«Darfur é parte de uma crise generalizada no país»
Nas últimas semanas, o Sudão tem surgido no centro da discussão política internacional muito por força dos piores motivos. Em Darfur, na zona oeste do país, vive-se uma crise humanitária grave e um conflito envolvendo, por um lado, dois movimentos armados, e, por outro, o governo e uma milícia sua apoiante.
Porém, esta é apenas uma peça num puzzle de revoltas que em quase todo o território se levantam contra a ditadura de Omar al-Bashir, como esclareceu Mohamed Mourad, membro do Partido Comunista do Sudão, presente no 17.º Congresso do PCP.
«O nosso partido está ilegalizado, temos que trabalhar na clandestinidade»
Em conversa com o Avante!, explicou as razões de uma guerra civil que se arrasta há mais de duas décadas, a crise recente em Darfur e a luta dos comunistas pela instauração da liberdade e da democracia no país.
«Viemos em busca de solidariedade para o nosso povo e saudar as boas relações que mantemos com o PCP», revelou-nos Mohamed Mourad antes de desvendar as razões de um povo faminto.
Avante!: É a primeira vez que estão presentes no nosso Congresso?
Mohamed Mourad: Não, não é a primeira vez. Já estivemos no último realizado no Porto – em 1996 – e penso que desde então conservamos laços fortes, bons contactos com o Partido.
E em que sentido vem essa busca de solidariedade de que falava há pouco? Quais são as principais lutas que, no momento, o Partido Comunista do Sudão está a empreender?
Por um lado, há que perceber que nós, como partido, somos ilegais, portanto estamos a trabalhar na clandestinidade há muito tempo, desde 1989. No nosso país existe um regime que resultou de um golpe de Estado, que não deixa espaço para a liberdade, a democracia. Por outro lado mantém-se uma guerra civil e, recentemente, a crise em Darfur.
Muito resumidamente, este é o quadro da situação em que temos que trabalhar, lutar pela liberdade e democracia políticas no nosso país, pela paz. Por estas razões procuramos solidariedade internacional, particularmente da que pode ser prestada pelos partidos comunistas e dos trabalhadores de todo o mundo.
Que caminhos têm escolhido para manter a vossa luta e a vossa presença no país, uma vez que na condição de ilegalidade as dificuldades são muito maiores?
Os partidos políticos na clandestinidade, as forças da oposição, inclusivamente o Partido Comunista do Sudão, participam numa estrutura chamada Aliança Nacional Democrática (AND), que funciona como plataforma para a acção comum e para trabalhar dentro e fora do país.
Em Julho, realizámos uma reunião da qual saiu um documento que caracteriza o actual estado de coisas no âmbito político, mas também analisa a situação social que se vive na região de Darfur, um problema que tem estado na ribalta nos meios de comunicação internacionais.
Em relação aos meios através dos quais levamos a cabo a nossa luta, desenvolvemo-la em diversas dimensões: política, económica, social e cultural.
Ao mesmo tempo trabalhamos, no sul do país, com o movimento e a força que ali actua, o Movimento Popular de Libertação do Sudão (MPLS), a qual é igualmente membro da AND.
Também temos alguns pequenos contingentes na zona Este do Sudão. Tentamos dar continuidade ao trabalho nos patamares do combate político e armado, e no que diz respeito a uma solução de paz.
O grande problema é que o nosso povo não encontra condições nenhumas, não existe liberdade nem possibilidade de travar uma luta política aberta no Sudão, a repressão é muito grande, o nosso partido está ilegalizado e portanto temos que trabalhar na clandestinidade.
Apesar de tudo, conseguimos publicar regularmente o nosso jornal, o El Maidan – que é amplamente distribuído dentro e fora do Sudão – e agora está a comemorar o 50.º aniversário.
Fazemos circular também muitos documentos e declarações junto do povo, especialmente sobre a questão da liberdade de expressão política.
Mas a guerra civil está agora mais viva do que anteriormente?
Porque diz isso?
Devido à recente abertura de um conflito armado em Darfur e as negociações de paz que decorrem em torno do problema.
Não vamos confundir. Uma coisa é o acordo de cessar-fogo entre o governo e a liderança do movimento armado no Sul, a suspensão das operações militares e tudo o que implica com o estabelecimento de seis protocolos entre as partes.
