O processo de paz da Irlanda a caminho da catástrofe
O acordo de Sexta-Feira Santa de 2001 e a paz dele resultante que o povo do Ulster tanto desejava e levou a compromissos de ordem política entre as partes opostas, deixou de estar em perigo. Agora, à luz de espantosos desenvolvimentos, vêmo-lo morto e enterrado. A guerra civil ainda não regressou porque o povo não a quer. Mas as provocações, à luz de métodos próprios de 'gangsters', são diárias. Democracia? Eis uma expressão enfraquecida e distante.
Desde as eleições de fins de Novembro de 2003, as esperanças dos mais sinceros desmoronaram-se. Os partidos que conquistaram assento em Stormont não conseguiram entender-se. O parlamento, portanto, não chegou a reabrir. A Irlanda do Norte continuou a ser governada por um secretário de Estado (Paul Murphy) membro do gabinete de Londres. Mas, de crise em crise, a situação chegou ao caminho que os partidos protestantes queriam - ou o IRA (Irish Republican Army, Exército Republicano Irlandês) desaparece ou tudo se manterá estagnado sob a administração directa do referido Mr. Murphy. Os protestantes sentem-se confortáveis, assim. Têm a presença do exército britânico a garantir-lhes a segurança e os valores de propriedade. Têm o seu amado passaporte britânico. Estão na direcção do aparelho económico e financeiro. Os principais sectores da indústria agro-pecuária pertencem-lhes. É no seu bolso que os subsídios da União Europeia aterram. Para quê, portanto, a democracia? Para quê o parlamento de Stormont? O que lhes tira o sono é a existência do IRA.
O porquê do IRA
Puzeram aos partidos católicos e republicanos e, principalmente ao Sinn Fein, como condição essencial para negociações conducentes à formação de governo e à reactivação do processo de paz, o desarmamento comprovado do IRA. Esta organização manifestou-se preparada para desmantelar parte do seu aparelho militar. Mas logo se lhe colocaram novas condições praticamente inaceitáveis. De exigência em exigência, os partidos protestantes acabaram por jogar a derradeira carta, a do desaparecimento do IRA. Toda a gente sabe que a condição principal da liberdade e da segurança do povo católico, republicano e patriótico assenta na existência do IRA. Se esta organização desaparecesse, a tirania a que os acordos de paz de 2001 puzeram fim regressaria. Os despedimentos de trabalhadores não protestantes voltariam. A invasão de áreas católicas e a sua destruição, reentrariam na ordem do dia. Assassínios de militantes republicanos. Vinganças. O 'trabalho' de 'gangsters' alargar-se-ía a todo o Ulster.
Uma nova situação surgiu. Como se sabe, o Sinn Fein, braço direito do IRA na área política dirigido por Gerry Adams e Martin McGuinness, opera em toda a Irlanda. Tem deputados na 'Dail' (Parlamento da República da Irlanda, em Dublin). E tudo indica que as próximas eleições poderão conduzir a que aumente o seu contingente de deputados tornando-se numa espécie de árbitro entre a realidade e as alternâncias governativas que o capitalismo permite através dos partidos confortavelmente instalados na área do poder. Nesta perspectiva, os políticos reaccionários que estão no governo em Dublin aliaram-se logo aos protestantes do Ulster na sugestão de que o IRA deve ser desmantelado. O roubo de 26 milhões de libras (41 milhões de Euros) ao Northern Bank sugere com alguma clareza não só quem o realizou como quem anda a investigá-lo e a tentar apreender fundos dispersos. Uma parte e a outra acusam o IRA e o Sinn Fein com uma veemência jamais vista.
Nesta conjuntura, o ministro da Justiça da República da Irlanda (Dublin) declarou, publicamente, que Gerry Adams e Martin McGuinness são membros do Conselho Militar do IRA. «Estou a falar de um pequeno grupo de revolucionários, incluindo alguns representantes eleitos que dirigem o movimento republicano em toda a Irlanda» disse o ministro. E acrescentou: «Estou a falar de Gerry Adams, Martin McGuinness e Martin Ferris». Já tinha dito, orgulhosamente, que a descoberta pela 'Gardai' (Polícia da República da Irlanda) de 3 milhões de libras (4,5 milhões de Euros) algures no país, provava que o IRA tinha planeado e executado o roubo ao Banco acima mencionado. Por outras palavras: o governo irlandês, conservador e parte da estrutura global do imperialismo, inimigo do socialismo que o IRA-Sinn Fein propõem para toda a Irlanda, pretende sugerir, tal como os protestantes do Ulster, que os republicanos controlam organizações criminais e devem ser tratados como tal. Ao que Gerry Adams retorquiu: «Nenhum republicano digno desse nome está ou pode estar envolvido em actividades criminosas como o roubo de bancos ou outras, sejam elas quais forem. Se isso acontecesse as pessoas envolvidas seriam imediatamente denunciadas e expulsas das nossas organizações». Uma aliança entre os protestantes do Norte e os reaccionários do Sul não seria de todo inédita. Ao capitalismo, como todos sabemos, não faltam recursos.
