Contos semi-secretos
O edifício imperial do capitalismo assenta em três bases principais: o pilar político, o financeiro e o religioso. São estes três factores estruturais que procuram passar despercebidos sob a capa daquilo que capital e igreja descrevem como Sociedade Civil. Duas ou três linhas apenas para se dizer o que é minimamente necessário à compreensão desta séria ameaça.
O padre Achille Ratti (três vezes doutorado em Ciências Históricas) foi colocado em Varsóvia, aos 60 anos de idade, como Núncio Apostólico (1918).
O padre presenciou então as lutas que o povo polaco travava pela instalação, no seu próprio país, de um regime do tipo soviético. Três anos depois, em 1921, Ratti foi chamado a Roma e nomeado cardeal arcebispo de Milão. Menos de um ano mais tarde, Achille Ratti tornou-se papa e tomou o nome de Pio XI. O seu papado, ainda que breve (17 anos) marcou profundamente a história da igreja e da política europeia. Negociou e firmou com o Estado fascista o Tratado de Latrão. Em nome do catolicismo desferiu ataques ferozes ao socialismo (Encíclica Quadragesimo Anno). Apoiou incondicionalmente a restruturação empresarial dos grupos económicos ligados ao Vaticano. Aceitou receber do Estado, em plena expansão militarista, centenas de milhões de liras, pagas a título de indemnizações à Igreja. Numa outra linha estratégica, animou o desenvolvimento do movimento de leigos católicos (desde que subordinado à autoridade eclesiástica) e traçou os grandes eixos de uma futura Economia Social de Mercado com base num projecto de sociedade civil. Reformou as universidades católicas, ligando-as ao ensino da doutrina da igreja e ao estudo das técnicas do liberalismo económico. Deu corpo a um discurso doutrinal dirigido aos trabalhadores, centrado na recusa da luta de classes, no dogma da obediência à ordem estabelecida, na compaixão e na acção caritativa. É evidente que Pio XI conhecia bem o imperialismo capitalista. Numa das suas encíclicas (Non abbiamo bisogno) este papa deixou escrito o seguinte: «Imenso poder e despótico domínio económico estão concentrados nas mãos de uns poucos, os quais, na sua maior parte, não são possuidores mas apenas depositários e gerentes de fundos investidos que administram a seu bel-prazer. Tal domínio é mais poderosamente exercido por aqueles que, visto deterem e controlarem o dinheiro, governam igualmente o crédito e determinam a sua distribuição, dando por tal razão, se assim pode dizer-se, a seiva de vida a todo o organismo económico e fechando em suas mãos a própria alma da produção, com o resultado de ninguém se atrever a respirar contra a sua vontade. Esta acumulação de poder é característica da moderna ordem económica.» Dir-se-ia que esta constatação implicava, por razões de ordem ética, a condenação do sistema capitalista por parte do Vaticano. Porém, sucedeu justamente o inverso. Pio XI nomeou como seu homem de confiança, Bernardino Nogara, especialista em investimentos de capitais. Muito mais novo que o papa, Nogara depressa comprendeu que a maior valorização do dinheiro passava pela sua permanente movimentação acelerada. A este respeito diz Nino Lo Bello, no seu estudo O Empório do Vaticano: «Nogara pedia ao seu banco suíço que depositasse dinheiro do Vaticano em Nova Iorque, mas em nome do próprio banco. Seguidamente, providenciava no sentido de o banco suíço ordenar ao banco americano que emprestasse dólares a uma firma italiana (propriedade do Vaticano). Então, a firma italiana beneficiada pelo empréstimo debitava-se a si mesma, na conta suíça, pelo valor dos juros que pagava nos EUA. Deste modo, Nogara investia, em segurança e segredo, o dinheiro do Papa, ao abrigo de qualquer eventual interferência das autoridades italianas, durante os períodos de imposição de restrições cambiais por parte do Estado.»
Estes detalhes não pretendem sugerir o repisar da História. Mas é certo que o presente não se pode entender sem envolver o passado. Fragmentos soltos como lucro, operacionalidade, troca de interesses, compaixão, reconciliação de classes, formam sistema e constituem a chave que valida uma explicação global para os nossos dias. Como é o caso da Sociedade Civil ou do Compromisso Portugal que, passo a passo, nos querem impor.
