«Media», cabeças e luta

Correia da Fonseca
Não estava nada inclinado a ver aquele programa. A questão, na verdade, é que nunca estou inclinado a ver programas em que a entrevistadora é Maria João Avilez, e manda a cortesia que não acrescente os meus motivos, justificados ou não, para esse fastio. Contudo, nessa emissão estariam não apenas a entrevistadora frente a um entrevistado porventura desinteressante, mas sim três convidados: António Costa, João Lourenço e Maria José Nogueira Pinto. Perante isso, reconsiderei: nasceu-me a expectativa de poder ouvir coisas interessantes e resolvi-me a assistir à repetição do «Outras Conversas» à hora do almoço da passada segunda-feira. Na SIC-Notícias, como se saberá. E a verdade é que não me arrependi, pelo menos por duas razões, embora deva pedir desculpa por outras eventuais razões igualmente boas que aqui não registe. A primeira delas deu-ma António Costa ao dizer que, tanto quanto lhe parece, as pessoas não estão cansadas da política, estão cansadas da versão da política que lhes é fornecida pelos media. Entendi eu, mal ou bem, que António Costa estava a referir-se à redução da imagem da política aos pequenos escândalos que a acompanham e que lhe são de algum modo periféricos, ao intriguismo muito estimulado pelos próprios media, ao dize-tu-direi-eu que está longe de ser tão importante quanto o fazem parecer. Acrescentou ainda, embora por outras palavras, que dessa deformação mediática, que é o que a generalidade das gentes «mete na cabeça», resulta o que passam a pensar, a dizer, a fazer ou não, e este aspecto é de tal modo relevante que adiante a ele voltarei porque muito me interessa voltar. Quanto a Maria José Nogueira Pinto, sustentou, contra a corrente nada inocente que desde há tempos vem sendo injectada na chamada opinião pública, que é falso que as ideologias tenham acabado, deixando entrever a convicção de que sem ideologias seria impossível a actividade política ou mesmo a mera cidadania. Por mim, bem poderia ter acrescentado que até seria impossível a mínima actividade social, mesmo a supostamente desideologizada, mas o que Maria José disse e eu ouvi foi o bastante para que desse por bem empregado o esforço de vontade que me levava a optar por aquele «Outras Conversas» em repetição. Como se sabe, por vezes é mais reconfortante ouvir verdades na boca de quem não pensa como nós que na de camaradas de trincheira.

Questão de vida ou de morte?

Ao dizer que são os media, por aquilo que dizem e como dizem (e, também, decerto, por aquilo que omitem) que determinam os convencimentos dos cidadãos acerca da vida política, disse António Costa uma verdade fundamental. Por sinal, suspeito de que António Costa e outros socialistas só se deram inteira conta disto depois de terem saído do poder, mas esse é um ponto que não quero alegar aqui para não azedar a prosa. Ora, aquilo que Costa muito bem apontou é um dado de primeiríssima importância para a difícil mas necessária gestão do difícil problema que o PCP tem perante uma Comunicação Social que na sua generalidade parece apostada em destruí-lo, tarefa para a qual dispõe aliás de grande eficácia e enormes estímulos. Para enfrentar esse permanente bombardeio, não poderá o PCP pensar em tomar fortalezas ou convencê-las a respeitar uma elementar moralidade deontológica e política, mas há que inventar respostas que talvez devam consistir numa espécie de intensa luta de guerrilhas, que como se sabe é a guerra dos pobres contra os ricos, na afinação de pontarias, na escolha sapiente de objectivos e decerto em muito mais. Cabe aqui, naturalmente, um pedido de desculpas pela adopção de metáforas de inspiração castrense, salientando-se que são isso mesmo, metáforas. O que é de enorme relevância, o que me parece mesmo de carácter prioritário, é aquilo que António Costa disse e de resto já quase é consensualmente repetido por variados sectores, ainda que não da maneira como aqui pode ser dito: hoje, com o capitalismo inchado de poder nos vários cantos do mundo, a luta ideológica é uma área de combate fundamental e a comunicação (que não se resume apenas aos grandes media que o poder económico-financeiro ocupou e instrumentaliza) é o seu campo de batalha. E, já agora, bem podemos citar a dr.ª Maria José Nogueira Pinto, que é de direita mas não é parva, para exibir as suas palavras perante os que andam para aí, nos tais media que «fazem a cabeça» dos incautos, a proclamar a morte das ideologias. De resto, é porque elas, as ideologias, estão de boa saúde que se fecham os portões da grande Comunicação Social aos comunistas e ao marxismo, cuja notícia da morte também foi muito exagerada, como diria Twain. Por isso, é imperioso que demos a volta para passar. Talvez esta seja, quem sabe?, uma verdadeira questão de vida ou de morte.


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