Outra coisa diferente ocorre em Darfur, a Oeste do Sudão, uma região onde vivem seis milhões de pessoas e recentemente surgiram dois movimentos armados que contestam o governo.
A União Africana (UA), sob a presidência da Nigéria, promoveu encontros entre as partes em conflito, primeiro no Chade, depois em Abujan, processo que é intermitente porque o governo não comparece nas negociações de boa-fé.
Um dos dois movimentos de oposição no terreno, o Movimento de Libertação Nacional de Darfur (MLND), esteve presente na última reunião da AND, portanto é natural que no documento que saiu do encontro venha explicada detalhadamente toda a situação que lá se vive, bem como as condições e análises do MLND e da Aliança que agora integra.
O que pretendemos é que a «comunidade internacional», mas sobretudo os partidos comunistas e dos trabalhadores, não vejam Darfur como uma revolta separatista. Pelo contrário, são pela unidade, até porque a crise não é só em Darfur, mas em muitas outras partes do Sudão. No Sul, a Oeste e portanto em Darfur, e até na região Este, onde também existe luta armada.
Isto quer dizer que apenas no Centro e Norte é que ainda não se levantou nenhum movimento armado, embora tal possa acontecer devido às condições de vida do povo.
O que está a acontecer em Darfur não é uma questão tribal, não é uma questão religiosa, como alguns fazem crer. É parte de uma crise generalizada no país.
Dadas as condições, quais são os vossos objectivos imediatos e quais as principais questões que colocam ao governo?
O que pretendemos é que o governo admita que há um problema generalizado e se sente com a oposição para discutir e encontrar uma solução.
Primeiro que tudo é o aspecto da liberdade política, porque desde 1989 o regime só admite um partido, o do poder, sem legitimidade ou legislação democrática. O povo não é chamado a decidir os destinos do Sudão.
Depois queremos solucionar a questão do subdesenvolvimento, no aspecto económico e da distribuição dos benefícios dos recursos naturais, mas, como dizia antes também do ponto de vista cultural e social.
Portanto, o tal conflito praticamente generalizado fundamenta-se no combate a uma ditadura que explora os ricos recursos naturais do país – como o petróleo – em benefício dos partidários do governo.
Justamente, em favor de quem detém o poder, por isso é que a luta do nosso povo é pela distribuição do poder e dos recursos. Neste momento, o governo controla totalmente a produção petrolífera e usa os lucros como entende.
Por isso é que num dos protocolos assinados recentemente entre o governo e o Movimento Popular de Libertação do Sudão, do Sul, está a partilha do poder económico.
Mesmo considerando que o MPLS faz parte da estrutura da Aliança, entendemos que o acordo a que ambos se propõem chegar, até ao final do ano ou pouco depois disso, é apenas entre dois partidos, entre duas partes.
Portanto, para que se possa desbloquear realmente a crise política, humanitária, económica e se estabeleça um governo do interesse do povo, é necessário fazer uma conferência nacional envolvendo todos os membros da oposição e o partido único, a Frente Nacional Islâmica (FNI).
Para além desta, é claro que exigimos outras condições. Temos matérias específicas das quais não abdicamos, tal qual os membros do MPLS também têm e sem as quais nos transmitiram que não subscrevem o documento final.
Reclamamos um período provisório, de governo interino no Sudão, após o qual se realizem eleições com brevidade.
Se houver garantia de que se estabelecem bases para o desenvolvimento das condições sociais, culturais e económicas do povo e de acordo com a participação livre de toda a oposição, estaremos dentro do acordo. Caso contrário não tomaremos parte.
Encontrar solidariedade, promover combates comuns
E qual a vossa posição relativamente à presença de uma força de interposição no conflito em Darfur?
Nós somos contrários à intervenção de forças estrangeiras nos assuntos sudaneses, sejam de natureza política ou militar. Pensamos que as forças e os movimentos políticos do país têm condições para se entenderem, para dialogarem.
Sabemos que agora os EUA têm uma política externa que julgam que lhes dá o direito de intervir quando e onde querem, como o fizeram no Iraque, no Afeganistão e contra outras nações.
