Reflexões pós Euro 2004
Agora que o efeito de satisfação e de auto-afirmação cá da gente – eu incluído –, amplamente manifestado pela festa «portuguesa» por ocasião do EURO 2004 – do futebol, claro –, se vai, com inexorabilidade, atenuando à medida que o tempo passa, valerá a pena voltar à sua temática em registo de sociedade da informação, etc.
Miguel de Sousa Tavares – estive a lê-lo mais ou menos, quanto consegui, entre levantar voo, comer, apertar e desapertar cintos, aqui no avião, onde, mesmo assim, ainda vou arranjando alguma mínima disponibilidade para os jornais1 –, MST diz não entender o «patriotismo moderno» avançado pelo Presidente Sampaio com referência aos protagonistas da equipa de futebol condecorados, ainda para mais tendo esta cometido, «com todas as vantagens do seu lado», a «proeza de ganhar três jogos à tangente, empatar um e perder dois»… É verdade, os factos desportivos ocorridos também podem ser vistos assim, mas cá a gente está farta de esperar por alegrias que nos possam religar uns aos outros e ajudar a não manter as cabeças sempre tão tristes, uns dias pelo menos… Porque o resto que se passa por aí é bem desanimador!
Pois é, eu até estava em Paris quando a equipa ganhou aos Países Baixos e se apurou para a final. Era só andar antes do jogo no Metro dos Campos Elíseos (os mesmos do Eça e do Ramalho, e de outros mais contemporâneos, pois claro...) e ver aquele mar de cachecóis e bandeiras portuguesas. Depois foi a festa de dezenas de milhar, por cima, na mesma avenida – a fazer de Avenida da Liberdade –, na rotunda do Arco do Triunfo – a fazer de Praça Marquês de Pombal –, as buzinas, as motos, o cantar com todos os efes e erres d’ A Portuguesa, o ribombar do fogo de artifício de todas as dimensões como nas romarias em Portugal, o rectângulo composto por não sei quantos à moda do Vira. Um oceano. E do futebol nem tanto assim ouvi falar, era antes o «meio a ser a mensagem» dos que se afirmavam como comunidade. Pois é, MST, por estranho que possa parecer, «até» eu me deixei, por uns momentos, contagiar e emocionar pela «onda de histeria patriótica».
E quanto ao valor desportivo da «proeza» vou deixá-la para análise posterior, para um trabalho com algum fundo. Porque também hão de ser comparadas as performances do futebol e dos futebolistas cá do burgo com os resultados obtidos noutros desportos, e em particular – mas não apenas – com os do Atletismo, através do qual, e apenas este ano, entre outras coisas, já ganhámos um prestigiado lugar de Campeã do Mundo para o «nosso» papo, na pessoa da campeã nacional Naide Gomes e dos seu fabulosos pentatlos em pista coberta.
A questão dos conteúdos
Mas o que não pode deixar de ser assinalado é o papel do «futebol» enquanto conteúdo considerado como muito importante em sede de Sociedade da Informação por muitos dos que mais elevados poderes económicos e políticos detêm, em particular neste nosso continente europeu. E o que aqui faço é um retomar – agora com redobrada convicção da posição do futebol na agenda dos novos e dos «tradicionais» meios de comunicação – do que já há quatro anos, no rescaldo do EURO 2000 – tinha escrito acerca do rei conteúdo no texto com que iniciei esta série de escritos.
Assim, basta respigar da imprensa do «velho» continente o que logo depois de ter acabado o EURO 2004 foi reafirmado. Em resumo: (a) que a disponibilidade de conteúdos para os novos meios de comunicação é uma questão de enorme importância; (b) que o conteúdo é o futebol, e - vai sendo concedido - outros desportos mais os filmes e a música; (c) que a questão dos direitos de transmissão do futebol é prioritária. Com efeito, os operadores de meios de comunicação que não as redes de difusão - os canais de televisão -, isto é, os operadores de serviços móveis, em particular da terceira geração que aí agora chegou, e os fornecedores de acesso Internet de banda larga, reclamam a disponibilização dos conteúdos do futebol, os quais, de momento, são exclusivo dos meios de comunicação «tradicionais». Ouve-se mesmo não ser aceitável ter de esperar ainda mais de meia de dúzia de anos antes de ser possível, por exemplo, retransmitir através do telemóvel os pormenores de um golo ou de um falhanço de marcação de uma grande penalidade num momento decisivo.
E não estou a referir-me ao caso deste ou daquele país europeu ou não, mas a focar um pouco mais, em geral, o panorama europeu – enfim, o que pretendo é destacar uma assumida acuidade do conteúdo futebol no âmbito da construção da sociedade europeia da informação.
