No cruzamento do território com a comunicação

Francisco Silva
A relação entre a organização dos espaços que habitamos – a estruturação dos territórios – e o modo como a comunicação é efectuada pela sociedade que neles existe – modo que depende em muito dos meios de comunicação disponíveis – é uma matéria cuja importância não deve ser subestimada. Mas também, em sentido oposto, sem mais, não deve a influência das formas assumidas pela comunicação na sociedade ser tida como o factor decisivo para a satisfação das necessidades das pessoas, ou para a sua felicidade e prosperidade, quanto mais para a estruturação dos territórios que ocupam.
Dito isto, coloca-se-nos desde logo a seguinte questão: será uma boa estratégia, uma estratégia com um mínimo de eficácia, ir por aí? Ou seja, iniciar a consideração de um assunto numa posição defensiva, tanto (i) afirmando para o lado dos que acreditam na importância da comunicação para o ordenamento do território que a temos em boa conta, como (ii), para o outro lado, o dos seus suspeitantes, dizendo estarmos cientes de ser desmedida a importância que lhe é conferida - e, no extremo, como dirão os suspeitantes, que esta enorme importância configura mesmo uma falácia -, que resulta, sobretudo, de uma gigantesca campanha de manipulação por parte de quem dispõe da necessária influência comunicacional. Isto é, que a estrutura fundiária, a urbanização, os recursos hídricos, a rede viária, estes sim são fundamentos, determinam a organização dos espaços. E não a comunicação, que é algo de virtual. Ou seja, empregando a metáfora de Negroponte: e não os bits em vez dos átomos!1
Bom, ao fazer-se uma prevenção inicial sobre a questão da «importância» do impacto da comunicação na estruturação dos territórios, estar-se-á de facto à defesa, a pedir desculpa, por termos tido a veleidade de abordar este assunto, ou está-se, antes, a empregar um método contraditório necessário ao próprio desenvolvimento da sua apresentação? É que – e é a nossa convicção –, aderindo a este método, que procura adoptar uma posição crítica ora segundo a perspectiva de uma das faces ora segundo a sua oposta, potenciamos uma maximização da descoberta das questões mais relevantes sobre o tema em análise.
De qualquer forma, é a primeira vez na história que esta questão se coloca assim. Até ao presente, por muito que os fumos e os sons dos tãtãs fossem importantes, por muito que os correios constituíssem uma ferramenta de comunicação indispensável, ou ainda, por algo que, em relação aos meios de comunicação da galáxia eléctrico / electrónica – telegrafia, o telefone, a rádios e mesmo a televisão –, ou galáxia de Marconi, assim designada por McLuhan2, se tivesse tocado a trombeta do seu impacto sobre as sociedades, ao seu curto circuitar dos espaços e dos tempos – afirmações alinhadas com a Relatividade e os seus caminhos do espaço-tempo –, o certo é, até há pouco, não ter ganho um terreno apreciável a ideia da importância da comunicação na estruturação dos territórios.
Com efeito, foi já bem dentro da segunda metade do século XX que as duas questões que nos ocupam neste texto – a comunicação e a organização espacial dos nossos habitats – começaram a ser relacionadas. Isto, desde o famoso spot publicitário televisivo «Não vá, telefone», continuando, a propósito do surgimento da videoconferência, pelos debates e os estudos – e a propaganda – apontando para a possibilidade de substituição das viagens por comunicações – estas mais económicas e não poluentes, ao contrário daquelas –, até à actual fase da sociedade da informação.
Com o conceito da sociedade da informação, já não são apenas referidos os efeitos de presença dos correspondentes, ou devidos à sua voz vinda através do telefone, ou mesmo através da sua presença audiovisual proporcionada pela videoconferência. O que não é pouco. Com a sociedade da informação é mais. É dos efeitos do conjunto dos meios de (tele-) comunicação que se trata. McLuhan cunhou o termo territorial «aldeia global» a propósito do efeito da televisão nas nossas vivências. Al Gore, na peugada da Internet, então ainda muito centrada nos EUA, e em sectores como a Ciência & Tecnologia e os académicos, lançou a palavra de ordem das auto-estradas da informação. O ciberespaço foi outra das expressões que passou a fazer parte de um léxico quase corrente.
Mas que real importância atribuir ao impacto da situação comunicacional na estruturação do nosso habitat? Como medi-lo, imersos que estamos nas suas vagas de hype?


1)Negroponte, N (199) – Ser digital. Lisboa: Editorial Caminho.
2)McLuhan, M. (196), Understanding Media. Toronto:


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