O Próximo e Médio Oriente em chamas
Na sequência do 11 de Setembro de 2001, a administração dos EUA teve a oportunidade de dar um novo impulso ao seu plano de ocupação militar no Próximo e Médio Oriente e na Ásia Central e Meridional. Estabeleceu imediatamente bases no Uzbequistão e no Kirguizestão, que utilizou no ataque ao Afeganistão e nas quais permanece. No quadro geopolítico regional, a Arábia Saudita merece especial atenção por ser um aliado especial (como se verá).
Com o seu enorme território (2260 mil km2), a Arábia Saudita desempenha um papel central na geopolítica do Médio Oriente, pela sua posição geográfica na articulação de continentes e mares, pelos seus recursos petrolíferos (os maiores do mundo) e pela sua íntima relação económica e política com os EUA.
A relação entre a oligarquia real saudita e a administração norte-americana sempre suscitou oposição popular. O povo saudita é dominado pela seita religiosa Wahabbi. Com uma população em rápido crescimento e muito jovem, cerca de 40% da população com idade inferior aos 15 anos, compreende numerosos refugiados palestinianos e trabalhadores estrangeiros. A economia está centrada na indústria petrolífera e as suas copiosas receitas são delapidadas pelos numerosos príncipes, na aquisição de material de guerra em quantidades insensatas e em depósito e investimentos nos EUA (oferecendo cobertura substancial aos enormes défice externo e dívida interna). Assim, não obstante o permanente fluxo de receitas da indústria petrolífera, todavia não aplicadas a fins de investimento público e desenvolvimento social, a capitação de receitas caiu de US$ 28 000 (em 1980) para $ 10 800 (em 2002).
A relação íntima entre as economias norte-americana e saudita é vital mas problemática para ambas as partes. Em 1960 a Arábia Saudita foi co-fundadora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Em 1973 aderiu com outros países árabes à restrição da exportação de petróleo para os países Ocidentais em resposta ao apoio dos EUA e seus aliados à guerra expansionista de Israel. O preço do petróleo quintuplicou e induziu uma recessão mundial. Mas em 1990 a Arábia saudita apoiou oficialmente os EUA e seus aliados na Guerra do Golfo, inclusivamente permitindo o estabelecimento de bases militares no seu território, para em 2003 tomar uma posição de controlada neutralidade, sob a pressão de radical oposição da opinião pública interna.
A presença de bases estrangeiras em solo saudita não só é motivo de indignação e instabilidade interna, como também é motivo de insegurança para os residentes estrangeiros e as bases militares. Consequentemente, entre o Outono de 2002 e a Primavera de 2003, os EUA transferiram da Arábia Saudita para Qatar o comando da sua força aérea na Ásia Central e o Golfo e transformou Qatar em quartel-general para a guerra contra o Iraque.
Interesses do capital
Como sabemos, o Afeganistão foi o primeiro alvo do plano de expansão imperialista para o Médio Oriente após o ataque terrorista perpetrado nos EUA em 9 de Setembro de 2001. O envolvimento de organizações islâmicas, com raízes na Arábia Saudita e apoio no Afeganistão, não contradiz o envolvimento de organizações norte-americanas, como diversas investigações têm revelado; pelo contrário confirma a simbiose entre os interesses do capital acumulado nos EUA e os do capital gerado pelas indústrias petrolífera e armamentista na Arábia Saudita.
O Afeganistão foi o primeiro alvo escolhido por ser o mais frágil na região e por ser na ocasião o mais fácil de justificar. Porém, passados três anos e meio, a justificação não foi concretizada e o território não foi submetido. A revolta e a desordem continuam no Afeganistão desde a sua invasão em fins de 2001. Ataques armados alegadamente dirigidos por forças Talibã contra o governo central, instalado pelas forças invasoras, têm-se intensificado ao longo dos últimos meses, sobretudo no Sul; e os «senhores da guerra» do Norte, aliados conjunturais aquando do derrube do regime Talibã, entraram em insubordinação perante o governo central e em conflitos armados recíprocos.