_________________
O levantamento nacional irlandês na Páscoa de 1916
2ª feira - A preparação e a realização da insurreição da Páscoa apanharam toda a Irlanda e toda a Grã-Bretanha de surpresa. James Stephens, poeta e escritor, um verdadeiro 'dublinner' andava a procurar informar-se.«Então não sabe?», respondeu-lhe um jovem. «Os ‘Sinn Feiners’ capturaram a City, o Castelo, todo o Parque e o próprio edifício dos Correios». Na realidade, ouvia-se tiroteio. Stephens, perguntou: «Mas para quê, isto?» O outro elucidou: «Estamos à espera de um ataque das forças inglesas. Também estamos de posse da estação dos comboios. Está tudo na nossa posse, 'sir'. Esta manhã, um polícia correu para mim. Disparei, mas por sorte dele falhei». Uma voz diferente se ouviu: «Você fala demais!».
3ª feira - O 'Irish Times' publica uma declaração oficial segundo a qual gente de más intenções andava a perturbar a paz na cidade de Dublin. Informava, ainda, que os 'Sinn Feiners' tinham produzido um levantamento em toda a cidade mas que o resto do país estava tranquilo. Não houve distribuição de correio. Os jornais ingleses não chegaram. Todo o comércio, fechado. Os 'Voluntários' estavam no controlo da cidade. Também ocupavam a fábrica das bolachas de água e sal. Construiam barricadas tudo à volta dos Correios e tomaram o quartel em Cork aproveitando o facto de que os oficiais tinham ido para as corridas de cavalos em Curragh. Mulheres, principalmente, mostravam desagrado quanto ao movimento patriótico. No seu entender aquilo era um golpe nas costas dos milhares de soldados irlandeses que combatiam nas trincheiras da 1ª Guerra Mundial em França incorporados no exército britânico. Choveu durante todo o dia.
4ª feira - Chegaram de Belfast 3000 'Voluntários'. Notava-se ininterrupto tiroteio na zona da Sackville Street. Sabe-se que os ingleses proclamaram a lei marcial. Ao contrário do dia anterior, o sol brilhava. Homens do povo, mal informados, concluiam: «Os 'Voluntários' serão batidos». Mas, no seu íntimo, estavam com eles. Na Mount Street Bridge, os combates não cessavam. Parece que as baixas são consideráveis de um lado e do outro. A loja de joalheiros dos Hopkins & Hopkins, na mão dos 'Voluntários', foi transformada numa espécie de fortaleza. Os 'Voluntários', tanto os de raíz sindical e operária, como os restantes, lutavam ao lado de James Connolly cujas ideias leninistas davam ao espírito arrebatado dos revolucionários irlandeses uma nova perspectiva.
5ª feira - A batalha de ruas continuava. Ouvia-se o troar de canhões e o fogo de metralhadoras e espingardas. Por toda a cidade se aceita que a vantagem vai para os 'Voluntários'. Que situação resultará destes intermináveis combates? Dado que se está em plena Semana Santa muita gente saiu da cidade. Combatia-se entre Stephen´s Green e o Trinity College. E mencionava-se o nome de pessoas que se presumiam mortas. Eram milhares.
6ª feira Santa - Não há leite, não há pão, não há jornais. Apanhadas de surpresa pelos acontecimentos, as pessoas tinham dificuldades em se identificar com este ou com aquele dos lados em conflito. Mas os ingleses tinham 60 000 homens na zona de Dublin. A todo o momento iniciariam o assalto às posições dos patriotas. Dominavam a Merrion Square. Entraram num edifício onde prenderam dois 'Voluntários'. Trouxeram-nos para a rua, de joelhos. Em dois minutos estavam mortos.
Sábado - Os ingleses controlam as proximidades da Merrion Street. É voz corrente que os 'Voluntários' estão a procurar chegar a um entendimento com eles para que a insurreição acabe. As condições de paz estão a ser discutidas. Mas ninguém acredita em que os ingleses usem a mercê a que os heróis irlandeses têm direito. Uma vez terminada a insurreição, nenhum dos seus participantes estará vivo.
