais companhias europeias, cinco são britânicas. Entre estas, a Shell, a BP, a Vodafone, são as maiores. As 167 companhias acima mencionadas são mais eficientes do que as suas congéneres na União Europeia. Mas em termos de produtividade do trabalho verifica-se uma sintonia sintomática entre todas as empresas dos principais países (não entre as dos mais pequenos, como é o caso de Portugal).
Últimas das eleições
Falam as sondagens e as agências de apostas
Tony Blair foi ao Palácio na terça-feira. No bolso, o decreto de dissolução do Parlamento. Mas a atmosfera política está toldada pelos resultados das consultas realizadas junto do povo britânico. Na verdade, todas as agências que trabalham no campo das sondagens (Mori, Populus, YouGov, NOP, ICM) prevêm largas quebras nas intenções de voto dos cidadãos que têm apoiado o governo de Blair. Fala-se num grande surto de moralização nos círculos que apoiam os conservadores e os Liberais-Democratas. Diz-se que já há pânico entre os deputados trabalhistas que defendem circunscrições com pequenas maiorias. Na Escócia, a tendência por parte do eleitorado que tem votado trabalhista, é para o Partido Nacional Escocês.
A batalha política está suspensa, entretanto, até ao funeral do Papa, a que o primeiro-ministro assistirá, em Roma. Também o casamento do príncipe Carlos ocupará as atenções do país durante o fim de semana. A partir de segunda-feira, Charles Kennedy (Liberais Democratas) estará em campanha nas cidades de Manchester, Newcastle, Leeds, Edimburgo e Norwich. Os outros leaders partidários ainda não anunciaram para onde viajarão imediatamente após as respectivas conferências de imprensa. Todos se uniram, entretanto, nos tributos prestados à memória da figura de James Callaghan, antigo primeiro-ministro trabalhista cujo falecimento ocorreu recentemente.
Está confirmado que a campanha dos trabalhistas vai ser dirigida pelo chanceler do Tesouro, Gordon Brown, e não pelo favorito de Tony Blair, Alan Milburn. Brown já disse que o futuro do Labour reside numa política de investimentos nos serviços públicos. Isto, evidentemente, é música para os ouvidos do eleitorado. As agências de apostas arriscam a vitória dos trabalhistas numa proporção de 1-16 contra 7-1 para os conservadores e 100-1 na vitória dos liberais.
O primeiro-ministro enfrenta problemas na área da Educação e da diplomacia. A sua posição junto das instituições europeias inspira desconfiança. Mas a própria Grã-Bretanha desconfia da natureza dos laços de amizade entre o governo New Labour blairista e a Administração Bush, que Tony Blair prossegue com uma fidelidade ridícula. Em sessões diversas de perguntas e respostas, Mr. Blair é constantemenete humilhado. Não conseguiu desembaraçar-se do Chanceler do Tesouro, Gordon Brown, cuja política económico-financeira continua a merecer algum apreço no país, mesmo se essa política se afasta dos ideais socialistas do Old Labour. Na verdade, a posição de Blair face a Brown é bastante má. Poucos acreditam, na Grã-Bretanha, que o primeiro-ministro cumpra o seu terceiro mandato consecutivo na totalidade. A hora de Gordon Brown está próxima.
Os trabalhistas tinham uma confortável maioria de 161 deputados na Câmara dos Comuns agora dissolvida. Mas espera-se que essa maioria, apesar das limitadas possibilidades dos outros partidos, incluindo o próprio Partido Conservador, seja cortada no dia das eleições (05. ou 12.05.2005) para somente 85 lugares. E isto, principalmente, porque largos sectores da classe trabalhadora (numerosa neste país) já não se identificam com o New Labour e projectam dar os seus votos ao Partido dos Liberais Democratas, de Charles Kennedy, aos partidos regionais ou, até, aos conservadores, de Michael Howard, um sobrevivente da era thatcherista em luta para calar o oportunismo do seu n.º 2, Howard Flight. O peso dos trabalhadores manuais e das suas famílias é, ainda, considerável. Mas na área terciária (serviços) Tony Blair ainda conta com um sólido apoio.
Vão longe os dias em que as campanhas eleitorais britânicas eram travadas a partir de rígidas posições de classe. Os conservadores representavam a burguesia tradicional e a numerosa classe média cujos interesses se ligavam aos dos meios de negócios, da chamada livre empresa, das posições imperialistas no mundo. Os trabalhistas eram a indústria, a velha indústria do carvão, da metalurgia, do aço, da construção naval, da construção civil, da marinha mercante, dos automóveis, dos aviões; eram o partido dos grandes serviços públicos, os caminhos de ferro, por exemplo, os telefones, o gás, a electricidade; eram o partido dos laboratórios e dos serviços de hospitais e farmácias sob a tutela do Estado - um mundo! Compreendem-se, assim, os prejuízos que Tony Blair trouxe à causa dos trabalhadores. Confundiu-lhes os interesses. Arrastou o trabalhismo para o terreno eleitoral do capitalismo. Empurrou o país para uma guerra que ele não deseja. Daí a indiferença.
