Projecto pioneiro adoptado pela CGTP

Prevenir a toxicodependência nos locais de trabalho

Luís Gomes
A Central Sindical avançou com o primeiro projecto em Portugal para a prevenção da toxicodependência nos locais de trabalho. O município do Seixal foi o primeiro a adoptar a iniciativa, coordenada pelo Dr. Álvaro Cartas que falou ao Avante! sobre a importância do projecto.
Há muito que a CGTP, nos seus congressos e documentos, reflecte acerca desta temática. Já implementado em oito países da União Europeia, esta foi a oportunidade para que, após uma delegação ter constatado as possibilidades de o implementar em Portugal, aderisse à iniciativa.
De nome Euridice, o projecto foi criado por uma cooperativa italiana em 1989. No ano de 2000, propôs à CGTP a sua implantação em Portugal, com o propósito de fazer a prevenção de todos os tipos de dependências nos meios laborais. Paralelamente, a CGTP-IN, através da sua Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, desenvolveu ao nível da formação suportes pedagógicos, e foi elaborado um vídeo e um manual para dar suporte às acções de formação a desenvolver no âmbito do projecto. Depois avançou no terreno, e foi junto de algumas grandes empresas propor a sua aplicação, mas segundo Álvaro Cartas, «ainda hoje não sabemos se estavam interessados». «Apesar de sempre responderem que era uma ideia interessante, nunca nos disseram para avançarmos», acrescentou.

A desconhecida dimensão do fenómeno

Apesar das repetidas preocupações referidas por todos os Governos sobre a toxicodependência, a verdade é que, como Álvaro Cartas referiu, «em Portugal não há sequer dados sobre a dimensão do fenómeno». Entretanto, foi criada uma comissão que contava com a participação de representantes do IPDT, do Instituto de Desenvolvimento das Condições de Trabalho e uma universidade para avaliar o Euridice. Por fim, o IDT, Instituto das Drogas e Toxicodependência, criou uma comissão para «abordar a temática a nível nacional, com a participação das centrais sindicais e das confederações patronais», disse Álvaro Cartas, esclarecendo que «o objectivo era fazer o diagnóstico da situação, já que, para intervir, primeiro temos que saber qual é a dimensão do fenómeno, e isso, até agora, não está quantificado», afirmou, referindo que os estudos existentes «são incompletos, com amostras muito pequenas e apenas no distrito de Lisboa, não havendo dados nacionais».
Entretanto, com as alterações no Instituto das Drogas, aquela comissão também «ficou por aí, já que está inactiva há cerca de ano e meio».
Assim, os únicos dados disponíveis sobre o fenómeno das drogas nos locais de trabalho em Portugal, provêm da OIT e datam de 1980.

«Os testes não podem servir para discriminar ou despedir»

Quando se fala, em Portugal, da toxicodependência em meio laboral, aparece logo o problema dos testes. E, como nos contou Álvaro Cartas, o álcool nos homens e os anti-depressivos e psicofármacos nas mulheres são, de longe, as drogas mais consumidas em Portugal. «Nas empresas, a toxicodependência é resolvida de duas formas: a punição ou os testes», afirmou.
Embora reconhecendo que cada vez mais empresas «encaram com seriedade esta matéria», a CGTP considera que a solução não passa apenas por testes, «sem a existência de um plano global negociado com os sindicatos». «Por isso não os aceitamos sem a existência desse plano», disse Álvaro Cartas. Neste momento não existe qualquer projecto desta natureza que contemple a intervenção sindical. «Se as entidades patronais vêem a questão da toxicodependência só como forma de dar resposta à situação, com vista depois a processos disciplinares ou despedimentos, nós somos frontalmente contra estas posturas administrativas», sublinhou o técnico do Euridice, lembrando que para a CGTP, «este é um campo em que os sindicatos devem intervir, já que devemos partir do pressuposto de que são trabalhadores doentes que, sendo responsabilizados, necessitam de tratamento e compreensão».

«As condições de trabalho podem ser factor de risco»

Por haver uma relação individual no que respeita às dependências e aos consumos, a CGTP entende que as condições de trabalho propiciam dependências, havendo por isso também responsabilidades por parte das empresas. «O trabalho por turnos, os ritmos intensos impostos, a precaridade dos vínculos laborais, o stress, as amplitudes térmicas, são condições que potenciam os consumos», lembrou Álvaro Cartas, dando o exemplo de trabalhadores com turnos à noite ou com grandes variações horárias que recorrem a estimulantes para «aguentarem a violência dos horários e as tarefas tantas vezes rotineiras», afirmou.
Por outro lado, referiu que «este é um problema que atravessa as empresas de forma transversal, desde as administrações, quadros técnicos e dirigentes empresariais aos operários».

Salvaguardar direitos na negociação colectiva

Para a CGTP, este fenómeno obriga a uma parceria por parte de todas as entidades. Neste sentido, a metodologia do Euridice, consiste em criar um grupo composto por representantes da empresa e dos sindicatos, com vista à sua implementação, dinamizado por um técnico-coordenador da CGTP. «É muito mais fácil para o trabalhador revelar o seu problema concreto ao delegado sindical do que à secção de recursos humanos da empresa, havendo por isso um importante papel a desempenhar pelos sindicalistas quanto ao encaminhamento a dar a essas situações, salvaguardando sempre os direitos do trabalhador em causa, na base do sigilo total», referiu Álvaro Cartas, lembrando que «são situações muito delicadas».
O projecto pretende também aliar as participações dos CAT’s através de representantes e prevê que os sindicatos tenham um papel «fundamental» na fase de reinserção laboral dos trabalhadores recuperados.
Entretanto, a CGTP espera agora estabelecer um novo protocolo com a nova gestão do Instituto.
Recordando que a intervenção sindical nesta área faz-se também ao nível da negociação colectiva, Álvaro Cartas salientou ainda a importância de se levantar na mesa de negociações este problema, «de forma a regulamentar os direitos nesta área, para evitar casos que têm vindo a lume sobre trabalhos pagos a troco de doses de droga na construção civil, por exemplo», referiu.
Brevemente, a CGTP realizará acções de formação dos seus dirigentes e delegados sindicais, com vista à sua preparação, criando novas competências. Está também a ser criada uma «mala pedagógica» com um CD interactivo e vários materiais sobre a prevenção das toxicodependências no meio laboral. Para a CGTP, esta é uma área onde ainda está quase tudo por fazer.

O Seixal como exemplo a seguir

De início, «apenas na Câmara Municipal do Seixal pudemos arrancar com o Euridice», referiu o técnico da CGTP, acrescentando que aquela edilidade, desde a primeira hora, setinha mostrado interessada e aprovado em sessão de Câmara a sua implantação, com a aprovação de todas as forças políticas representadas.
Considerando que o problema não podia ser apenas a prevenção, Álvaro Cartas revelou-nos que aquela autarquia CDU criou «um espaço no âmbito da saúde ocupacional para esta temática; contratou técnicos e psicólogos, criou consultas de atendimento a trabalhadores com esta problemática», e considera este tipo de trabalho de «atendimento e do encaminhamento para os serviços específicos existentes na comunidade tão importante como a prevenção. Dos CAT’s às comunidades terapêuticas, como faz aquela autarquia, caso único em Portugal», sublinhou.
Nesta fase «experimental», como refere o documento de apresentação do Euridice, uma empresa do sector químico de Ovar também adoptou o plano, após um encontro entre os responsáveis da empresa e o coordenador científico do projecto na União Europeia, estando também ali a ser implementado.


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