A anunciada implantação de um regime «democrático» continua distante e parece agora inatingível. Não obstante o trabalho feito por funcionários da ONU, em fins de Junho de 2004 apenas cerca de metade dos potenciais eleitores estava registada; e a escassez de dados é ainda um obstáculo ao delineamento de círculos eleitorais. As eleições anunciadas para Junho de 2004 foram necessariamente adiadas, as parlamentares para 2005, porém as presidenciais foram forçadamente anunciadas para Outubro próximo, apesar dos óbvios obstáculos, mas para cumprir calendário a tempo das eleições nos EUA (em Novembro).
Num país fortemente rural, em que a actividade agrícola ocupa 70% da população, sem outros meios organizados de subsistência e sob o comando de influentes negociantes, o cultivo da papoila revitalizou-se e floresceu nos dois últimos anos; é de novo fonte de grossas receitas em benefício desses intermediários e dos narcotraficantes de todo o mundo; e é pretexto que alimenta conflitos armados entre grupos rivais.
Na Cimeira da NATO em Istambul, em 28-29 de Junho passado, esta organização ao serviço do imperialismo anunciou a intenção de reforçar para 10.000 soldados a Força Internacional de Segurança e Assistência para o Afeganistão (ISAF); e os EUA anunciaram ir multiplicar as «equipas provinciais de reconstrução» que procuram cobrir (tenuemente) o vasto território para além de Kabul. Mas a NATO encontrou escasso acolhimento para a mobilização de forças «aliadas» para esse teatro de guerra, designadamente entre países da região, como foi seu propósito.
Um mês depois, no final de Julho de 2004, a comissão de negócios estrangeiros do parlamento britânico avisou que o Afeganistão estará em risco de implosão, a menos que mais tropas e recursos para lá sejam enviados. Não só a violência dos exércitos dos «senhores da guerra» e das guerrilhas Talibã persistia como ameaça contra a operacionalidade e sobrevivência do governo central, instalado pela administração norte-americana, e as forças de ocupação que o protegem, como também a produção de ópio e o seu tráfico estariam em descontrolada progressão.
O relato parlamentar traçava também um paralelo com a evolução no Iraque, reconhecendo que a intervenção estrangeira havia criado um vácuo e aberto o caminho para Al Qaeda aí se instalar e actuar contra as forças de segurança e a população civil.
Significativamente, também no fim de Julho, a ONG Médicos Sem Fronteiras anunciarou ir retirar do Afeganistão os seus 80 voluntários estrangeiros, após 24 anos de presença nesse país, por falta de condições de segurança para o seu trabalho e frustração, acusando tanto as guerrilhas Talibã como o exército da coligação ocupante. Só em 2004, 30 voluntários haviam já sido assassinados.
A guerra ao Iraque
A intervenção da «coligação» anglo-americana e poucos mais aliados no Iraque, em Março de 2003, foi uma acção unilateral, à margem da Organização das Nações Unidas, e contra a opinião pública mundial, inconformada com as sucessivas justificações públicas de tal intervenção, que viriam a revelar-se todas elas falsas. A União Europeia dividiu-se e foi profundamente abalada, porque os governos dos vários países tinham interesses contrários e faziam análises contraditórias. A Rússia e a China estavam contra.
A intervenção vinha há muito a ser preparada, no quadro do plano de controlo político pelos EUA de toda a região que vai do Mediterrâneo Oriental até ao Sudeste Asiático.
Em 8 de Novembro de 2002, os EUA ainda haviam conseguido fazer passar por unanimidade uma resolução do Conselho de Segurança que «oferecia» ao Iraque uma última oportunidade para satisfazer os seus compromissos de desarmamento e, em particular, para fornecer informação exacta e completa sobre os seus programas de desenvolvimento de armas de destruição maciça e de mísseis balísticos (exigida pela resolução 687 de 1991!). Ora como sabemos, desde o fim da Guerra do Golfo o Iraque sofreu os constrangimentos de vigilância e embargo permanentes, impostos pela ONU, bem como, por iniciativa unilateral dos EUA e do Reino Unido, esteve sujeito a vigilância e a bombardeamento aéreo nas impostas áreas de «exclusão aérea». A nova resolução fazia parte da encenação hipócrita em que a comunidade internacional (os seus governos) foram cúmplices.