Então temem que os EUA possam voltar a bombardear o país como aconteceu durante a presidência «democrata» de Bill Clinton?
Sim, podem fazê-lo, penso mesmo que sem sequer hesitarem. Na última reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nairobi, após uma resolução que condenava o governo sudanês pela situação em Darfur, o representante norte-americano afirmou que se tal não fosse cumprido tomariam outras medidas.
Provavelmente sem ser de forma directa, outros o fariam por eles, como a União Africana.
Isto é muito claro, actuam ainda em duas frentes. Primeiro avançam com a diplomacia, mas se não resultar tomam «outras medidas».
A questão relativamente à intervenção estrangeira é importante e tenho-a debatido neste Congresso em conversa com outros camaradas, até para compreender o papel do imperialismo norte-americano e a situação internacional. Portanto deve ser muito bem apurada.
É um facto que a política seguida pelos EUA é uma das mais agressivas que enfrentam os partidos progressistas actualmente.
Também é um facto que têm interesses e que os pretendem ver satisfeitos, quer através das vias diplomáticas quer através do uso da força.
Muito embora até sejam considerados pela Europa anti-imperialistas e anti-americanos, muitos governos, como o sudanês, têm movimentos e partidos progressistas que os contestam, os combatem, bem como o fazem relativamente aos planos dos EUA.
Tudo isto nos é bastante familiar.
Um exemplo claro da situação é o Sudão, onde o governo é considerado como estando contra os EUA e ao mesmo tempo oprime o seu próprio povo, impõe-se antidemocraticamente reprimindo a liberdade, matando o povo à fome e ainda assim é considerado anti-americano.
Mesmo os governos da Europa não querem ver os dois lados da moeda quando um deles é a democracia que exigimos, as condições para o nosso povo.
E dos contactos que estabeleceu com os restantes partidos comunistas presentes neste Congresso foi possível encontrar linhas de solidariedade e trabalho relativamente à situação no vosso país?
Sim, foi muito importante para discutir e até esclarecer algumas matérias como a mais que conhecida crise em Darfur.
Tentamos tornar as coisas claras para que os camaradas prestem uma solidariedade consciente, activa. Da mesma forma que o fazemos com o nosso povo. São os sudaneses que importa ganhar para a nossa luta. Sem que compreendam as razões por que nos batemos manter-se-ão passivos.
Qual é a impressão que retém do Congresso do PCP?
Procurei prestar a máxima atenção e por aquilo que consegui ver, nomeadamente a Resolução Política e as intervenções, julgo que chegaram a análises muito objectivas. Apresentam factos, fundamentam o que dizem.
Se todos os partidos progressistas o fizerem e desta forma se prestarem a trocar experiências, análises e solidariedade é-nos mais fácil compreender o mundo e lutar.
Guerra civil e tragédia humanitária na agenda
Enquanto se aguarda o desenlace final das negociações de paz entre o governo e o Movimento Popular de Libertação do Sudão, outros conflitos ganham força avolumando os números da tragédia de um povo que tenta sobreviver no quadro da mais grave situação humanitária e da mais prolongada guerra civil da actualidade.
Mais de 20 anos de conflitos por todo o país, cerca de uma quinzena de ditadura e repressão social, alargam o espectro e obrigam a uma reflexão mais rigorosa sobre a crise política, com Darfur a surgir como emergência absoluta nos dias de hoje.
Os indicadores recentemente divulgados pelas agências da ONU e algumas organizações humanitárias revelam que só naquela região morreram, desde Fevereiro de 2003, mais de 70 mil pessoas, um milhão e meio encontram-se refugiadas e aproximadamente 200 mil fugiram para o vizinho Chade.
Segundo estimativas avançadas por algumas organizações, os 51 milhões de euros canalizados pela União Europeia não chegam para fazer face à crise existente, adivinhando-se apenas o adiamento de uma vaga de fome que, em 2005, terá consequências muitíssimo graves caso o governo insista na manutenção dos conflitos em curso. A Human Rights Watch acusa o poder de Cartum, capital do Sudão, de proceder a uma tentativa de «limpeza étnica» e denunciou que a intimidação das populações é prática corrente, sobretudo pela acção das milícias pró-governamentais que actuam no terreno.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) sublinha também que em Darfur os níveis de má nutrição entre as crianças com menos de cinco anos atingem os 21,8 por cento, o que tende a degradar-se na medida em que agricultura de subsistência se torna impossível num quadro de permanente guerra.
