Entrevista a Inês Zuber sobre a Venezuela

A luta de classes pura e dura

A revolução está em marcha na Venezuela, garante Inês Zuber, dirigente da JCP que visitou o país recentemente e que, em entrevista, fala no ambiente que se vive e nas mudanças que estão em curso.

«Quem trabalha nos mercados faz questão de ter cartazes da revolução»

Dois dias depois do referendo sobre a continuação do mandato presidencial de Hugo Chávez, Inês Zuber, em representação da JCP, chegou a Caracas no dia 18 de Agosto, com o objectivo de conhecer o processo eleitoral, a preparação do Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes e prestar solidariedade com a revolução bolivariana.
Foi uma semana de reuniões com organizações de juventude, de participação nas comemorações populares da vitória no referendo e de descoberta da cidade e dos seus habitantes, modos de vida, aspirações e lutas.
«As pessoas sentem que têm uma palavra a dizer, que são os protagonistas da revolução bolivariana, que a revolução é deles e que a têm de defender. É um microclima de muitas esperanças, nomeadamente que o mundo pode dar uma reviravolta e seguir um caminho mais progressista», diz Inês Zuber.
A população está empenhada e é nisso que se baseia o resultado do referendo e os baixos níveis de abstenção. «O processo bolivariano é complexo e envolve várias organizações – partidos políticos e associações sociais e populares – que apoiam o presidente. Um dos grandes pilares é precisamente envolver as pessoas nos projectos do Governo, que acabam por ser os projectos da pátria, porque está muito presente a ideia de que os projectos são do povo e que é um dever patriótico participar no seu desenvolvimento. A democracia participativa é uma realidade», garante a dirigente da JCP.

Comprar a Constituição na esquina

Inês chegou à Venezuela no dia em que os EUA reconheceram o resultado eleitoral. «Isso acalmou a oposição, mas a verdade é que eu não vi nenhum tipo de contestação nas ruas, ao contrário do que passava nas TVs aqui, em Portugal. Havia uma ou duas concentrações de pequenos grupos, mas mais nada. Era visível que a grande maioria das pessoas apoiou o presidente Chávez, até pela própria estrutura da sociedade. As grandes massas – trabalhadores, pobres... e pobres na América Latina são mesmo pobres – apoiaram Chávez e as pessoas faziam questão de o mostrar, colocando pendões do “Não” à porta de casa ou à janela. A paisagem estava cheia de cartazes e murais. Isto acontecia nos grandes bairros pobres, porque nas zonas ricas de Caracas já não havia nada disso. É a luta de classes pura e dura», afirma.
«Há uma grande afirmação do processo bolivariano. Quem trabalha nos mercados faz questão de ter cartazes da revolução nas suas tendas. A música – mesmo a comercial – é sobre Chávez e a revolução e as pessoas usam t-shirts ou pins para afirmar que estão com o presidente. Há bancas na rua a vender a Constituição e leis a preços acessíveis. As leis são uma forma das pessoas se defenderem e de manterem os seus direitos e as pessoas têm interesse em comprar», conta.
Inês Zuber lembra as conversas em que participou na Venezuela «Eles afirmam que passaram tantos anos a ser explorados que o Estado tem uma dívida social para com os mais oprimidos e que agora vai ser saldada. Isso mostra que o povo está com a revolução e a defende de todas as formas, nas eleições ou na rua. Isso ficou muito claro no golpe de Estado. Quando a oposição raptou Hugo Chávez, foi obrigada a recuar porque milhares de pessoas saíram à rua e exigiram a reposição da democracia e da legalidade. As pessoas estão dispostas a qualquer coisa para que a revolução não recue.»