Mas em Março de 2003 essa unanimidade não existiu. Porém, as várias potências mundiais iriam acomodar-se à nova realidade do Iraque ocupado de facto por uma «coligação»; e, ou pretendendo contribuir para uma saída airosa da administração norte-americana e do governo britânico do malogro da vitória fácil, ou para uma libertação do povo Iraquiano do tormento da ocupação e do insulto da espoliação, ou, ainda, para tirar também partido do saque prometido, foram-se manifestando mais dialogantes para a procura de uma «solução».
Em 22 de Maio de 2003, a resolução 1483 faz o levantamento de sanções (a um Iraque cuja soberania havia sido usurpada), reconhece aos EUA e ao RU a «autoridade» de potências ocupantes, cria um representante especial no Iraque para coordenar a actividade da ONU no território, e propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento para o Iraque - DFI (alimentado evidentemente pelas receitas da indústria petrolífera) e uma correspondente Junta Internacional de Acompanhamento e Monitorização (IAMB).
Finalmente, a resolução 1546 de 8 de Junho de 2004 do Conselho de Segurança, avança no caminho encetado, de legitimação do processo de ocupação, expropriação e subjugação do Iraque. Afirma determinar a entrega do poder por parte da CPA a um Governo Interino «soberano» em 30 de Junho de 2004 (o acto formal veio a acontecer a 28 de Junho); e fixa o termo automático do «mandato» da força multinacional liderada pelos EUA com a conclusão do processo «democrático», o mais tardar no fim de 2005, com opções relativas à revisão do mandato pelo Conselho de Segurança ou a pedido do governo interino ou a pedido do governo eleito (previsto para Janeiro de 2005). A resolução tem anexas duas cartas, uma do presidente do governo interino do Iraque, outra do secretário de estado dos EUA, consagrando a íntima cooperação de ambos nos propósitos comuns.
A cimeira da NATO a 28 de Junho em Istambul foi sincronizada para o governo interino do Iraque, no suposto exercício da sua soberania, já solicitar e obter dessa aliança apoio para o treino das forças de segurança iraquianas, pois que pouco mais os aliados estavam dispostos a comprometer no plano militar.
As dificuldades dos invasores
No vazio de uma análise fundamentada e perante um povo insubordinado, a coligação e a força invasora encontraram dificuldades para elas inesperadas. A coligação, através das autoridades e forças de segurança que constituiu (autoridade provisória da coligação, governo provisório, depois governo interino; força de estabilização e depois força de multinacional) bem como através das substituições de chefias civis e militares a que procedeu, prosseguiu um caminho errático procurando adaptar-se à realidades no terreno.
Às dificuldades internas da coligação junta-se a adversidade do contexto internacional para os seus propósitos. A Turquia, com uma opinião popular adversa e muito receosa da evolução política no Curdistão (maioritariamente localizado no seu próprio território), logo em Fevereiro de 2003 manifestou as suas reservas em se associar à coligação e em lhe prestar apoio logístico, abstendo-se de integrar a coligação, mesmo após a cimeira da NATO em Istambul a 28 de Junho de 2004. A Espanha, que fora inicialmente um membro importante da coligação, retirou as suas tropas em Maio de 2004, face à enorme oposição popular e em resultado do juízo político feito sobre o atentado terrorista de Madrid a 11 de Março de 2004. Como sabemos, depois disso diversos outros países abandonaram a coligação enquanto apenas alguns manifestaram disponibilidade para aderir e, como regra, simbolicamente.