Domingo de Páscoa - A insurreição, afinal, não terminou ainda. Bandeiras da Irlanda republicana e independente flutuam em vários edifícios. Mas os militares não deixam ninguém passar para a Dame Street ou para a Sackville Street. O povo, assim, fica sem saber se é verdade que estas ruas tinham sido completamente arrazadas. Diz-se que dois dos chefes dos 'Voluntários', Pearse e Connolly, foram abatidos. Mas o segundo, soube-se depois, estava no Castle Hospital com ferimentos nas pernas. Às duas da tarde confirma-se que os 'Voluntários' começam a render-se em toda a cidade. A bandeira republicana, porém, ainda tremula sobre a fábrica das bolachas de água e sal. Mas em dez minutos, apenas, arrearam-na. Os ingleses, agora, andam de casa em casa a prender os patriotas.
O porquê do IRA
Puzeram aos partidos católicos e republicanos e, principalmente ao Sinn Fein, como condição essencial para negociações conducentes à formação de governo e à reactivação do processo de paz, o desarmamento comprovado do IRA. Esta organização manifestou-se preparada para desmantelar parte do seu aparelho militar. Mas logo se lhe colocaram novas condições praticamente inaceitáveis. De exigência em exigência, os partidos protestantes acabaram por jogar a derradeira carta, a do desaparecimento do IRA. Toda a gente sabe que a condição principal da liberdade e da segurança do povo católico, republicano e patriótico assenta na existência do IRA. Se esta organização desaparecesse, a tirania a que os acordos de paz de 2001 puzeram fim regressaria. Os despedimentos de trabalhadores não protestantes voltariam. A invasão de áreas católicas e a sua destruição, reentrariam na ordem do dia. Assassínios de militantes republicanos. Vinganças. O 'trabalho' de 'gangsters' alargar-se-ía a todo o Ulster.
Uma nova situação surgiu. Como se sabe, o Sinn Fein, braço direito do IRA na área política dirigido por Gerry Adams e Martin McGuinness, opera em toda a Irlanda. Tem deputados na 'Dail' (Parlamento da República da Irlanda, em Dublin). E tudo indica que as próximas eleições poderão conduzir a que aumente o seu contingente de deputados tornando-se numa espécie de árbitro entre a realidade e as alternâncias governativas que o capitalismo permite através dos partidos confortavelmente instalados na área do poder. Nesta perspectiva, os políticos reaccionários que estão no governo em Dublin aliaram-se logo aos protestantes do Ulster na sugestão de que o IRA deve ser desmantelado. O roubo de 26 milhões de libras (41 milhões de Euros) ao Northern Bank sugere com alguma clareza não só quem o realizou como quem anda a investigá-lo e a tentar apreender fundos dispersos. Uma parte e a outra acusam o IRA e o Sinn Fein com uma veemência jamais vista.
Nesta conjuntura, o ministro da Justiça da República da Irlanda (Dublin) declarou, publicamente, que Gerry Adams e Martin McGuinness são membros do Conselho Militar do IRA. «Estou a falar de um pequeno grupo de revolucionários, incluindo alguns representantes eleitos que dirigem o movimento republicano em toda a Irlanda» disse o ministro. E acrescentou: «Estou a falar de Gerry Adams, Martin McGuinness e Martin Ferris». Já tinha dito, orgulhosamente, que a descoberta pela 'Gardai' (Polícia da República da Irlanda) de 3 milhões de libras (4,5 milhões de Euros) algures no país, provava que o IRA tinha planeado e executado o roubo ao Banco acima mencionado. Por outras palavras: o governo irlandês, conservador e parte da estrutura global do imperialismo, inimigo do socialismo que o IRA-Sinn Fein propõem para toda a Irlanda, pretende sugerir, tal como os protestantes do Ulster, que os republicanos controlam organizações criminais e devem ser tratados como tal. Ao que Gerry Adams retorquiu: «Nenhum republicano digno desse nome está ou pode estar envolvido em actividades criminosas como o roubo de bancos ou outras, sejam elas quais forem. Se isso acontecesse as pessoas envolvidas seriam imediatamente denunciadas e expulsas das nossas organizações». Uma aliança entre os protestantes do Norte e os reaccionários do Sul não seria de todo inédita. Ao capitalismo, como todos sabemos, não faltam recursos.
