Recursos…

Francisco Silva
Embarcar em certos modos de dizer, no emprego de certos termos, parece ser uma coisa inevitável se queremos participar do debate na sociedade, se pretendemos intervir no curso das coisas. São os termos que as pessoas conhecem, os termos que estão em uso corrente. Isto é o que acontece, em particular, quando «deixam» que te pronuncies nos media. E também quando intervéns nas conversas do dia a dia. Mesmo no círculo dos que comungam da tua visão do mundo, se fores um purista arriscas-te a não seres entendido ou então a não os ajudares a fazerem-se entender eles próprios nas conversas do seu dia a dia. Contudo, parece claro que tais «cedências» terão de ser sempre tão medidas quanto possível. E enquadradas em rigor. O que, em tais situações, se afigura com frequência uma tarefa quase impossível. Mas – parece-me – não se deve renunciar a tal trabalheira.
Exemplos de termos apresentando tais dificuldades semânticas são a famosa «sociedade da informação» e a não tão famosa – mais indicada para iniciados? - «sociedade do conhecimento». Agora, outro termo famoso, mas menos óbvio do ponto de vista do seu emprego pelos que comungam da tua visão mundo, é «recurso» ou «recursos». Deste ponto de vista, a Natureza é como um armazém de recursos disponíveis para as actividades de produção. Os próprios trabalhadores são encaixados na expressão «recursos humanos», o que me parece um absurdo originado na estreiteza de vistas dos mais vulgares de entre os «executivos» (tenho hesitado em colocar a questão nestes termos, mas… bom, está feito!).
Então os «recursos» estão aí para serem empregues na produção de bens e, também, na produção de serviços. «Recursos» que devem ser obtidos de forma tão barata quanto possível para permitir uma adequada margem de lucro. Mas, por outro lado, os «recursos» também são limitados – e ainda bem que existe uma cada vez uma maior aceitação para a problemática de que os recursos não são infinitos -, e, por isso, parece pelo menos ser necessário não gastá-los de forma tão pródiga. Bom, e na prática quem terá de contribuir para os poupar, para não os poder gastar? A maioria da população mundial, que ainda hoje não os gasta?
Mas, mesmo supondo que não existia este problema da desigualdade ricos / pobres no acesso aos produtos, a questão dos limites, se bem que talvez de outra forma, deveria continuar a colocar-se em relação aos gastos de «recursos enquanto tais». Porque – é justo argumentar – estes continuariam a ser gastos e a desaparecer. Um a um.
Contudo, pode colocar-se esta questão segundo uma outra perspectiva, como segue: - E se em vez de considerar o Mundo em que estamos como estando aparte de nós, como se tratando apenas de recursos para nós, a Humanidade se considerasse ela própria como integrando o Mundo em que vive? - E se, em vez de ser considerada como uma série discreta de recursos, a Terra fosse vista, para todos os efeitos, como um macro-organismo em que as diversas partes têm a ver umas com as outras, como já Engels referiu no texto fundador que é a sua «Dialéctica da Natureza»? - E se, em resultado dessa outra perspectiva, a Humanidade procurasse efectivamente os equilíbrios necessários à nossa sustentabilidade na Terra, um tema de que tanto se fala, em particular, claro, nos media? - E se fosse entendido ainda que, mais do que poder ser a Terra a vir a ficar insustentável para ela própria, devido aos danos que lhe produzamos, é a mesma Terra que se pode vir a transformar, de forma irreversível, num local inospitaleiro para nós, e isto, devido à nossa irreflectida actuação, em particular a própria da actual fase histórica de mercadorização?
Sim, Engels, o materialista dialéctico, precursor do mais inovador pensamento actual, «também» nas áreas da ecologia e do caos determinista. Engels que já no século XIX nos chamava ainda a atenção para o facto de o capitalismo e o seu mercado não permitirem a consideração das questões de longo prazo, estas antes a exigirem um intrínseco e dominante enfoque no curto prazo.
Antes de terminar: atenção, o estabelecimento de equilíbrios não deve ser tomado no sentido de conservação das coisas tal como estão (como muitos os imaginam e querem que assim seja!); deve antes consistir no estabelecimento de novos equilíbrios da «Natureza» em que participamos. Novos equilíbrios que respondam aos milenares anseios de igualdade de acesso à prosperidade e de emancipação para todos.
A semântica dos recursos humanos, essa, vai ficar para outra ocasião. Pode ser?


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