Para já, o cenário é mais difícil que a situação vivida nos anos oitenta. Os alimentos necessários ascendem às centenas de milhares de toneladas, número que só contempla o básico e estritamente necessário para evitar que a carência alimentar mate os milhares que escapam às doenças e à troca de tiros.
«Viemos em busca de solidariedade para o nosso povo e saudar as boas relações que mantemos com o PCP», revelou-nos Mohamed Mourad antes de desvendar as razões de um povo faminto.
Avante!: É a primeira vez que estão presentes no nosso Congresso?
Mohamed Mourad: Não, não é a primeira vez. Já estivemos no último realizado no Porto – em 1996 – e penso que desde então conservamos laços fortes, bons contactos com o Partido.
E em que sentido vem essa busca de solidariedade de que falava há pouco? Quais são as principais lutas que, no momento, o Partido Comunista do Sudão está a empreender?
Por um lado, há que perceber que nós, como partido, somos ilegais, portanto estamos a trabalhar na clandestinidade há muito tempo, desde 1989. No nosso país existe um regime que resultou de um golpe de Estado, que não deixa espaço para a liberdade, a democracia. Por outro lado mantém-se uma guerra civil e, recentemente, a crise em Darfur.
Muito resumidamente, este é o quadro da situação em que temos que trabalhar, lutar pela liberdade e democracia políticas no nosso país, pela paz. Por estas razões procuramos solidariedade internacional, particularmente da que pode ser prestada pelos partidos comunistas e dos trabalhadores de todo o mundo.
Que caminhos têm escolhido para manter a vossa luta e a vossa presença no país, uma vez que na condição de ilegalidade as dificuldades são muito maiores?
Os partidos políticos na clandestinidade, as forças da oposição, inclusivamente o Partido Comunista do Sudão, participam numa estrutura chamada Aliança Nacional Democrática (AND), que funciona como plataforma para a acção comum e para trabalhar dentro e fora do país.
Em Julho, realizámos uma reunião da qual saiu um documento que caracteriza o actual estado de coisas no âmbito político, mas também analisa a situação social que se vive na região de Darfur, um problema que tem estado na ribalta nos meios de comunicação internacionais.
Em relação aos meios através dos quais levamos a cabo a nossa luta, desenvolvemo-la em diversas dimensões: política, económica, social e cultural.
Ao mesmo tempo trabalhamos, no sul do país, com o movimento e a força que ali actua, o Movimento Popular de Libertação do Sudão (MPLS), a qual é igualmente membro da AND.
Também temos alguns pequenos contingentes na zona Este do Sudão. Tentamos dar continuidade ao trabalho nos patamares do combate político e armado, e no que diz respeito a uma solução de paz.
O grande problema é que o nosso povo não encontra condições nenhumas, não existe liberdade nem possibilidade de travar uma luta política aberta no Sudão, a repressão é muito grande, o nosso partido está ilegalizado e portanto temos que trabalhar na clandestinidade.
Apesar de tudo, conseguimos publicar regularmente o nosso jornal, o El Maidan – que é amplamente distribuído dentro e fora do Sudão – e agora está a comemorar o 50.º aniversário.
Fazemos circular também muitos documentos e declarações junto do povo, especialmente sobre a questão da liberdade de expressão política.
Mas a guerra civil está agora mais viva do que anteriormente?
Porque diz isso?
Devido à recente abertura de um conflito armado em Darfur e as negociações de paz que decorrem em torno do problema.
Não vamos confundir. Uma coisa é o acordo de cessar-fogo entre o governo e a liderança do movimento armado no Sul, a suspensão das operações militares e tudo o que implica com o estabelecimento de seis protocolos entre as partes.
Outra coisa diferente ocorre em Darfur, a Oeste do Sudão, uma região onde vivem seis milhões de pessoas e recentemente surgiram dois movimentos armados que contestam o governo.
A União Africana (UA), sob a presidência da Nigéria, promoveu encontros entre as partes em conflito, primeiro no Chade, depois em Abujan, processo que é intermitente porque o governo não comparece nas negociações de boa-fé.
