Obsolescência?
Costuma dizer-se serem os tempos que correm os tempos de uma permanente e imparável inovação tecnológica, e, claro, de um permanente e também imparável progredir do conhecimento científico. Diz-se mesmo que agora (e agora é sempre o presente relativo a esta altura em que estamos a escrever, nestes nossos dias «super-modernos») é o tempo da velocidade (e velocidade a fazer-nos lembrar ainda os progressos da velocidade no transporte dos corpos e dos objectos), isso, de uma velocidade nunca vista nos ritmos de mudança do conhecimento científico e dos meios tecnológicos.
E foi mesmo uma percepção destas que tive outra vez. Agora, ao ler um texto incluído numa colectânea publicada há quase uma década na sua versão portuguesa, em 19951, isto é, mais ou menos quando o telemóvel já começava a ir por aí na nossa sociedade – mas tanto quanto me lembro mal teria deixado a sua versão automóvel, aliás dedicada a um conjunto limitado de utentes – e, também, quando a Internet e o email apenas começavam a ultrapassar restritos círculos académicos e profissionais.
Uma colectânea de textos que teve origem numa série de conferências dedicadas ao tema «Formas de comunicação», organizada pela Universidade de Cambridge nos finais da década de 80, publicada em 1990 sob os auspícios da editora daquela Universidade. A generalidade dos textos incluídos neste livro enquadra-se nas áreas humanas e sociais e das artes e têm autores tão prestigiosos como o linguista Noam Chomsky. O texto a que me referi acima – o último da colectânea – tem a ver com a tecnologia, mais concretamente com as telecomunicações. Filho único, para compor o ramalhete?
Já nem me lembro quando comprei o livro. Antes de 1995 não terá sido, porque a edição portuguesa é dessa altura. Nem porque o terei adquirido. Por causa da atracção que é Chomsky ou, como o (um?) meu ofício é as telecomunicações, por causa do artigo de um já na altura ex-engenheiro chefe da BT («equivalente» no Reino Unido da PT em Portugal)? Ou pelas duas razões, ou por estas e algumas mais?
O certo é o discurso de John Alvey, o autor de um texto reflectindo o pensar de um grupo profissional a que pertenço há décadas, na altura já reformado havia uns três anos, me ter impressionado bastante – quase me pareceu, à primeira vista (ou leitura), um testemunho dos idos da Idade Média, ou mesmo do tempo dos dinossauros. Mas qual a razão, quando eu, afinal de contas, se o tivesse escrito nessa altura, teria elaborado alguma coisa de semelhante? Afinal, Alvey representava o que de mais «avançado» haveria na época. E hoje, eu, também já não serei só um outro? Ou serei um espécime dinossáurico a fingir que sou destes tempos?
Os autores das outras áreas, das áreas mal ditas «moles», conseguem escapar-se melhor a estas erosões. E terá sido por ter essa consciência que Alvey, logo de início, procurou prevenir-se contra estes perigos ao dizer que os factos por ele apresentados seriam com rapidez ultrapassados pela evolução tecnológica, mas que os princípios referidos, esses, seriam perenes.
Perenes? Nem tanto, digo eu hoje, Com efeito, Alvey nem sequer refere a Internet, que já andava por aí quando proferiu a sua conferência (para não falar da notoriedade pública que a Internet já alcançara em 1995, quando o livro foi publicado no nosso país, mas isso são outros contos). E nem pôde imaginar o que viria a acontecer com as telecomunicações móveis – fala delas sim, refere mesmo o modo celular do princípio tecnológico das «suas» radiocomunicações, mas parece esquecer-se da tecnologia GSM – utilizada hoje por quase todos nós – que já estava, na altura, em fase algo adiantada de desenvolvimento e normalização!
Para sermos justos, diga-se que Alvey acaba, sim, a sua prelecção citando duas visões – e quando um profissional desta área fala, ou falava, em visões era porque ia arriscar, mais ou menos como aconteceria caso se tratasse de profecias. Refere-se, por um lado, a um cenário de mobilidade para cada um – e como se tornou tão vulgar já quase nem o lembramos (com o nosso número «pessoal» podemos estar em contacto em qualquer lugar e em qualquer altura) – e, por outro lado, à televisão de alta definição, essa não estando ainda por aí. O que tem estado por aí é – e isso nem sequer o aflora – não tanto o foco em vídeo de cada vez melhor qualidade por todo o lado, mas sim uma imensa troca, quase conversacional, de mensagens escritas. Um modo quase omnipresente! Mas quem poderia dizê-lo naquela nem tão assim recuada altura?
