Comentário

Ensino só para alguns

Sandra Pimenta
«E agora não contentes, querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento que só à humanidade pertence.» Bertoldt Brecht

Quem andou em Lisboa na passada quinta-feira apercebeu-se com toda a certeza de uma manifestação de estudantes do ensino superior que, pela «centésima» vez, protestavam em voz alta contra a Lei de Bases da Educação, a Lei de Financiamento do Ensino Superior, a Lei de Autonomia e exigiam o incremento do investimento na Acção Social Escolar. Estranhamente e ao ler os jornais do dia seguinte nada indicava que a situação era contestada por milhares de estudantes. Não houve manifestação e muito menos reclamações?!...
E o que querem os estudantes afinal? Esperam a revogação imediata deste pacote legislativo, que representa um forte ataque aos seus direitos, a maior parte deles salvaguardados pela Constituição. Essa mesmo que obriga o Estado à democratização da educação, à progressiva gratuitidade do ensino público e também ao aumento da selectividade da frequência da escola pública ao nível do secundário e do superior, entre muitos outros aspectos. Ou seja, simplesmente, outras políticas educativas que só se conseguem com este Governo na rua.
Principalmente depois de ser conhecida a proposta de Orçamento de Estado para a educação apresentada pelo Governo que prevê uma diminuição de verbas, enquanto o orçamento do Ministério da Defesa aumenta 452 por cento. O que se retira deste dado é que a educação não honra a pátria, já a guerra e os submarinos... É por estas e por outras que aos estudantes se deve dar toda a liberdade para se manifestarem, mais cem vezes se for preciso.

«Homens de muita paixão!»

Os últimos anos na área da educação foram fundamentalmente de continuidade da política de direita, mantendo-se como linha condutora da intervenção governativa a crescente desresponsabilização do Estado, o financiamento público do ensino privado e a subalternização de critérios pedagógicos em prol de critérios economicistas e elitistas. Primeiro foi Cavaco Silva com a sua reforma educativa logo seguida e aprofundada pelos governos do PS de António Guterres.
Com o actual governo, o que temos é a tentativa de imposição de uma nova Lei de Bases, relativa ao ordenamento jurídico de todo o sistema educativo, que procura claramente abrir caminho ao cumprimento das grandes linhas de orientação neoliberal, ou seja, desregulamentação, privatização, abertura de «mercado» a «operadores» de «serviços» de ensino incluindo «franchising», mercantilização e transnacionalização.
Quando o que deveríamos ter era nem mais do que o Ensino como bem público, correspondente a uma necessidade de qualificação geradora de maiores níveis de desenvolvimento e bem estar social, e não um negócio, em que os saberes e os diplomas se compram e vendem num «mercado da educação». A lógica do utilizador-pagador, que pretende ignorar as profundas injustiças na distribuição da riqueza e no sistema fiscal vigente, agrava a elitização do ensino e compromete a recuperação de anos de atraso estrutural do nosso país na qualificação da sua população.

A outra Europa

Quatro anos após o Conselho de Lisboa, quando foi estabelecida a meta de, até 2010, tornar a Europa «na economia baseada no conhecimento mais dinâmica do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social», os progressos realizados pela UE são manifestamente insuficientes.
No caso de Portugal, os indicadores relativos à educação, investimento e formação, não sendo os únicos, são dos que mais fazem afastar o país da média europeia. Resultados decepcionantes se tivermos em conta o que aí vem com a proposta da designada Constituição Europeia que anuncia um perigo para a educação e o ensino no nosso País e para a diversidade e riqueza dos sistemas europeus ao incluir a Educação entre as áreas em que à União é permitido tomar, por maioria, decisões sobre acções de apoio, sem que os estados membros possam exercer direito de veto, o que é uma clara ameaça à soberania dos Estados.
Os estudantes portugueses merecem uma educação e um ensino gratuitos, à semelhança do que se passa em alguns países da UE, por sinal alguns dos quais situados bem mais à frente neste ranking europeu. Porque todos temos direito ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das nossas potencialidades, vocações e consciência cívica. Direito este que deve ser assegurado por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país.
É tudo o que queremos, e não mais do que temos direito.


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