Novas suspeitas de doenças relacionadas com o urânio empobrecido

As armas da morte

Gustavo Carneiro
Há novas suspeitas de militares doentes devido a exposição à radiação libertada pelas munições de urânio empobrecido, despejadas em abundância pelas tropas imperialistas no Iraque e noutros cenários de guerra.
Em Itália, 19 soldados regressados do Iraque foram internados, com doença desconhecida. Por cá, um militar que prestou serviço na Bósnia está hospitalizado desde 2003 com uma fibrose pulmonar e espera por um transplante de ambos os pulmões. Separados no tempo e no espaço, ambos os casos podem ter uma causa comum: a exposição ao urânio empobrecido, existente em munições utilizadas pelos «libertadores» exércitos norte-americano e inglês nas várias guerras de agressão de que foram – e são! – protagonistas. Mas estes exemplos, reveladores, são uma gota no oceano.
O internamento dos carabinnieri italianos regressados do Iraque, que partilhavam a missão e o quartel com o contingente português em Nassíria, e o caso do soldado português (que cumpriu missão na Bósnia) internado com graves problemas pulmonares trazem novamente à tona a questão da utilização pelas forças militares do imperialismo deste tipo de armamento.
O urânio empobrecido fez a sua aparição em grande escala na primeira Guerra do Golfo. Militares e civis envolvidos na operação – ou apanhados por ela – foram afectados por sintomas comuns: problemas respiratórios, doenças raras dos aparelhos digestivo ou renal, síndromas de deficiência imunológica, desordens neurológicas, cancros e leucemias. Em muitos casos, é nas crianças que se revelam os mais graves sintomas. Muitas nascem com graves alterações genéticas traduzidas em deformações, cancros precoces, doenças raras.
Estima-se que um terço dos militares e civis envolvidos nesta guerra tenham desenvolvido, mais tarde ou mais cedo, um conjunto de disfunções e doenças, designado por «síndroma do Golfo». Vários milhares terão morrido.
Também na Bósnia e na Jugoslávia, onde a utilização do urânio empobrecido foi igualmente frequente, sucederam situações semelhantes. A «síndroma dos Balcãs», como ficaram conhecidas as doenças – em tudo semelhantes às surgidas no Iraque – ocorridas nos militares que prestaram serviço em mais esta guerra, fez já um sem número de vítimas em vários países. À memória vem o cabo português Hugo Paulino, que morreu em Março de 2000, depois de regressar da sua missão na Bósnia.
Em 2003, as armas com urânio regressam ao palco da estreia, voltando a cair – mas ainda em maior número e com mais violência – sobre as cidades e aldeias do Iraque e as suas populações. Apesar da intensidade dos ataques, e das desastrosas consequências para as populações, poucas vezes este assunto é manchete nos jornais norte-americanos ou europeus. Interesses mais altos se levantam, os do complexo-militar industrial, que aumentou exponencialmente as suas receitas nestes últimos anos, tão férteis em «guerras libertadoras».

Continua a matar muito para além da guerra
Urânio é crime contra a Humanidade


Bem podem as autoridades negar qualquer relação entre as «estranhas doenças» ocorridas em tantos militares e civis envolvidos nas guerras de agressão ao Iraque ou à ex-Jugoslávia, que não convencem. As coincidências são por demais evidentes. A começar pela relação directa entre as zonas mais afectadas pela utilização deste tipo de armamento e a proveniência dos doentes.
Mas para muitos sectores que contestam a utilização destas armas, a relação é clara e reveladora da estratégia de guerra do imperialismo. Se dúvidas ainda existissem acerca da «guerra limpa» ou das motivações «humanitárias» das intervenções, a utilização do urânio empobrecido arrasa-as por completo.
Ramsey Clark, ex-ministro da Justiça dos Estados Unidos, está – juntamente com os seus companheiros da International Action Center (IAC) – entre os mais enérgicos activistas contra a utilização de munições contendo urânio empobrecido (UE). Em 1996, o IAC (ver www.iacenter.org) promoveu uma conferência em Nova Iorque sobre as consequências da utilização deste tipo de armamento e os depoimentos dos participantes foram depois reunidos no livro Depleted Uranium – Metal of Dishonour (Urânio Empobrecido – o Metal da Desonra). Alguns dos depoimentos são altamente reveladores.
O médico austríaco Siegwart-Horst Guenter dedicou-se ao estudo das consequências do contacto dos seres humanos com os fragmentos de UE e não tem dúvidas. «Os resultados dos meus estudos (realizados no Iraque) revelam semelhanças com os quadros clínicos recentemente descritos pela designação “síndroma da Guerra do Golfo” em soldados americanos e britânicos, e nos seus filhos. As malformações congénitas provocadas por defeitos genéticos em crianças americanas e iraquianas são idênticas» (pp. 167-168).
Ashraf El-Bayoumi, chefe da Unidade de Observação do Programa Alimentar Mundial da ONU, entre Março de 1997 e Maio de 1998, também aponta a relação entre as doenças e o UE. «Os resultados duma pormenorizada investigação epidemológica e clínica efectuada por Al-Ani da Escola Médica de Bagdad, relativa a pessoal militar (todos homens) expostos ao UE mostra claramente os efeitos tóxicos radiológicos e químicos do urânio.» E prossegue: «Os resultados evidenciaram claramente uma alteração dos padrões de diferentes tipos de cancro, bem como um aumento geral de cancros, em particular leucemias, cancros nos pulmões, ossos, cérebros, gástrico-intestinais e do fígado.» Para El-Bayoumi, uma das mais importantes revelações do estudo é a «diferença entre os padrões de doenças cancerosas entre aqueles que estiveram expostos a explosões de UE e aqueles que não estiveram».
A utilização destas armas afigura-se, assim, como um crime contra a Humanidade. Com um tempo médio de 4,5 milhões de anos, o UE (que contamina já águas e solos do Iraque, Bósnia, Sérvia e Afeganistão) continuará a matar muito para além do fim das guerras. O imperialismo será derrotado, mais tarde ou mais cedo. Mas deixa a sua assinatura mortífera muito para lá desse dia.