A maioria dos insurgentes são Iraquianos seculares nacionalistas (compreendendo também antigos membros do partido Baas ou da Guarda Nacional) mas também são numerosas as milícias islamistas. Actuando segundo tácticas e com estratégias diversas, mas com objectivos partilhados ou resultantes comuns, conformam uma verdadeira «resistência nacional». Supõem-se organizados em dezenas de grupos ou células de guerrilha, sob a direcção de chefes tribais ou a inspiração de imãs religiosos. A motivação mais citada para a mobilização rebelde é a libertação da ocupação estrangeira que não a fundação de algum estado islâmico; a revolta é sobretudo pela libertação nacional. A resistência encontra condições favoráveis não só nas suas motivações mas também na ampla disponibilidade de meios financeiros, de armas e de treino militar, bem como na ausência de sistema de cartões de identidade e na abstenção do uso de telecomunicações electrónicas (detectáveis). A «colaboração» entre forças ocupantes e forças de segurança Iraquianas bloqueia-se em mútua falta de confiança ou disfarçada insubordinação; as «recomendações» são ignoradas ou não são cumpridas; e forças irregulares «populares» desempenham de facto funções de policiamento nas ruas.
O isolamento da «coligação»
Acções de guerrilha contra as forças ocupantes, contra forças de segurança do governo interino Iraquiano imposta pela coligação e sancionado agora pela ONU bem como contra mercenários por conta de empresas de segurança e de reconstrução de qualquer nacionalidade, têm-se multiplicado e até intensificado após a transição para a nova etapa do processo político em fim de Junho. É clara a estratégia de isolar a coligação do apoio dos seus aliados e dos colaboracionistas, tirando partido também da generalizada indignação da opinião pública à agressão e ocupação do Iraque. Vários países vão retirando ou reduzindo drasticamente as suas forças militares ou pessoal técnico do terreno, enfraquecendo a coligação quer militar e tecnicamente quer, sobretudo, diplomaticamente; a Espanha, as Honduras e a República Dominicana retiraram na Primavera, a Noruega, Singapura e as Filipinas retiraram no princípio do Verão, a Nova Zelândia e a Tailândia vão retirar em Setembro, a Holanda e a Polónia anunciaram retirar em meados de 2005. A tomada de reféns ao serviço de empresas de «reconstrução», e a ameaça ou a sua efectiva execução, põe enorme pressão e desmobiliza dezenas de milhar de trabalhadores de numerosas nacionalidades, de que os EUA precisariam de dispor urgentemente como força de trabalho para levar por diante o seu negócio de «reconstrução».
A Conferência nacional de dirigentes políticos, religiosos e regionais, onde seria seleccionado um Conselho Nacional de cem elementos, cuja missão será superintender o governo interino, Conferência considerada uma etapa fundamental no calendário do processo político traçado para o corrente período em preparação das eleições de Janeiro de 2005, foi subitamente adiada em fins de Julho, a pedido da ONU, em face do boicote de numerosos e relevantes presumidos participantes. Quer dizer que o «processo político» teima em não seguir o caminho e ao ritmo que a administração norte-americana anseia impor.
O ministro Iraquiano do petróleo nomeado a 1 de Junho enunciou um plano para a assumpção da riqueza petrolífera do seu país, compreendendo a reconstituição da companhia nacional (INOC) logo após a passagem de «soberania» em fim de Junho de 2004, e anunciou também a intenção de ir «estudar os méritos» da privatização da indústria e desde já preparar esse dossier para quando o país assumir a plena independência. Passado mais de um ano, a produção Iraquiana continua abaixo dos 2 milhões barris/dia porque se repetem os ataques a instalações e sobretudo pipelines. Para corrigir esse fracasso imperdoável, o agora ministro prometeu que a segurança da produção e exportação iria ser assegurada, para tanto anunciando que o seu ministério iria passar a controlar directamente a força de segurança de 18 mil homens, recrutada e até agora operada por Erinys Internacional, uma empresa britânica de «prestação de serviços».
Os planos da coligação EUA-RU, sancionados pela ONU desde Maio de 2003, para controlarem a sua indústria petrolífera, em particular recuperando a produção para o nível anterior à invasão (2,5 milhões barris/dia), têm falhado rotundamente. Tal como falhou o objectivo inicial vocalizado pela administração norte-americana de duplicar a produção, a fim de «pagar a guerra» com as receitas do petróleo e de garantir aprovisionamento suficiente do seu consumo doméstico. Os actos de sabotagem e as paralisações de produção e no transporte repetem-se e fixaram a produção em não mais do que 1,9 milhões barris/dia.