1)«Formas de comunicação», organizado por D.H. Mellor (1995). Lisboa: Editorial Teorema.
E foi mesmo uma percepção destas que tive outra vez. Agora, ao ler um texto incluído numa colectânea publicada há quase uma década na sua versão portuguesa, em 19951, isto é, mais ou menos quando o telemóvel já começava a ir por aí na nossa sociedade – mas tanto quanto me lembro mal teria deixado a sua versão automóvel, aliás dedicada a um conjunto limitado de utentes – e, também, quando a Internet e o email apenas começavam a ultrapassar restritos círculos académicos e profissionais.
Uma colectânea de textos que teve origem numa série de conferências dedicadas ao tema «Formas de comunicação», organizada pela Universidade de Cambridge nos finais da década de 80, publicada em 1990 sob os auspícios da editora daquela Universidade. A generalidade dos textos incluídos neste livro enquadra-se nas áreas humanas e sociais e das artes e têm autores tão prestigiosos como o linguista Noam Chomsky. O texto a que me referi acima – o último da colectânea – tem a ver com a tecnologia, mais concretamente com as telecomunicações. Filho único, para compor o ramalhete?
Já nem me lembro quando comprei o livro. Antes de 1995 não terá sido, porque a edição portuguesa é dessa altura. Nem porque o terei adquirido. Por causa da atracção que é Chomsky ou, como o (um?) meu ofício é as telecomunicações, por causa do artigo de um já na altura ex-engenheiro chefe da BT («equivalente» no Reino Unido da PT em Portugal)? Ou pelas duas razões, ou por estas e algumas mais?
O certo é o discurso de John Alvey, o autor de um texto reflectindo o pensar de um grupo profissional a que pertenço há décadas, na altura já reformado havia uns três anos, me ter impressionado bastante – quase me pareceu, à primeira vista (ou leitura), um testemunho dos idos da Idade Média, ou mesmo do tempo dos dinossauros. Mas qual a razão, quando eu, afinal de contas, se o tivesse escrito nessa altura, teria elaborado alguma coisa de semelhante? Afinal, Alvey representava o que de mais «avançado» haveria na época. E hoje, eu, também já não serei só um outro? Ou serei um espécime dinossáurico a fingir que sou destes tempos?
Os autores das outras áreas, das áreas mal ditas «moles», conseguem escapar-se melhor a estas erosões. E terá sido por ter essa consciência que Alvey, logo de início, procurou prevenir-se contra estes perigos ao dizer que os factos por ele apresentados seriam com rapidez ultrapassados pela evolução tecnológica, mas que os princípios referidos, esses, seriam perenes.
Perenes? Nem tanto, digo eu hoje, Com efeito, Alvey nem sequer refere a Internet, que já andava por aí quando proferiu a sua conferência (para não falar da notoriedade pública que a Internet já alcançara em 1995, quando o livro foi publicado no nosso país, mas isso são outros contos). E nem pôde imaginar o que viria a acontecer com as telecomunicações móveis – fala delas sim, refere mesmo o modo celular do princípio tecnológico das «suas» radiocomunicações, mas parece esquecer-se da tecnologia GSM – utilizada hoje por quase todos nós – que já estava, na altura, em fase algo adiantada de desenvolvimento e normalização!
Para sermos justos, diga-se que Alvey acaba, sim, a sua prelecção citando duas visões – e quando um profissional desta área fala, ou falava, em visões era porque ia arriscar, mais ou menos como aconteceria caso se tratasse de profecias. Refere-se, por um lado, a um cenário de mobilidade para cada um – e como se tornou tão vulgar já quase nem o lembramos (com o nosso número «pessoal» podemos estar em contacto em qualquer lugar e em qualquer altura) – e, por outro lado, à televisão de alta definição, essa não estando ainda por aí. O que tem estado por aí é – e isso nem sequer o aflora – não tanto o foco em vídeo de cada vez melhor qualidade por todo o lado, mas sim uma imensa troca, quase conversacional, de mensagens escritas. Um modo quase omnipresente! Mas quem poderia dizê-lo naquela nem tão assim recuada altura?
1)«Formas de comunicação», organizado por D.H. Mellor (1995). Lisboa: Editorial Teorema.