Um dos dois movimentos de oposição no terreno, o Movimento de Libertação Nacional de Darfur (MLND), esteve presente na última reunião da AND, portanto é natural que no documento que saiu do encontro venha explicada detalhadamente toda a situação que lá se vive, bem como as condições e análises do MLND e da Aliança que agora integra.
O que pretendemos é que a «comunidade internacional», mas sobretudo os partidos comunistas e dos trabalhadores, não vejam Darfur como uma revolta separatista. Pelo contrário, são pela unidade, até porque a crise não é só em Darfur, mas em muitas outras partes do Sudão. No Sul, a Oeste e portanto em Darfur, e até na região Este, onde também existe luta armada.
Isto quer dizer que apenas no Centro e Norte é que ainda não se levantou nenhum movimento armado, embora tal possa acontecer devido às condições de vida do povo.
O que está a acontecer em Darfur não é uma questão tribal, não é uma questão religiosa, como alguns fazem crer. É parte de uma crise generalizada no país.
Dadas as condições, quais são os vossos objectivos imediatos e quais as principais questões que colocam ao governo?
O que pretendemos é que o governo admita que há um problema generalizado e se sente com a oposição para discutir e encontrar uma solução.
Primeiro que tudo é o aspecto da liberdade política, porque desde 1989 o regime só admite um partido, o do poder, sem legitimidade ou legislação democrática. O povo não é chamado a decidir os destinos do Sudão.
Depois queremos solucionar a questão do subdesenvolvimento, no aspecto económico e da distribuição dos benefícios dos recursos naturais, mas, como dizia antes também do ponto de vista cultural e social.
Portanto, o tal conflito praticamente generalizado fundamenta-se no combate a uma ditadura que explora os ricos recursos naturais do país – como o petróleo – em benefício dos partidários do governo.
Justamente, em favor de quem detém o poder, por isso é que a luta do nosso povo é pela distribuição do poder e dos recursos. Neste momento, o governo controla totalmente a produção petrolífera e usa os lucros como entende.
Por isso é que num dos protocolos assinados recentemente entre o governo e o Movimento Popular de Libertação do Sudão, do Sul, está a partilha do poder económico.
Mesmo considerando que o MPLS faz parte da estrutura da Aliança, entendemos que o acordo a que ambos se propõem chegar, até ao final do ano ou pouco depois disso, é apenas entre dois partidos, entre duas partes.
Portanto, para que se possa desbloquear realmente a crise política, humanitária, económica e se estabeleça um governo do interesse do povo, é necessário fazer uma conferência nacional envolvendo todos os membros da oposição e o partido único, a Frente Nacional Islâmica (FNI).
Para além desta, é claro que exigimos outras condições. Temos matérias específicas das quais não abdicamos, tal qual os membros do MPLS também têm e sem as quais nos transmitiram que não subscrevem o documento final.
Reclamamos um período provisório, de governo interino no Sudão, após o qual se realizem eleições com brevidade.
Se houver garantia de que se estabelecem bases para o desenvolvimento das condições sociais, culturais e económicas do povo e de acordo com a participação livre de toda a oposição, estaremos dentro do acordo. Caso contrário não tomaremos parte.
Encontrar solidariedade, promover combates comuns
E qual a vossa posição relativamente à presença de uma força de interposição no conflito em Darfur?
Nós somos contrários à intervenção de forças estrangeiras nos assuntos sudaneses, sejam de natureza política ou militar. Pensamos que as forças e os movimentos políticos do país têm condições para se entenderem, para dialogarem.
Sabemos que agora os EUA têm uma política externa que julgam que lhes dá o direito de intervir quando e onde querem, como o fizeram no Iraque, no Afeganistão e contra outras nações.
Então temem que os EUA possam voltar a bombardear o país como aconteceu durante a presidência «democrata» de Bill Clinton?
Sim, podem fazê-lo, penso mesmo que sem sequer hesitarem. Na última reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nairobi, após uma resolução que condenava o governo sudanês pela situação em Darfur, o representante norte-americano afirmou que se tal não fosse cumprido tomariam outras medidas.
Provavelmente sem ser de forma directa, outros o fariam por eles, como a União Africana.