No princípio de Agosto de 2004, o preço do barril de petróleo atingiu máximos históricos. Uma crise com profundidade que a aproxima do «choque petrolífero» de 1973, mas com causas próximas e contexto diversos não comparáveis. E com causa profunda cada vez menos adiável: a efectiva saturação da capacidade de produção. A economia de mercado não tem compreensão nem meios para desatar tão complicado nó.
A relação entre a oligarquia real saudita e a administração norte-americana sempre suscitou oposição popular. O povo saudita é dominado pela seita religiosa Wahabbi. Com uma população em rápido crescimento e muito jovem, cerca de 40% da população com idade inferior aos 15 anos, compreende numerosos refugiados palestinianos e trabalhadores estrangeiros. A economia está centrada na indústria petrolífera e as suas copiosas receitas são delapidadas pelos numerosos príncipes, na aquisição de material de guerra em quantidades insensatas e em depósito e investimentos nos EUA (oferecendo cobertura substancial aos enormes défice externo e dívida interna). Assim, não obstante o permanente fluxo de receitas da indústria petrolífera, todavia não aplicadas a fins de investimento público e desenvolvimento social, a capitação de receitas caiu de US$ 28 000 (em 1980) para $ 10 800 (em 2002).
A relação íntima entre as economias norte-americana e saudita é vital mas problemática para ambas as partes. Em 1960 a Arábia Saudita foi co-fundadora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Em 1973 aderiu com outros países árabes à restrição da exportação de petróleo para os países Ocidentais em resposta ao apoio dos EUA e seus aliados à guerra expansionista de Israel. O preço do petróleo quintuplicou e induziu uma recessão mundial. Mas em 1990 a Arábia saudita apoiou oficialmente os EUA e seus aliados na Guerra do Golfo, inclusivamente permitindo o estabelecimento de bases militares no seu território, para em 2003 tomar uma posição de controlada neutralidade, sob a pressão de radical oposição da opinião pública interna.
A presença de bases estrangeiras em solo saudita não só é motivo de indignação e instabilidade interna, como também é motivo de insegurança para os residentes estrangeiros e as bases militares. Consequentemente, entre o Outono de 2002 e a Primavera de 2003, os EUA transferiram da Arábia Saudita para Qatar o comando da sua força aérea na Ásia Central e o Golfo e transformou Qatar em quartel-general para a guerra contra o Iraque.
Interesses do capital
Como sabemos, o Afeganistão foi o primeiro alvo do plano de expansão imperialista para o Médio Oriente após o ataque terrorista perpetrado nos EUA em 9 de Setembro de 2001. O envolvimento de organizações islâmicas, com raízes na Arábia Saudita e apoio no Afeganistão, não contradiz o envolvimento de organizações norte-americanas, como diversas investigações têm revelado; pelo contrário confirma a simbiose entre os interesses do capital acumulado nos EUA e os do capital gerado pelas indústrias petrolífera e armamentista na Arábia Saudita.
O Afeganistão foi o primeiro alvo escolhido por ser o mais frágil na região e por ser na ocasião o mais fácil de justificar. Porém, passados três anos e meio, a justificação não foi concretizada e o território não foi submetido. A revolta e a desordem continuam no Afeganistão desde a sua invasão em fins de 2001. Ataques armados alegadamente dirigidos por forças Talibã contra o governo central, instalado pelas forças invasoras, têm-se intensificado ao longo dos últimos meses, sobretudo no Sul; e os «senhores da guerra» do Norte, aliados conjunturais aquando do derrube do regime Talibã, entraram em insubordinação perante o governo central e em conflitos armados recíprocos.
A anunciada implantação de um regime «democrático» continua distante e parece agora inatingível. Não obstante o trabalho feito por funcionários da ONU, em fins de Junho de 2004 apenas cerca de metade dos potenciais eleitores estava registada; e a escassez de dados é ainda um obstáculo ao delineamento de círculos eleitorais. As eleições anunciadas para Junho de 2004 foram necessariamente adiadas, as parlamentares para 2005, porém as presidenciais foram forçadamente anunciadas para Outubro próximo, apesar dos óbvios obstáculos, mas para cumprir calendário a tempo das eleições nos EUA (em Novembro).
