As curvas da luz

Francisco Silva
As curvas da luz que iluminam este texto não são, claro, as da Estrada da Luz em Lisboa, ali para os lados do Estádio do mesmo nome e do Colégio Militar, o colégio dos «Meninos da Luz». Para os efeitos deste texto, as curvas em que estamos a pensar são antes as que a sua gravitação obriga a luz a descrever na «proximidade» dos corpos - e, em particular, na proximidade dos corpos celestes como os buracos negros.
Pois é. Para o ano que vem - 2005 - faz um século que Einstein publicou o seu primeiro artigo sobre a teoria da relatividade - o artigo fundador da relatividade restrita -, e, como acontece nestas situações aniversariantes, torna-se de certo modo irresistível, por esta ou por aquela razão, um movimento de interesse pelas matérias respectivas. E eu também, pelos vistos deste texto, já estou a ser um dos apanhados pelo centenário da relatividade que aí vem!
Então. Com a teoria da relatividade restrita foi desde logo a inclusão nas equações da cinemática - isto é, da ciência das relações entre o espaço e o decorrer do tempo -, de uma velocidade limite para tudo o que se move e propaga no Universo. Velocidade limite que, sabe-se, corresponde à velocidade da luz - luz que é o agente portador da informação, através da nossa vista, etc. Em consequência, viu-se que o espaço e o tempo afinal não eram entidades absolutas e foi introduzida a noção de «tempo próprio» [das «partículas» que se movem]. Espaço a contrair-se; tempo a dilatar-se. Os conceitos de energia e massa relacionados.
O passo seguinte viria Einstein a dá-lo, após um arrasante período de trabalho de cerca de uma década, com a publicação dos resultados respectivos sob o nome de relatividade generalizada, a nova teoria da gravitação relativista, ou seja, após quase dois séculos de soberania absoluta da teoria da gravitação de Newton. Com efeito, a relatividade restrita estava incompleta, não considerava a sempre presente e inevitável questão da gravitação a que tudo e todos estamos submetidos. E, inclusive, o está a luz!
Encurtando razões, talvez com leveza em demasia, a relatividade generalizada considera - e é um assunto complicado e subtis são os raciocínios nela envolvidos -, que as massas existentes no universo (as estrelas, o sol, a terra, nós próprios, sei lá!), e a sua distribuição, estão na origem de um «espaço-tempo curvo». E em contrapartida, pelo seu lado, as mesmas massas deslocam-se através das geodésicas do espaço-tempo. Estas são coisas não imagináveis - visualizáveis - do modo usual para que estamos preparados. Está-se no espaço-tempo. Mas, o resultado é os próprios trajectos espaciais - e estes podem mesmo ser observados - resultarem encurvados. Então, previa ainda a teoria que os raios de luz deveriam, em consequência, sofrer desvios, prevendo a sua amplitude. Os desvios seriam tanto mais acentuados quanto mais próximos passassem dos corpos e ainda quanto maior fosse a sua massa. Assim, os trajectos da luz eram os menos afectados pela gravitação e constituíam por isso, de certo modo, trajectórias-limites (relembre-se: os fotões são as mais rápidas de todas as partículas que por aí andam!).
E a teoria, que também deu conta da «aberração» na orbita do planeta Mercúrio e alterações de frequências de espectros atómicos, também foi comprovada pelos desvios dos raios luminosos medidos com base nas observações astronómicas de 1919, aproveitando o eclipse do Sol ocorrido em 29 de Maio desse ano. Observações da posição no céu de estrelas visíveis na proximidade do Sol. A teoria de gravitação de Newton também dá conta de desvios, mas estes, segundo a relatividade generalizada, montam para o dobro, o que foi verificado pelas referidas observações.
O caminho visível do eclipse do Sol de 1919 atravessou a África, o Oceano Atlântico e a América do Sul, algures no hemisfério sul, mas próximo do Equador, tendo os astrónomos britânicos que se propuseram verificar e medir o desvio de raios luminosos provindos de estrelas, e montaram e executaram a correspondente expedição, escolhido, do lado de África, a Ilha do Príncipe (em São Tomé e Príncipe, então colónia dos «aliados») e, do outro lado do Atlântico, no Brasil, Sobral, próximo de Fortaleza. Sempre a língua portuguesa! Terão os nossos media referido na altura - não pude investigar ainda o facto! - que as expedições britânicas, afinal, tinham muito a ver connosco? Também temos o Real de Madrid de Luís Figo, o Milan de Rui Costa, etc, não é verdade?
Assim é. Os raios de luz, que são a base do conceito de recta, afinal são curvos…


Mais artigos de: Argumentos

«Deixem-nos saber!»

As crianças como vítimas das guerras, e vítimas por mais de um modo (incluindo a sua participação como soldados) foi o tema do espectáculo que preencheu a mais substancial parte do serão de sábado passado. O espectáculo era uma iniciativa da Cruz Vermelha e tinha um título, «Deixem-nos brincar». Não direi que o título...