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«E Portugal segue dentro de momentos», in Público, 16 de Julho de 2004.
Miguel de Sousa Tavares – estive a lê-lo mais ou menos, quanto consegui, entre levantar voo, comer, apertar e desapertar cintos, aqui no avião, onde, mesmo assim, ainda vou arranjando alguma mínima disponibilidade para os jornais1 –, MST diz não entender o «patriotismo moderno» avançado pelo Presidente Sampaio com referência aos protagonistas da equipa de futebol condecorados, ainda para mais tendo esta cometido, «com todas as vantagens do seu lado», a «proeza de ganhar três jogos à tangente, empatar um e perder dois»… É verdade, os factos desportivos ocorridos também podem ser vistos assim, mas cá a gente está farta de esperar por alegrias que nos possam religar uns aos outros e ajudar a não manter as cabeças sempre tão tristes, uns dias pelo menos… Porque o resto que se passa por aí é bem desanimador!
Pois é, eu até estava em Paris quando a equipa ganhou aos Países Baixos e se apurou para a final. Era só andar antes do jogo no Metro dos Campos Elíseos (os mesmos do Eça e do Ramalho, e de outros mais contemporâneos, pois claro...) e ver aquele mar de cachecóis e bandeiras portuguesas. Depois foi a festa de dezenas de milhar, por cima, na mesma avenida – a fazer de Avenida da Liberdade –, na rotunda do Arco do Triunfo – a fazer de Praça Marquês de Pombal –, as buzinas, as motos, o cantar com todos os efes e erres d’ A Portuguesa, o ribombar do fogo de artifício de todas as dimensões como nas romarias em Portugal, o rectângulo composto por não sei quantos à moda do Vira. Um oceano. E do futebol nem tanto assim ouvi falar, era antes o «meio a ser a mensagem» dos que se afirmavam como comunidade. Pois é, MST, por estranho que possa parecer, «até» eu me deixei, por uns momentos, contagiar e emocionar pela «onda de histeria patriótica».
E quanto ao valor desportivo da «proeza» vou deixá-la para análise posterior, para um trabalho com algum fundo. Porque também hão de ser comparadas as performances do futebol e dos futebolistas cá do burgo com os resultados obtidos noutros desportos, e em particular – mas não apenas – com os do Atletismo, através do qual, e apenas este ano, entre outras coisas, já ganhámos um prestigiado lugar de Campeã do Mundo para o «nosso» papo, na pessoa da campeã nacional Naide Gomes e dos seu fabulosos pentatlos em pista coberta.
A questão dos conteúdos
Mas o que não pode deixar de ser assinalado é o papel do «futebol» enquanto conteúdo considerado como muito importante em sede de Sociedade da Informação por muitos dos que mais elevados poderes económicos e políticos detêm, em particular neste nosso continente europeu. E o que aqui faço é um retomar – agora com redobrada convicção da posição do futebol na agenda dos novos e dos «tradicionais» meios de comunicação – do que já há quatro anos, no rescaldo do EURO 2000 – tinha escrito acerca do rei conteúdo no texto com que iniciei esta série de escritos.
Assim, basta respigar da imprensa do «velho» continente o que logo depois de ter acabado o EURO 2004 foi reafirmado. Em resumo: (a) que a disponibilidade de conteúdos para os novos meios de comunicação é uma questão de enorme importância; (b) que o conteúdo é o futebol, e - vai sendo concedido - outros desportos mais os filmes e a música; (c) que a questão dos direitos de transmissão do futebol é prioritária. Com efeito, os operadores de meios de comunicação que não as redes de difusão - os canais de televisão -, isto é, os operadores de serviços móveis, em particular da terceira geração que aí agora chegou, e os fornecedores de acesso Internet de banda larga, reclamam a disponibilização dos conteúdos do futebol, os quais, de momento, são exclusivo dos meios de comunicação «tradicionais». Ouve-se mesmo não ser aceitável ter de esperar ainda mais de meia de dúzia de anos antes de ser possível, por exemplo, retransmitir através do telemóvel os pormenores de um golo ou de um falhanço de marcação de uma grande penalidade num momento decisivo.
E não estou a referir-me ao caso deste ou daquele país europeu ou não, mas a focar um pouco mais, em geral, o panorama europeu – enfim, o que pretendo é destacar uma assumida acuidade do conteúdo futebol no âmbito da construção da sociedade europeia da informação.
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«E Portugal segue dentro de momentos», in Público, 16 de Julho de 2004.