Num país fortemente rural, em que a actividade agrícola ocupa 70% da população, sem outros meios organizados de subsistência e sob o comando de influentes negociantes, o cultivo da papoila revitalizou-se e floresceu nos dois últimos anos; é de novo fonte de grossas receitas em benefício desses intermediários e dos narcotraficantes de todo o mundo; e é pretexto que alimenta conflitos armados entre grupos rivais.
Na Cimeira da NATO em Istambul, em 28-29 de Junho passado, esta organização ao serviço do imperialismo anunciou a intenção de reforçar para 10.000 soldados a Força Internacional de Segurança e Assistência para o Afeganistão (ISAF); e os EUA anunciaram ir multiplicar as «equipas provinciais de reconstrução» que procuram cobrir (tenuemente) o vasto território para além de Kabul. Mas a NATO encontrou escasso acolhimento para a mobilização de forças «aliadas» para esse teatro de guerra, designadamente entre países da região, como foi seu propósito.
Um mês depois, no final de Julho de 2004, a comissão de negócios estrangeiros do parlamento britânico avisou que o Afeganistão estará em risco de implosão, a menos que mais tropas e recursos para lá sejam enviados. Não só a violência dos exércitos dos «senhores da guerra» e das guerrilhas Talibã persistia como ameaça contra a operacionalidade e sobrevivência do governo central, instalado pela administração norte-americana, e as forças de ocupação que o protegem, como também a produção de ópio e o seu tráfico estariam em descontrolada progressão.
O relato parlamentar traçava também um paralelo com a evolução no Iraque, reconhecendo que a intervenção estrangeira havia criado um vácuo e aberto o caminho para Al Qaeda aí se instalar e actuar contra as forças de segurança e a população civil.
Significativamente, também no fim de Julho, a ONG Médicos Sem Fronteiras anunciarou ir retirar do Afeganistão os seus 80 voluntários estrangeiros, após 24 anos de presença nesse país, por falta de condições de segurança para o seu trabalho e frustração, acusando tanto as guerrilhas Talibã como o exército da coligação ocupante. Só em 2004, 30 voluntários haviam já sido assassinados.
A guerra ao Iraque
A intervenção da «coligação» anglo-americana e poucos mais aliados no Iraque, em Março de 2003, foi uma acção unilateral, à margem da Organização das Nações Unidas, e contra a opinião pública mundial, inconformada com as sucessivas justificações públicas de tal intervenção, que viriam a revelar-se todas elas falsas. A União Europeia dividiu-se e foi profundamente abalada, porque os governos dos vários países tinham interesses contrários e faziam análises contraditórias. A Rússia e a China estavam contra.
A intervenção vinha há muito a ser preparada, no quadro do plano de controlo político pelos EUA de toda a região que vai do Mediterrâneo Oriental até ao Sudeste Asiático.
Em 8 de Novembro de 2002, os EUA ainda haviam conseguido fazer passar por unanimidade uma resolução do Conselho de Segurança que «oferecia» ao Iraque uma última oportunidade para satisfazer os seus compromissos de desarmamento e, em particular, para fornecer informação exacta e completa sobre os seus programas de desenvolvimento de armas de destruição maciça e de mísseis balísticos (exigida pela resolução 687 de 1991!). Ora como sabemos, desde o fim da Guerra do Golfo o Iraque sofreu os constrangimentos de vigilância e embargo permanentes, impostos pela ONU, bem como, por iniciativa unilateral dos EUA e do Reino Unido, esteve sujeito a vigilância e a bombardeamento aéreo nas impostas áreas de «exclusão aérea». A nova resolução fazia parte da encenação hipócrita em que a comunidade internacional (os seus governos) foram cúmplices.
Mas em Março de 2003 essa unanimidade não existiu. Porém, as várias potências mundiais iriam acomodar-se à nova realidade do Iraque ocupado de facto por uma «coligação»; e, ou pretendendo contribuir para uma saída airosa da administração norte-americana e do governo britânico do malogro da vitória fácil, ou para uma libertação do povo Iraquiano do tormento da ocupação e do insulto da espoliação, ou, ainda, para tirar também partido do saque prometido, foram-se manifestando mais dialogantes para a procura de uma «solução».
