«Maria Moisés»: romantismo e realismo
Entre 1875 e 1877, Camilo Castelo Branco editou 12 pequenos fascículos com oito histórias, que mais tarde formaram as «Novelas do Minho». O seu objectivo é mostrar «o miolo, a medula, as entranhas românticas do Minho; quer dizer – os costumes, o viver que por aqui palpita no povoado destes arvoredos». Mas esses costumes não são os da felicidade rústica e idílica, nem da inocência e ingenuidade puras. É da população minhota que Camilo fala, inculta, religiosa, trabalhadora e hospitaleira, num ambiente de trabalho, familiar ou festivo, mostrando as suas formas de pensar, os seus hábitos e a sua linguagem.
As «Novelas do Minho» mostram aspectos novos da obra de Camilo, a acentuação de características já conhecidas e a continuação de uma escrita romântica, lírica e por vezes folhetinesca. Há uma transcrição mais objectiva da realidade, sem que a sua vocação de novelista seja posta de parte.
Sabendo que Camilo nunca se integrou totalmente numa «escola» e que a sua obra prima pelo individualismo de conceitos, temas e formas de narrar, é interessante ler a novela «Maria Moisés» procurando identificar marcas do romantismo e do realismo. O texto conta a história de duas mulheres, Josefa da Laje e Maria Moisés, mãe e filha. Josefa, filha de um pequeno lavrador, apaixona-se por um fidalgo e engravida. Têm o projecto de casar, mas o pai do rapaz opõe-se e manda prendê-lo no Limoeiro, em Lisboa. Sozinha, Josefa finge estar doente para esconder a gravidez. Passados alguns meses surge a possibilidade de fugir para junto do amado, mas, com a emoção, começa a sentir as dores de parto e tem a filha sozinha, no quarto. Abandona a casa com a criança num cesto e, no rio, sofrendo dores e vertigens, acaba por deixar cair o berço. Desfalece e agarra-se aos ramos de um salgueiro. É assim que a encontram. Josefa é levada para a margem, mas morre nesse pequeno percurso.
Livro policial
Toda esta narrativa é contada ao contrário, ou seja, como um livro policial – anos antes de estes terem sido inventados. A morte é presenciada por um pastor e um moleiro, sem que se saiba o que terá acontecido à mulher. O leitor segue os passos, não de Josefa, mas da população da aldeia que imagina um suicídio e do escrivão Maurício que procura perceber o que de facto aconteceu. Só depois descobre o que se passou.
A novela inicia-se sem descrições, feita principalmente de acções, num retrato objectivo do real e sem elementos melodramáticos. É assim na forma como as personagens são apresentadas, na acção de desenvolvimento rápido, na maneira seca como é narrado o encontro dos dois namorados e como Josefa acaba por falecer. Alguns destes elementos podem ser caracterizados como realistas, embora sejam típicos das obras anteriores de Camilo. Contudo, nesta passagem, a ausência de comentários e do melodramático trazem um novo fundo à novela.
No retrato social, as personagens podem ser vistas como paradigmáticas da realidade rural, não só pelas suas acções e pensamentos, como também pela linguagem popular que usam, outra marca de realismo. São, afinal, personagens tipo. Ao longo da novela continua o retrato da sociedade: a liberdade de que Josefa dispõe para as suas aventuras amorosas; a embriaguez frequente do seu pai e a sua indiferença perante a família; os preconceitos da mãe em relação aos filhos fora do casamento; a fogosidade e a consequente prole do desembargador, alcunhado pelo narrador de povoador. A crueza dos pormenores, a sobriedade descritiva e a suposta veracidade dos locais e da história são outras marcas de realismo.
Mas o romantismo também está presente em «Maria Moisés», nomeadamente no sentido edificante da história e na interrupção da narrativa por comentários. A temática também é típica do romantismo camiliano: o amor contrariado de Josefa; a luta dos namorados pela sua relação; a enjeitada que a filha Maria Moisés supõe ser; o regresso do amante 40 anos depois da morte da amada e o reencontro com a filha desconhecida; o final feliz – características que qualquer texto teria de apresentar para ser comprado. E Camilo sobrevivia apenas com a venda das suas obras.