Mais de um milhão alfabetizado num ano

Na Venezuela há seis canais de televisão privados e dois estatais. Os primeiros apoiam a oposição – não hesitando em inventar mentiras escandalosas – e os segundos Hugo Chávez. Um destes últimos canais apresenta exclusivamente documentários sobre as missões, a vidas das populações e a história da Venezuela, nomeadamente a independência de Espanha.
«É uma forma de dizer que não querem ser neo-colonizados», comenta Inês Zuber, que realça que a maneira de combater a contra-informação dos media ligados à oposição «é esclarecer, trabalhar e estar junto das pessoas».
Trabalhar no seio da revolução bolivariana é a melhor forma de desenvolver o país e simultaneamente fazer campanha eleitoral. Nesse contexto, ocupam um lugar importante cerca de 10 missões que fazem um trabalho de desenvolvimento social, envolvendo 250 mil técnicos e procurando criar organizações populares de base. O dinheiro da venda do petróleo faz o financiamento.
Uma das mais populares é a Missão Robinson, com o objectivo de alfabetizar toda a população. Os resultados são visíveis: num ano, aprenderam a ler e a escrever um milhão e 250 mil pessoas.
Mas há outras: a Missão Sucre faz com que pessoas com educação média entrem no ensino superior; a Missão Mercal consiste numa rede de distribuição estatal de bens de consumo, com preços muito mais baixos do que o normal; e a Missão Barrio Adentro leva os centros de saúde para os bairros gratuitamente. Colaboram 9 mil médicos cubanos, pois existem poucos profissionais venezuelanos e estes não estão dispostos a deixar as suas clínicas privadas para ir trabalhar nos bairros e eventualmente receber salários mais baixos.
A Missão Guaiquepuro trata dos povos indígenas, consultando os representantes índios. A constituição venezuelana é a primeira no mundo que consagra um capítulo aos direitos dos povos indígenas e as 34 línguas indígenas passaram a ser línguas oficiais do país, juntamente com o castelhano. Também a educação nas zonas destes povos é bilingue e há jovens indígenas a estudar medicina em Cuba, para trabalhar nas suas comunidades.
«O processo bolivariano é muito complexo e envolve sectores muito diferentes da sociedade, mas todos muito empenhados e com um sentimento patriótico. Dizem que não querem que as oligarquias norte-americanas mandem no país e há uma coisa que os une: a luta anti-imperialista», diz Inês Zuber.

Uma lição de democracia

«Como é que conseguiram níveis de abstenção tão baixos no referendo? Não se consegue com campanhas eleitorais, mas sim com o envolvimento das pessoas. As pessoas têm consciência que têm de defender a revolução, porque é a revolução delas. Por isso têm de participar em tudo, nas missões, na campanha eleitoral, nas eleições... e deram uma lição de democracia ao Ocidente. Foram formadas comissões nos bairros para criar grupos de trabalho na campanha eleitoral. Para eles, era a comunidade que tinha a missão patriótica de defender a revolução e por isso tinha de se organizar na campanha», explica Inês Zuber.
A dirigente da JCP participou numa comemoração popular da vitória de Chávez no referendo num bairro de Caracas. «Era uma coisa fabulosa. As pessoas estavam alegres, viram o seu trabalho recompensado. Nessa festa entregaram uns diplomas para os que mais se empenharam na campanha eleitoral. Era um reconhecimento da comunidade e um orgulho para quem recebia. A ideia é elevar a consciência política. Evidentemente vai ter de crescer, porque isto é uma coisa muito recente, mas é incomparavelmente superior à que existia», diz Inês.
Para a dirigente portuguesa, o resultado do referendo e a participação popular foi uma grande vitória da revolução, apesar de ter sido convocado pela oposição. «Eles dizem que defendem a revolução da forma que for precisa e isso implica ir para a rua e lutar. Há muitos que estão dispostos a morrer. A oposição e os EUA já tentaram tudo: golpe de Estado, greves mobilizadas pelos patrões que deixaram a economia de rastos, a convocação do referendo, uma grande contra-informação através da comunicação social... e não conseguiram. Estão desesperados mas não devem desistir. Está tudo em jogo. A tensão sente-se e tudo pode acontecer», refere.


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