O fantasma das dívidas assola
uma em cada cinco famílias britânicas
Salários na China 95% mais baixos
Conhecer a Grã-Bretanha é não perder de vista as suas grandezas e as suas insuficiências. Ainda somos do tempo em que os irmãos Craig dominavam o universo dos gangsters do East End londrino. E do roubo ao famoso comboio-correio que vinha de Glasgow. Mas tudo se passava numa conjuntura em que o país ainda vivia a alegria da vitória na guerra, comprava-se uma casa por 5000 libras (hoje, custa 300 mil) e os tentáculos do imperialismo não chegavam tão perto.
Agora, os crimes por fraude custam à sociedade 756 milhões de libras (1134 milhões de Euros), anualmente. Os tribunais, porque as prisões continuam a abarrotar, evitam decretar sentenças demasiado alongadas para aqueles que no campo das fraudes «toquem» em menos de um milhão de libras. Os especialistas dizem que os criminosos activos neste ramo já não agem motivados por imperiosas necessidades financeiras. Hoje, dizem, é o desejo, a ambição de um estilo de vida mais aproximado dos poderosos da nossa época que a televisão nos mostra, o que faz pôr em acção os homens do crime organizado.
Uma em cada cinco famílias já não consegue manter os pagamentos das suas dívidas. O custo mensal das hipotecas tomadas quando se compra casa, a prestação do automóvel, os extractos de conta mensais das companhias de cartões de crédito, o fantasma do overdraft (saque a descoberto sobre uma conta bancária), para já não mencionar as prestações múltiplas, enlouquecem a família comum. Dizem as estatísticas que o devedor normal tem 27 000 libras em dívida (mais de 40 000 Euros) a, pelo menos, 11 credores diferentes. Mas o problema dos débitos não afecta os 10% mais ricos, cujo controlo sobre toda a riqueza produzida no país, anualmente, (3 464 mil milhões de libras) é de 55%.
Também acabaram os dias em que os médicos faziam visitas residenciais aos seus pacientes. Os médicos de família já rareiam e os consultórios são dirigidos segundo princípios empresariais. Cada médico, um businessman. Na zona de Londres, os consultórios são, quase todos, dirigidos por médicos indianos ou paquistaneses. O médico de quem escreve estas linhas, homem de rigorosas convicções islâmicas, perguntou-nos, recentemente: «O senhor fuma?» Dissemos-lhe que não. «Quantos por dia ?». É um distraido.
A estabilidade financeira da Grã-Bretanha, disse um dos membros da Comissão para a Estabilidade Monetária, do Banco de Inglaterra, reside nas dívidas do país que ascendem a 1000 milhões de libras. Enquanto se profere uma barbaridade desta magnitude, o governo afirma que as companhias britânicas estão a gerar um valor acrescentado três vezes superior às dos respectivos parceiros nos outros países europeus. Entre as principais 600 empresas europeias, 167 são britânicas. O valor acrescentado por estas gerado subiu em 15% para 347 mil milhões de libras (520 mil milhões de Euros). Mas os desvios de capacidade produtiva para outros países suscitaram comentários à ministra do Comércio, Patricia Hewitt: «Os salários na China estão a cerca de 5% dos que se pagam na Grã-Bretanha. Os custos de mão-de-obra por hora, na Coreia, representam metade dos que se praticam no Reino Unido». Entre as 14 principais companhias europeias, cinco são britânicas. Entre estas, a Shell, a BP, a Vodafone, são as maiores. As 167 companhias acima mencionadas são mais eficientes do que as suas congéneres na União Europeia. Mas em termos de produtividade do trabalho verifica-se uma sintonia sintomática entre todas as empresas dos principais países (não entre as dos mais pequenos, como é o caso de Portugal).
Últimas das eleições
Falam as sondagens e as agências de apostas
Tony Blair foi ao Palácio na terça-feira. No bolso, o decreto de dissolução do Parlamento. Mas a atmosfera política está toldada pelos resultados das consultas realizadas junto do povo britânico. Na verdade, todas as agências que trabalham no campo das sondagens (Mori, Populus, YouGov, NOP, ICM) prevêm largas quebras nas intenções de voto dos cidadãos que têm apoiado o governo de Blair. Fala-se num grande surto de moralização nos círculos que apoiam os conservadores e os Liberais-Democratas. Diz-se que já há pânico entre os deputados trabalhistas que defendem circunscrições com pequenas maiorias. Na Escócia, a tendência por parte do eleitorado que tem votado trabalhista, é para o Partido Nacional Escocês.
A batalha política está suspensa, entretanto, até ao funeral do Papa, a que o primeiro-ministro assistirá, em Roma. Também o casamento do príncipe Carlos ocupará as atenções do país durante o fim de semana. A partir de segunda-feira, Charles Kennedy (Liberais Democratas) estará em campanha nas cidades de Manchester, Newcastle, Leeds, Edimburgo e Norwich. Os outros leaders partidários ainda não anunciaram para onde viajarão imediatamente após as respectivas conferências de imprensa. Todos se uniram, entretanto, nos tributos prestados à memória da figura de James Callaghan, antigo primeiro-ministro trabalhista cujo falecimento ocorreu recentemente.
Está confirmado que a campanha dos trabalhistas vai ser dirigida pelo chanceler do Tesouro, Gordon Brown, e não pelo favorito de Tony Blair, Alan Milburn. Brown já disse que o futuro do Labour reside numa política de investimentos nos serviços públicos. Isto, evidentemente, é música para os ouvidos do eleitorado. As agências de apostas arriscam a vitória dos trabalhistas numa proporção de 1-16 contra 7-1 para os conservadores e 100-1 na vitória dos liberais.