_________________
O levantamento nacional irlandês na Páscoa de 1916
2ª feira - A preparação e a realização da insurreição da Páscoa apanharam toda a Irlanda e toda a Grã-Bretanha de surpresa. James Stephens, poeta e escritor, um verdadeiro 'dublinner' andava a procurar informar-se.«Então não sabe?», respondeu-lhe um jovem. «Os ‘Sinn Feiners’ capturaram a City, o Castelo, todo o Parque e o próprio edifício dos Correios». Na realidade, ouvia-se tiroteio. Stephens, perguntou: «Mas para quê, isto?» O outro elucidou: «Estamos à espera de um ataque das forças inglesas. Também estamos de posse da estação dos comboios. Está tudo na nossa posse, 'sir'. Esta manhã, um polícia correu para mim. Disparei, mas por sorte dele falhei». Uma voz diferente se ouviu: «Você fala demais!».
3ª feira - O 'Irish Times' publica uma declaração oficial segundo a qual gente de más intenções andava a perturbar a paz na cidade de Dublin. Informava, ainda, que os 'Sinn Feiners' tinham produzido um levantamento em toda a cidade mas que o resto do país estava tranquilo. Não houve distribuição de correio. Os jornais ingleses não chegaram. Todo o comércio, fechado. Os 'Voluntários' estavam no controlo da cidade. Também ocupavam a fábrica das bolachas de água e sal. Construiam barricadas tudo à volta dos Correios e tomaram o quartel em Cork aproveitando o facto de que os oficiais tinham ido para as corridas de cavalos em Curragh. Mulheres, principalmente, mostravam desagrado quanto ao movimento patriótico. No seu entender aquilo era um golpe nas costas dos milhares de soldados irlandeses que combatiam nas trincheiras da 1ª Guerra Mundial em França incorporados no exército britânico. Choveu durante todo o dia.
4ª feira - Chegaram de Belfast 3000 'Voluntários'. Notava-se ininterrupto tiroteio na zona da Sackville Street. Sabe-se que os ingleses proclamaram a lei marcial. Ao contrário do dia anterior, o sol brilhava. Homens do povo, mal informados, concluiam: «Os 'Voluntários' serão batidos». Mas, no seu íntimo, estavam com eles. Na Mount Street Bridge, os combates não cessavam. Parece que as baixas são consideráveis de um lado e do outro. A loja de joalheiros dos Hopkins & Hopkins, na mão dos 'Voluntários', foi transformada numa espécie de fortaleza. Os 'Voluntários', tanto os de raíz sindical e operária, como os restantes, lutavam ao lado de James Connolly cujas ideias leninistas davam ao espírito arrebatado dos revolucionários irlandeses uma nova perspectiva.
5ª feira - A batalha de ruas continuava. Ouvia-se o troar de canhões e o fogo de metralhadoras e espingardas. Por toda a cidade se aceita que a vantagem vai para os 'Voluntários'. Que situação resultará destes intermináveis combates? Dado que se está em plena Semana Santa muita gente saiu da cidade. Combatia-se entre Stephen´s Green e o Trinity College. E mencionava-se o nome de pessoas que se presumiam mortas. Eram milhares.
6ª feira Santa - Não há leite, não há pão, não há jornais. Apanhadas de surpresa pelos acontecimentos, as pessoas tinham dificuldades em se identificar com este ou com aquele dos lados em conflito. Mas os ingleses tinham 60 000 homens na zona de Dublin. A todo o momento iniciariam o assalto às posições dos patriotas. Dominavam a Merrion Square. Entraram num edifício onde prenderam dois 'Voluntários'. Trouxeram-nos para a rua, de joelhos. Em dois minutos estavam mortos.
Sábado - Os ingleses controlam as proximidades da Merrion Street. É voz corrente que os 'Voluntários' estão a procurar chegar a um entendimento com eles para que a insurreição acabe. As condições de paz estão a ser discutidas. Mas ninguém acredita em que os ingleses usem a mercê a que os heróis irlandeses têm direito. Uma vez terminada a insurreição, nenhum dos seus participantes estará vivo.
Domingo de Páscoa - A insurreição, afinal, não terminou ainda. Bandeiras da Irlanda republicana e independente flutuam em vários edifícios. Mas os militares não deixam ninguém passar para a Dame Street ou para a Sackville Street. O povo, assim, fica sem saber se é verdade que estas ruas tinham sido completamente arrazadas. Diz-se que dois dos chefes dos 'Voluntários', Pearse e Connolly, foram abatidos. Mas o segundo, soube-se depois, estava no Castle Hospital com ferimentos nas pernas. Às duas da tarde confirma-se que os 'Voluntários' começam a render-se em toda a cidade. A bandeira republicana, porém, ainda tremula sobre a fábrica das bolachas de água e sal. Mas em dez minutos, apenas, arrearam-na. Os ingleses, agora, andam de casa em casa a prender os patriotas.