Este texto não deixa de ser uma novela sentimental, mas desmistifica a felicidade campesina, passando com facilidade do registo dramático ao irónico, do poético ao pitoresco. «Maria Moisés» constitui uma confirmação de que Camilo Castelo Branco é um autor que não se restringe a escolas, produzindo uma obra essencialmente marcada pela sua individualidade.
As «Novelas do Minho» mostram aspectos novos da obra de Camilo, a acentuação de características já conhecidas e a continuação de uma escrita romântica, lírica e por vezes folhetinesca. Há uma transcrição mais objectiva da realidade, sem que a sua vocação de novelista seja posta de parte.
Sabendo que Camilo nunca se integrou totalmente numa «escola» e que a sua obra prima pelo individualismo de conceitos, temas e formas de narrar, é interessante ler a novela «Maria Moisés» procurando identificar marcas do romantismo e do realismo. O texto conta a história de duas mulheres, Josefa da Laje e Maria Moisés, mãe e filha. Josefa, filha de um pequeno lavrador, apaixona-se por um fidalgo e engravida. Têm o projecto de casar, mas o pai do rapaz opõe-se e manda prendê-lo no Limoeiro, em Lisboa. Sozinha, Josefa finge estar doente para esconder a gravidez. Passados alguns meses surge a possibilidade de fugir para junto do amado, mas, com a emoção, começa a sentir as dores de parto e tem a filha sozinha, no quarto. Abandona a casa com a criança num cesto e, no rio, sofrendo dores e vertigens, acaba por deixar cair o berço. Desfalece e agarra-se aos ramos de um salgueiro. É assim que a encontram. Josefa é levada para a margem, mas morre nesse pequeno percurso.
Livro policial
Toda esta narrativa é contada ao contrário, ou seja, como um livro policial – anos antes de estes terem sido inventados. A morte é presenciada por um pastor e um moleiro, sem que se saiba o que terá acontecido à mulher. O leitor segue os passos, não de Josefa, mas da população da aldeia que imagina um suicídio e do escrivão Maurício que procura perceber o que de facto aconteceu. Só depois descobre o que se passou.
A novela inicia-se sem descrições, feita principalmente de acções, num retrato objectivo do real e sem elementos melodramáticos. É assim na forma como as personagens são apresentadas, na acção de desenvolvimento rápido, na maneira seca como é narrado o encontro dos dois namorados e como Josefa acaba por falecer. Alguns destes elementos podem ser caracterizados como realistas, embora sejam típicos das obras anteriores de Camilo. Contudo, nesta passagem, a ausência de comentários e do melodramático trazem um novo fundo à novela.
No retrato social, as personagens podem ser vistas como paradigmáticas da realidade rural, não só pelas suas acções e pensamentos, como também pela linguagem popular que usam, outra marca de realismo. São, afinal, personagens tipo. Ao longo da novela continua o retrato da sociedade: a liberdade de que Josefa dispõe para as suas aventuras amorosas; a embriaguez frequente do seu pai e a sua indiferença perante a família; os preconceitos da mãe em relação aos filhos fora do casamento; a fogosidade e a consequente prole do desembargador, alcunhado pelo narrador de povoador. A crueza dos pormenores, a sobriedade descritiva e a suposta veracidade dos locais e da história são outras marcas de realismo.
Mas o romantismo também está presente em «Maria Moisés», nomeadamente no sentido edificante da história e na interrupção da narrativa por comentários. A temática também é típica do romantismo camiliano: o amor contrariado de Josefa; a luta dos namorados pela sua relação; a enjeitada que a filha Maria Moisés supõe ser; o regresso do amante 40 anos depois da morte da amada e o reencontro com a filha desconhecida; o final feliz – características que qualquer texto teria de apresentar para ser comprado. E Camilo sobrevivia apenas com a venda das suas obras.
Este texto não deixa de ser uma novela sentimental, mas desmistifica a felicidade campesina, passando com facilidade do registo dramático ao irónico, do poético ao pitoresco. «Maria Moisés» constitui uma confirmação de que Camilo Castelo Branco é um autor que não se restringe a escolas, produzindo uma obra essencialmente marcada pela sua individualidade.