A aldeia impossível na tundra árctica
Navegando na Internet soube há dias que na Iakutia descobriram uma nova mina de ouro.
Passei uns dez dias naquela república autónoma siberiana há vinte anos. A Iakutia (3 100 000 km2) é entre as terras povoadas a mais fria do planeta. Metade da população (apenas um milhão de habitantes) é de origem europeia e a outra metade, a autóctone, descende de tribos turcas que ali se fixaram há mais de um milénio.
Nas noites árcticas, quando o termómetro marcava na planura branca 50 graus negativos, mantinha longas conversas com exploradores russos que percorriam a tundra do Lena, um dos rios gigantes da Sibéria, numa expedição científica. Deles escutei estórias em que o fantástico imprimia ao real o encanto das coisas mágicas naquela terra onde o solo está congelado até 1500 metros abaixo da superfície. Aqui recordo a mais bela.
Um avião russo do serviço meteorológico, ao sobrevoar um território desabitado do Grande Norte, desviou-se da rota. Foi no Verão de 1950. O piloto, cruzando um céu sem nuvens, identificou sinais de fumo vindos de um vale do Alto Kolima. Ficou perturbado porque a região figurava nos mapas como «zona desconhecida».
De Iakutsk, a capital da República, foi enviada por terra uma expedição para o remoto vale. O que ali encontrou surpreendeu o mundo científico. Na margem do Beriozovka, um afluente do Kolima, existia uma aldeia, implantada num oásis verde que ali rompia a monotonia nevada da tundra. Um micro clima permitira a fixação de uma comunidade de evenos, a principal minoria étnica do Nordeste yakuto. Quando? Os moradores haviam perdido a memória das origens. Ali vivia há séculos uma tribo de caçadores que ignorava a existência do mundo exterior. Somente o chefe tinha conhecimento de que outros seres humanos povoavam a tundra. O seu símbolo de poder era uma espingarda velhíssima.
Uma vez por ano, no início da boa estação, partia rumo ao desconhecido. Dizia ir ao encontro dos deuses para além da cortina de montanhas que fechava o horizonte. Levava o trenó carregado de peles. Quando regressava, transcorridos meses, a carga era outra: trazia objectos úteis que aos caçadores evenos apareciam como coisa de magia, gerada por poderes sobrenaturais.
Eu quis saber como fora possível manter o segredo.
O chefe, nas aldeias que visitava, não revelava a localização da sua. Entre os chukotas, próximo do estreito de Behring, informava vir da Iakutia; entre iakutos dizia viajar da Chucotia.
Quando sentia chegar a velhice designava um sucessor que passava a acompanhá-lo na sua viagem anual. Assim aconteceu durante muitas gerações.
O poder soviético foi ali instalado em 1954, 37 anos após a Revolução de Outubro. A comunidade de Beriozovka tinha 186 habitantes ao ser «descoberta»; crescera e quando visitei a Iakutia, eram já 230. Residiam então em casas de madeira bem aquecidas. Ao longo de muitas gerações tinham sobrevivido numa luta permanente contra o frio, a fome e o medo. De repente, atravessaram a ponte que separa o neolítico da aventura espacial. Agora, sob tempestades de neve, podiam ver, nas noites polares, a televisão a cores.
Passei uns dez dias naquela república autónoma siberiana há vinte anos. A Iakutia (3 100 000 km2) é entre as terras povoadas a mais fria do planeta. Metade da população (apenas um milhão de habitantes) é de origem europeia e a outra metade, a autóctone, descende de tribos turcas que ali se fixaram há mais de um milénio.
Nas noites árcticas, quando o termómetro marcava na planura branca 50 graus negativos, mantinha longas conversas com exploradores russos que percorriam a tundra do Lena, um dos rios gigantes da Sibéria, numa expedição científica. Deles escutei estórias em que o fantástico imprimia ao real o encanto das coisas mágicas naquela terra onde o solo está congelado até 1500 metros abaixo da superfície. Aqui recordo a mais bela.
Um avião russo do serviço meteorológico, ao sobrevoar um território desabitado do Grande Norte, desviou-se da rota. Foi no Verão de 1950. O piloto, cruzando um céu sem nuvens, identificou sinais de fumo vindos de um vale do Alto Kolima. Ficou perturbado porque a região figurava nos mapas como «zona desconhecida».
De Iakutsk, a capital da República, foi enviada por terra uma expedição para o remoto vale. O que ali encontrou surpreendeu o mundo científico. Na margem do Beriozovka, um afluente do Kolima, existia uma aldeia, implantada num oásis verde que ali rompia a monotonia nevada da tundra. Um micro clima permitira a fixação de uma comunidade de evenos, a principal minoria étnica do Nordeste yakuto. Quando? Os moradores haviam perdido a memória das origens. Ali vivia há séculos uma tribo de caçadores que ignorava a existência do mundo exterior. Somente o chefe tinha conhecimento de que outros seres humanos povoavam a tundra. O seu símbolo de poder era uma espingarda velhíssima.
Uma vez por ano, no início da boa estação, partia rumo ao desconhecido. Dizia ir ao encontro dos deuses para além da cortina de montanhas que fechava o horizonte. Levava o trenó carregado de peles. Quando regressava, transcorridos meses, a carga era outra: trazia objectos úteis que aos caçadores evenos apareciam como coisa de magia, gerada por poderes sobrenaturais.
Eu quis saber como fora possível manter o segredo.
O chefe, nas aldeias que visitava, não revelava a localização da sua. Entre os chukotas, próximo do estreito de Behring, informava vir da Iakutia; entre iakutos dizia viajar da Chucotia.
Quando sentia chegar a velhice designava um sucessor que passava a acompanhá-lo na sua viagem anual. Assim aconteceu durante muitas gerações.
O poder soviético foi ali instalado em 1954, 37 anos após a Revolução de Outubro. A comunidade de Beriozovka tinha 186 habitantes ao ser «descoberta»; crescera e quando visitei a Iakutia, eram já 230. Residiam então em casas de madeira bem aquecidas. Ao longo de muitas gerações tinham sobrevivido numa luta permanente contra o frio, a fome e o medo. De repente, atravessaram a ponte que separa o neolítico da aventura espacial. Agora, sob tempestades de neve, podiam ver, nas noites polares, a televisão a cores.