Em 22 de Maio de 2003, a resolução 1483 faz o levantamento de sanções (a um Iraque cuja soberania havia sido usurpada), reconhece aos EUA e ao RU a «autoridade» de potências ocupantes, cria um representante especial no Iraque para coordenar a actividade da ONU no território, e propõe a criação de um Fundo de Desenvolvimento para o Iraque - DFI (alimentado evidentemente pelas receitas da indústria petrolífera) e uma correspondente Junta Internacional de Acompanhamento e Monitorização (IAMB).
Finalmente, a resolução 1546 de 8 de Junho de 2004 do Conselho de Segurança, avança no caminho encetado, de legitimação do processo de ocupação, expropriação e subjugação do Iraque. Afirma determinar a entrega do poder por parte da CPA a um Governo Interino «soberano» em 30 de Junho de 2004 (o acto formal veio a acontecer a 28 de Junho); e fixa o termo automático do «mandato» da força multinacional liderada pelos EUA com a conclusão do processo «democrático», o mais tardar no fim de 2005, com opções relativas à revisão do mandato pelo Conselho de Segurança ou a pedido do governo interino ou a pedido do governo eleito (previsto para Janeiro de 2005). A resolução tem anexas duas cartas, uma do presidente do governo interino do Iraque, outra do secretário de estado dos EUA, consagrando a íntima cooperação de ambos nos propósitos comuns.
A cimeira da NATO a 28 de Junho em Istambul foi sincronizada para o governo interino do Iraque, no suposto exercício da sua soberania, já solicitar e obter dessa aliança apoio para o treino das forças de segurança iraquianas, pois que pouco mais os aliados estavam dispostos a comprometer no plano militar.
As dificuldades dos invasores
No vazio de uma análise fundamentada e perante um povo insubordinado, a coligação e a força invasora encontraram dificuldades para elas inesperadas. A coligação, através das autoridades e forças de segurança que constituiu (autoridade provisória da coligação, governo provisório, depois governo interino; força de estabilização e depois força de multinacional) bem como através das substituições de chefias civis e militares a que procedeu, prosseguiu um caminho errático procurando adaptar-se à realidades no terreno.
Às dificuldades internas da coligação junta-se a adversidade do contexto internacional para os seus propósitos. A Turquia, com uma opinião popular adversa e muito receosa da evolução política no Curdistão (maioritariamente localizado no seu próprio território), logo em Fevereiro de 2003 manifestou as suas reservas em se associar à coligação e em lhe prestar apoio logístico, abstendo-se de integrar a coligação, mesmo após a cimeira da NATO em Istambul a 28 de Junho de 2004. A Espanha, que fora inicialmente um membro importante da coligação, retirou as suas tropas em Maio de 2004, face à enorme oposição popular e em resultado do juízo político feito sobre o atentado terrorista de Madrid a 11 de Março de 2004. Como sabemos, depois disso diversos outros países abandonaram a coligação enquanto apenas alguns manifestaram disponibilidade para aderir e, como regra, simbolicamente.
A maioria dos insurgentes são Iraquianos seculares nacionalistas (compreendendo também antigos membros do partido Baas ou da Guarda Nacional) mas também são numerosas as milícias islamistas. Actuando segundo tácticas e com estratégias diversas, mas com objectivos partilhados ou resultantes comuns, conformam uma verdadeira «resistência nacional». Supõem-se organizados em dezenas de grupos ou células de guerrilha, sob a direcção de chefes tribais ou a inspiração de imãs religiosos. A motivação mais citada para a mobilização rebelde é a libertação da ocupação estrangeira que não a fundação de algum estado islâmico; a revolta é sobretudo pela libertação nacional. A resistência encontra condições favoráveis não só nas suas motivações mas também na ampla disponibilidade de meios financeiros, de armas e de treino militar, bem como na ausência de sistema de cartões de identidade e na abstenção do uso de telecomunicações electrónicas (detectáveis). A «colaboração» entre forças ocupantes e forças de segurança Iraquianas bloqueia-se em mútua falta de confiança ou disfarçada insubordinação; as «recomendações» são ignoradas ou não são cumpridas; e forças irregulares «populares» desempenham de facto funções de policiamento nas ruas.
