Conferência de Michel Chossudovsky

A «guerra contra o terrorismo»

Hugo Janeiro
Nos últimos dois anos, o Iraque transformou-se no mais recente episódio de um filme violento protagonizado pela aliança militar anglo-americana. Critico convicto da ocupação do país pelas tropas norte-americanas e britânicas, o professor Michel Chossudovsky acusa o suposto «combate aos terroristas» de não passar de um slogan e um pretexto para encobrir o projecto norte-americano de hegemonia mundial. Aproveitando a visita do economista e investigador a Portugal, a Caminho promoveu, na quinta-feira da semana passada, na Biblioteca Museu República e Resistência, em Lisboa, uma conferência com o autor canadiano subordinada ao tema «A “guerra contra o terrorismo”: uma guerra dos EUA pela dominação global».

«Quem acredita que o mundo é um lugar mais seguro para viver?»

Despreocupado com formalismos, Michel Chossudovsky foi directo ao assunto que encheu a sala e que tem sido um dos seus objectos objecto de análise e estudo, os supostos ataques «terroristas» contra interesses norte-americanos implantados à escala planetária e os perigos escondidos pela campanha de desinformação.
«Este processo», esclareceu iniciou-se com a imposição de conceitos como o de «guerra humanitária» testado e aplicado nos cenários dramáticos «do conflito balcânico, sobretudo na Bósnia-Herzegovina», guerra que revelou os primeiros traços de «consequentes violações do direito internacional ou das convenções sobre a tortura».
Os pretextos que hoje não sustentam a legitimidade dos EUA no Iraque, também já não sustentavam o bombardeamento contra a Jugoslávia em 1999, mas «a sociedade “civil” e mesmo alguns movimentos e activistas de esquerda, sobretudo nos EUA, admitiram a “guerra humanitária” nos Balcãs. Hoje a maioria está contra a ocupação do Iraque, há maior consciência quanto ao projecto dos EUA e noções mais claras sobre a mais séria crise da história moderna que têm subjacente um plano de guerra com muitos anos», disse Chossudovsky.
«Documentos oficiais de serviços de segurança dos EUA datados dos anos 90, ainda durante a administração Clinton – continuou – já afirmavam, muito claramente, acções no Iraque, no Irão, no Afeganistão, no próximo alvo, a Síria, um país considerado como “teatro de guerra” pelo menos desde 2003».
A concentração de conflitos desencadeados entre o extremo oriental do Norte de África e a Ásia Central – incluindo o martirizado Médio Oriente – tem por base a manutenção das acções militares em vários teatros de guerra em simultâneo, o que convém à indústria de armamento e cumpre o objectivo central de controlo dos recursos petrolíferos «do Iémen até ao mar Cáspio», explica Chossudovsky.
Os meios de comunicação procuram impor motivos humanitários. Assim «no Afeganistão era o Bin Laden, no Iraque era Saddam e as armas de destruição maciça que nunca se encontraram, mas se analisarmos esta região, comprovamos a razão dos muitos conflitos. No seu conjunto, os países já invadidos ou entretanto ameaçados têm reservas em petróleo e gás natural que representam cerca de 70 por cento do total mundial. Isto quer dizer que acumulam o existente nos EUA – dois por cento do total de reservas mundiais – multiplicado por 35», frisou ainda o investigador canadiano.
Por isso, conclui Chossudovsky, «na realidade a Grã-Bretanha é o poder da British Petroleum (BP), e os EUA executantes da American Oil Company e da Exxon».

Contradições inter-imperialistas

A exploração dos ricos hidrocarbonetos existentes no subsolo da Ásia Central e do Médio Oriente são a razão fundamental para o crescimento continuado da presença de militares norte-americanos e enviados diplomáticos no Afeganistão, Iraque ou em ex-repúblicas soviéticas como a Geórgia, a Ucrânia, o Uzbequistão ou o Azerbeijão.
A presença militar no Mar Cáspio garante hegemonia sobre parte dos recursos canalizados através de gasodutos ou oleodutos tanto para a Europa Ocidental, como para a Europa de Leste, como ainda para a China e a Índia, nações com taxas de crescimento económico muito acima do registado nos EUA.
Chossudovsky considera que o cerco dos EUA a países como a China e a Rússia decorre a par e passo com «a corrida aos recursos» entre potências imperialistas.
«Foi evidente», segundo Chossudovsky, «que quando a França enfrentou os EUA no Concelho de Segurança da ONU, revelava, na realidade, a questão mais profunda que envolve o poder das companhias de petróleo – no caso europeu, a Elf-Total-Fina tinha contratos celebrados com o Iraque de Saddam Hussein – das indústrias de armamento e da competição do sistema monetário mundial», três vectores fundamentais para compreender a actual fase da globalização capitalista.
«No eixo da produção de armas, a British Aerospace Sistems Corporation é aliada de grandes produtores norte-americanos como a Lockheed Martin e a Boeing através de um acordo de 1999, intitulado de Ponte Transatlântica. Do lado do eixo Franco-Alemão, o poder da UE compete com os EUA e a Grã-Bretanha através do grupo European Air Defense System Corporation», afirmou.
Além do «ouro negro» e da supremacia militar, o elemento final que está subjacente ao conflito latente entre as duas grandes potências inter-imperialistas, os EUA e a UE, são os planos de «conquista do domínio financeiro».
Entre o euro e o dólar desenvolve-se uma «outra guerra», diz o professor Chossudovsky, um conflito pela imposição do instrumento de referência das trocas no comércio mundial, não existindo, neste aspecto particular, diferenças entre os planos e práticas dos norte-americanos e a «militarização da UE por via da aprovação de uma Constituição onde se preparam forças de intervenção rápida».

Traços de grande preocupação

Um último traço de preocupação deixado por Michel Chossudovsky relativamente à situação internacional diz respeito à utilização de armas não convencionais por parte dos EUA.
Valendo-se de documentos provenientes dos serviços secretos norte-americanos e alterações legislativas e orçamentais aprovadas recentemente em Washington, Chossudovsky alertou para «o desenvolvimento de armas biológicas e de manipulação climática altamente sofisticadas, mas sobretudo as mini-nucleares».
«Esta nova geração, já testada no Afeganistão durante o assalto a Tora Bora» passaram a ser tratadas como «armas convencionais, ou seja, em Dezembro de 2003, o Senado dos EUA aprovou a sua utilização no teatro de guerra sem a necessária autorização do presidente, mas por simples decisão de um general de três estrelas» no comando das operações no terreno.
Neste contexto ameaçador de guerra pelos recursos, por posições geoestratégicas e de supremacia financeira entre blocos capitalistas, a que se junta a possível utilização frequente de «armas nucleares até seis vezes mais potentes que as bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki», como sublinhou Chossudovsky, importa perguntar: Quem é que acredita que o mundo é hoje um lugar mais seguro para viver?


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