Isto é muito claro, actuam ainda em duas frentes. Primeiro avançam com a diplomacia, mas se não resultar tomam «outras medidas».
A questão relativamente à intervenção estrangeira é importante e tenho-a debatido neste Congresso em conversa com outros camaradas, até para compreender o papel do imperialismo norte-americano e a situação internacional. Portanto deve ser muito bem apurada.
É um facto que a política seguida pelos EUA é uma das mais agressivas que enfrentam os partidos progressistas actualmente.
Também é um facto que têm interesses e que os pretendem ver satisfeitos, quer através das vias diplomáticas quer através do uso da força.
Muito embora até sejam considerados pela Europa anti-imperialistas e anti-americanos, muitos governos, como o sudanês, têm movimentos e partidos progressistas que os contestam, os combatem, bem como o fazem relativamente aos planos dos EUA.
Tudo isto nos é bastante familiar.
Um exemplo claro da situação é o Sudão, onde o governo é considerado como estando contra os EUA e ao mesmo tempo oprime o seu próprio povo, impõe-se antidemocraticamente reprimindo a liberdade, matando o povo à fome e ainda assim é considerado anti-americano.
Mesmo os governos da Europa não querem ver os dois lados da moeda quando um deles é a democracia que exigimos, as condições para o nosso povo.
E dos contactos que estabeleceu com os restantes partidos comunistas presentes neste Congresso foi possível encontrar linhas de solidariedade e trabalho relativamente à situação no vosso país?
Sim, foi muito importante para discutir e até esclarecer algumas matérias como a mais que conhecida crise em Darfur.
Tentamos tornar as coisas claras para que os camaradas prestem uma solidariedade consciente, activa. Da mesma forma que o fazemos com o nosso povo. São os sudaneses que importa ganhar para a nossa luta. Sem que compreendam as razões por que nos batemos manter-se-ão passivos.
Qual é a impressão que retém do Congresso do PCP?
Procurei prestar a máxima atenção e por aquilo que consegui ver, nomeadamente a Resolução Política e as intervenções, julgo que chegaram a análises muito objectivas. Apresentam factos, fundamentam o que dizem.
Se todos os partidos progressistas o fizerem e desta forma se prestarem a trocar experiências, análises e solidariedade é-nos mais fácil compreender o mundo e lutar.
Guerra civil e tragédia humanitária na agenda
Enquanto se aguarda o desenlace final das negociações de paz entre o governo e o Movimento Popular de Libertação do Sudão, outros conflitos ganham força avolumando os números da tragédia de um povo que tenta sobreviver no quadro da mais grave situação humanitária e da mais prolongada guerra civil da actualidade.
Mais de 20 anos de conflitos por todo o país, cerca de uma quinzena de ditadura e repressão social, alargam o espectro e obrigam a uma reflexão mais rigorosa sobre a crise política, com Darfur a surgir como emergência absoluta nos dias de hoje.
Os indicadores recentemente divulgados pelas agências da ONU e algumas organizações humanitárias revelam que só naquela região morreram, desde Fevereiro de 2003, mais de 70 mil pessoas, um milhão e meio encontram-se refugiadas e aproximadamente 200 mil fugiram para o vizinho Chade.
Segundo estimativas avançadas por algumas organizações, os 51 milhões de euros canalizados pela União Europeia não chegam para fazer face à crise existente, adivinhando-se apenas o adiamento de uma vaga de fome que, em 2005, terá consequências muitíssimo graves caso o governo insista na manutenção dos conflitos em curso. A Human Rights Watch acusa o poder de Cartum, capital do Sudão, de proceder a uma tentativa de «limpeza étnica» e denunciou que a intimidação das populações é prática corrente, sobretudo pela acção das milícias pró-governamentais que actuam no terreno.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) sublinha também que em Darfur os níveis de má nutrição entre as crianças com menos de cinco anos atingem os 21,8 por cento, o que tende a degradar-se na medida em que agricultura de subsistência se torna impossível num quadro de permanente guerra.
Para já, o cenário é mais difícil que a situação vivida nos anos oitenta. Os alimentos necessários ascendem às centenas de milhares de toneladas, número que só contempla o básico e estritamente necessário para evitar que a carência alimentar mate os milhares que escapam às doenças e à troca de tiros.