O isolamento da «coligação»
Acções de guerrilha contra as forças ocupantes, contra forças de segurança do governo interino Iraquiano imposta pela coligação e sancionado agora pela ONU bem como contra mercenários por conta de empresas de segurança e de reconstrução de qualquer nacionalidade, têm-se multiplicado e até intensificado após a transição para a nova etapa do processo político em fim de Junho. É clara a estratégia de isolar a coligação do apoio dos seus aliados e dos colaboracionistas, tirando partido também da generalizada indignação da opinião pública à agressão e ocupação do Iraque. Vários países vão retirando ou reduzindo drasticamente as suas forças militares ou pessoal técnico do terreno, enfraquecendo a coligação quer militar e tecnicamente quer, sobretudo, diplomaticamente; a Espanha, as Honduras e a República Dominicana retiraram na Primavera, a Noruega, Singapura e as Filipinas retiraram no princípio do Verão, a Nova Zelândia e a Tailândia vão retirar em Setembro, a Holanda e a Polónia anunciaram retirar em meados de 2005. A tomada de reféns ao serviço de empresas de «reconstrução», e a ameaça ou a sua efectiva execução, põe enorme pressão e desmobiliza dezenas de milhar de trabalhadores de numerosas nacionalidades, de que os EUA precisariam de dispor urgentemente como força de trabalho para levar por diante o seu negócio de «reconstrução».
A Conferência nacional de dirigentes políticos, religiosos e regionais, onde seria seleccionado um Conselho Nacional de cem elementos, cuja missão será superintender o governo interino, Conferência considerada uma etapa fundamental no calendário do processo político traçado para o corrente período em preparação das eleições de Janeiro de 2005, foi subitamente adiada em fins de Julho, a pedido da ONU, em face do boicote de numerosos e relevantes presumidos participantes. Quer dizer que o «processo político» teima em não seguir o caminho e ao ritmo que a administração norte-americana anseia impor.
O ministro Iraquiano do petróleo nomeado a 1 de Junho enunciou um plano para a assumpção da riqueza petrolífera do seu país, compreendendo a reconstituição da companhia nacional (INOC) logo após a passagem de «soberania» em fim de Junho de 2004, e anunciou também a intenção de ir «estudar os méritos» da privatização da indústria e desde já preparar esse dossier para quando o país assumir a plena independência. Passado mais de um ano, a produção Iraquiana continua abaixo dos 2 milhões barris/dia porque se repetem os ataques a instalações e sobretudo pipelines. Para corrigir esse fracasso imperdoável, o agora ministro prometeu que a segurança da produção e exportação iria ser assegurada, para tanto anunciando que o seu ministério iria passar a controlar directamente a força de segurança de 18 mil homens, recrutada e até agora operada por Erinys Internacional, uma empresa britânica de «prestação de serviços».
Os planos da coligação EUA-RU, sancionados pela ONU desde Maio de 2003, para controlarem a sua indústria petrolífera, em particular recuperando a produção para o nível anterior à invasão (2,5 milhões barris/dia), têm falhado rotundamente. Tal como falhou o objectivo inicial vocalizado pela administração norte-americana de duplicar a produção, a fim de «pagar a guerra» com as receitas do petróleo e de garantir aprovisionamento suficiente do seu consumo doméstico. Os actos de sabotagem e as paralisações de produção e no transporte repetem-se e fixaram a produção em não mais do que 1,9 milhões barris/dia.
No princípio de Agosto de 2004, o preço do barril de petróleo atingiu máximos históricos. Uma crise com profundidade que a aproxima do «choque petrolífero» de 1973, mas com causas próximas e contexto diversos não comparáveis. E com causa profunda cada vez menos adiável: a efectiva saturação da capacidade de produção. A economia de mercado não tem compreensão nem meios para desatar tão complicado nó.