O padre Achille Ratti (três vezes doutorado em Ciências Históricas) foi colocado em Varsóvia, aos 60 anos de idade, como Núncio Apostólico (1918).
O padre presenciou então as lutas que o povo polaco travava pela instalação, no seu próprio país, de um regime do tipo soviético. Três anos depois, em 1921, Ratti foi chamado a Roma e nomeado cardeal arcebispo de Milão. Menos de um ano mais tarde, Achille Ratti tornou-se papa e tomou o nome de Pio XI. O seu papado, ainda que breve (17 anos) marcou profundamente a história da igreja e da política europeia. Negociou e firmou com o Estado fascista o Tratado de Latrão. Em nome do catolicismo desferiu ataques ferozes ao socialismo (Encíclica Quadragesimo Anno). Apoiou incondicionalmente a restruturação empresarial dos grupos económicos ligados ao Vaticano. Aceitou receber do Estado, em plena expansão militarista, centenas de milhões de liras, pagas a título de indemnizações à Igreja. Numa outra linha estratégica, animou o desenvolvimento do movimento de leigos católicos (desde que subordinado à autoridade eclesiástica) e traçou os grandes eixos de uma futura Economia Social de Mercado com base num projecto de sociedade civil. Reformou as universidades católicas, ligando-as ao ensino da doutrina da igreja e ao estudo das técnicas do liberalismo económico. Deu corpo a um discurso doutrinal dirigido aos trabalhadores, centrado na recusa da luta de classes, no dogma da obediência à ordem estabelecida, na compaixão e na acção caritativa. É evidente que Pio XI conhecia bem o imperialismo capitalista. Numa das suas encíclicas (Non abbiamo bisogno) este papa deixou escrito o seguinte: «Imenso poder e despótico domínio económico estão concentrados nas mãos de uns poucos, os quais, na sua maior parte, não são possuidores mas apenas depositários e gerentes de fundos investidos que administram a seu bel-prazer. Tal domínio é mais poderosamente exercido por aqueles que, visto deterem e controlarem o dinheiro, governam igualmente o crédito e determinam a sua distribuição, dando por tal razão, se assim pode dizer-se, a seiva de vida a todo o organismo económico e fechando em suas mãos a própria alma da produção, com o resultado de ninguém se atrever a respirar contra a sua vontade. Esta acumulação de poder é característica da moderna ordem económica.» Dir-se-ia que esta constatação implicava, por razões de ordem ética, a condenação do sistema capitalista por parte do Vaticano. Porém, sucedeu justamente o inverso. Pio XI nomeou como seu homem de confiança, Bernardino Nogara, especialista em investimentos de capitais. Muito mais novo que o papa, Nogara depressa comprendeu que a maior valorização do dinheiro passava pela sua permanente movimentação acelerada. A este respeito diz Nino Lo Bello, no seu estudo O Empório do Vaticano: «Nogara pedia ao seu banco suíço que depositasse dinheiro do Vaticano em Nova Iorque, mas em nome do próprio banco. Seguidamente, providenciava no sentido de o banco suíço ordenar ao banco americano que emprestasse dólares a uma firma italiana (propriedade do Vaticano). Então, a firma italiana beneficiada pelo empréstimo debitava-se a si mesma, na conta suíça, pelo valor dos juros que pagava nos EUA. Deste modo, Nogara investia, em segurança e segredo, o dinheiro do Papa, ao abrigo de qualquer eventual interferência das autoridades italianas, durante os períodos de imposição de restrições cambiais por parte do Estado.»
Estes detalhes não pretendem sugerir o repisar da História. Mas é certo que o presente não se pode entender sem envolver o passado. Fragmentos soltos como lucro, operacionalidade, troca de interesses, compaixão, reconciliação de classes, formam sistema e constituem a chave que valida uma explicação global para os nossos dias. Como é o caso da Sociedade Civil ou do Compromisso Portugal que, passo a passo, nos querem impor.