Comentário

O Fórum de Bombaim

Ilda Figueiredo
Pela primeira vez, o Fórum Social Mundial (FSM) decorreu fora do Brasil e da cidade de Porto Alegre, onde nasceu e cresceu nas suas três primeiras edições. Este ano, o quarto FSM foi em Bombaim, na Índia, e decorreu entre 16 e 21 de Janeiro.
Participar nestes FSM é sempre uma experiência inesquecível, seja pelo calor dos debates, seja pela diversidade de povos e de culturas ali representados, seja pelos inúmeros temas debatidos, seja pelo objectivo comum que une mais de cem mil pessoas na manifestação de encerramento, apostadas em lutar contra o neoliberalismo e a guerra, a exigir a paz e a justiça social, a defender um mundo melhor.
Mas, desta vez, no FSM havia o espantoso espectáculo colorido dos bonitos saris das mulheres indianas a contrastar com a pobreza mais extrema que nos rodeava. As desigualdades na grande Bombaim, com cerca de 15 milhões de habitantes, são profundamente chocantes para quem vai da Europa. Lado a lado, convivem os jardins tropicais, que rodeiam hotéis da mais elevada qualidade, com as habitações precárias de madeira e lata, que, por vezes, se prolongam pelas ruas, estradas e viadutos, onde sobrevivem famílias com as suas crianças, na mais extrema pobreza e total exclusão social. É preciso ter em conta a explosão da população indiana, a que acresce a fuga dos campos para a cidade à procura de uma vida melhor, que a exploração das multinacionais se encarrega de impedir, com a sua exploração desenfreada das riquezas naturais e da força de trabalho.
Ora, nos debates acalorados que se registaram em muitos painéis, com a natural grande expressão dos problemas regionais daquela zona da Ásia a assumir particular importância, vale a pena sublinhar quer os que envolveram a Organização Mundial de Comércio (OMC), pelas suas consequências nas condições de vida e de trabalho nos países em desenvolvimento, quer a luta contra a guerra e o imperialismo americano, afinal, dois lados diferentes do mesmo problema – os mecanismos da exploração capitalista. É certo que a União Europeia tem também grandes responsabilidades na situação de profundas desigualdades sociais e regionais, mas a participação reforçada da social-democracia europeia nesta quarta edição do FSM impediu, por exemplo, que no documento final da Fórum Parlamentar Mundial essa responsabilidade conjunta fosse devidamente explicitada.
No entanto, o documento final do Fórum Parlamentar Mundial, que funcionou paralelamente durante o FSM, é, mesmo assim, um importante compromisso de algumas centenas de deputados de mais de 25 países. Por exemplo, aí se saúdam as novas alianças dos países em desenvolvimento, tais como o G20 e o G90, na sua luta por um comércio equitativo e sustentável, e se desaprova o convite feito pela Suíça para ser anfitriã de uma mini-sessão ministerial da OMC, em Janeiro de 2005, a seguir ao encontro dos ricos, em Davos. Os deputados comprometeram-se a apoiar a luta dos povos por esse objectivo, designadamente defendendo que seja a ONU a fazer o controlo democrático das instituições económicas e financeiras multilaterais e exigindo a taxação das transacções financeiras, tipo taxa Tobin.
Igualmente ali se reconheceu o direito de cada país a defender o seu potencial económico e político, tendo os deputados presentes assumido o compromisso de tomarem iniciativas nos parlamentos nacionais visando a revisão dos mandatos no âmbito da OMC, designadamente na área dos serviços, para defender os serviços públicos, proteger o direito de acesso a toda a água, garantir a saúde como um direito fundamental, apoiar o cancelamento da dívida dos países em desenvolvimento.
Destaco do debate e das conclusões alguns dos aspectos mais significativos, tendo em conta que, quatro anos depois do fiasco de Seatle, a ausência de acordo na Cimeira ministerial da OMC, em Cancun, e, posteriormente, a 15 de Dezembro passado, em Genebra, veio reafirmar a necessidade de suspender e inverter as actuais políticas de liberalização do comércio, confirmando que o dogma da liberalização, que a Comissão utiliza como condição para o desenvolvimento, foi sempre instrumentalizado pelos países ricos, com as multinacionais a ganhar com isso, enquanto os trabalhadores perdem sempre, sejam dos países mais desenvolvidos, sejam dos pobres e em desenvolvimento. Daí a necessidade de aplicar políticas que promovam trocas justas e equitativas, orientadas para o desenvolvimento efectivo das potencialidades de cada país, de modo sustentado e para a melhoria urgente das condições de vida dos povos do mundo, o reforço dos seus direitos e conquistas sociais.
Como tive ocasião de afirmar no debate, as grandes mobilizações sociais, por todo o mundo, contra a OMC e as suas diferentes propostas, apesar de mostrarem claramente a necessidade de rever o actual mandato da Comissão Europeia, não encontram vontade política na União Europeia para o fazer. Não se pode aceitar que a União Europeia continue a alinhar-se com os EUA em domínios fundamentais das negociações, nomeadamente questões agrícolas, liberalização dos serviços e os denominados novos temas de Singapura (investimentos, concorrência, mercados públicos). É também preciso ter em conta áreas importantes para as indústrias da têxtil e vestuário, sobretudo dos países do sul da União Europeia, como Portugal, para salvaguardar o emprego e o desenvolvimento de vastas zonas onde estas indústrias são fundamentais e onde os problemas se agravam, com cada vez mais deslocalizações de multinacionais, de que Portugal é um triste exemplo.
Relativamente à guerra, apoiou-se a decisão de realizar no próximo dia 20 de Março manifestações no plano internacional contra a guerra e contra a doutrina de Bush, considerando esse dia uma especial oportunidade para a solidariedade com todos os povos das zonas em conflito.


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