Silêncios assassinos

Apesar das evidências, nunca as autoridades dos países agressores reconheceram a relação existente entre a utilização do urânio empobrecido e as doenças e as mortes ocorridas (em militares e, sobretudo, entre as populações civis das regiões atacadas). Nem as dos países produtores e utilizadores (os Estados Unidos e o Reino Unido) nem as dos seus lacaios menores, como, nestes casos, Portugal e Itália.
No caso dos 19 carabinnieri de Itália, a informação do seu internamento foi avançada por um oficial de alta patente desta força, mas logo negada pelo subsecretário da Defesa daquele país, Salvatore Cicu.
Por cá, segundo o Correio da Manhã, que divulgou a situação do ex-militar, o Ministério da Defesa afirma estar a «acompanhar a situação» de Pedro Almeida, nada dizendo, porém, sobre a sua relação com a utilização do armamento com urânio empobrecido. Aquando da morte de Hugo Paulino, as autoridades portuguesas também nunca reconheceram esta ligação, mas – talvez para calar a corajosa e insistente contestação movida por seu pai, Luís Paulino – acabaram por indemnizar a família, admitindo que o falecimento do jovem cabo «resultou de uma doença adquirida em serviço». E nem mais uma palavra.
Esta atitude das autoridades não surpreende. Silenciamento é a menos grave das acusações que se lhes pode fazer em todo este processo. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, vários dos militares que adoeceram após o regresso das suas missões foram dispensados do exército e abandonados à sua sorte, já que as autoridades não reconheciam qualquer ligação entre as suas doenças e as campanhas militares. E a real dimensão do drama, nomeadamente para as populações do Iraque, da ex-Jugoslávia e do Afeganistão, está ainda por apurar.

Esconder a todo o custo

A perseguição aos cientistas que rompessem o silêncio sobre este tema foi outra das formas de acção das autoridades norte-americanas. Em 2001, o jornal italiano Liberazione publicava uma entrevista com Asaf Durakovic, cientista norte-americano que trabalhara para o Pentágono. O cientista conta que em 1995 foi despedido do Pentágono por ter defendido que o urânio empobrecido provoca cancros. Tendo analisado vários casos de militares doentes, Durakovic emitiu o seu parecer: todos os que tinham cancro apresentavam níveis significativos de urânio empobrecido. Mas a verdade não interessava ao Pentágono e ao complexo militar-industrial. O cientista foi despedido, as amostras «desapareceram» e o caso foi encerrado. E este é apenas um de muitos casos.

Terror convencional

Na melhor tradição dos criminosos bombardeamentos nucleares de Hiroshima e Nagasaki, o imperialismo norte-americano continua a desenvolver armamento cada vez mais sofisticado, e mortífero. E manda às urtigas quaisquer separações que subsistissem entre o armamento dito convencional e não convencional.
Entre as armas utilizadas pelo exército norte-americano, só as ditas «convencionais», contam-se algumas particularmente assassinas. Todas elas foram utilizadas nas últimas agressões militares imperialistas.
  • Bombas de fragmentação – destinadas a matar e não a destruir. Cada bomba lançada contém no seu interior dezenas de bombas incendiárias, granadas e minas, que se espalham para explodir mais tarde, durante os períodos de acalmia, quando as populações voltam a sair à rua.

  • Bombas explosivas ar-fuel – desenvolvidas na década de 60, durante a Guerra do Vietname. Destinadas a destruir abrigos subterrâneos e a desflorestar o terreno. A deflagração desta bomba provoca uma enorme e fulgurante bola de fogo e uma intenssíssima onda de choque. Estruturas, árvores e pessoas são imediatamente reduzidas a cinzas. O seu raio de acção é elevado, podendo provocar queimaduras graves e intoxicações mesmo a grandes distâncias.

  • MOAB – a «mãe de todas as bombas», como «carinhosamente» foi baptizada, é uma super-bomba de alta potência (a maior arma convencional existente). Com 10 toneladas e comandada via satélite, a sua potente detonação origina a ascensão de uma coluna de gás e poeira semelhante a uma explosão nuclear.

  • «Bombas sujas» – são bombas com carga explosiva convencional cujo propósito é a dispersão de substâncias radioactivas. O seu efeito sente-se no imediato e a prazo mais ou menos longo, devido à acumulação no organismo humano de substâncias tóxicas e radioactivas. Os projecteis de urânio empobrecido, apesar de conterem carga convencional, são, de facto, deste tipo.