Equador

Um 2004 quente?

Pedro Campos
A tomada de posse de Lúcio Gutiérrez, vista no contexto da nova correlação de forças que parece tomar corpo na América Latina, foi encarada por milhões de equatorianos como um sinal de esperança para a solução dos problemas milenários das massas populares. Não foi necessário muito tempo para que se visse a favor de quem ia governar. Gutiérrez, a partir de um discurso aparentemente progressista, enganou miseravelmente o povo equatoriano e quer continuar a fazê-lo mas sem que lhe atirem à cara a sua traição.
Humberto Cholango, presidente de Ecuarunari, foi detido porque o acusou de «mentiroso, incapaz e incoerente». Se esta medida se generalizar, vão faltar cárceres não só no Equador como em toda a América, de Norte a Sul, e até talvez noutras latitudes…
Mas a prisão de Cholango não é um facto isolado. Corre de ponta a ponta do país uma «lista de inimigos do governo», onde aparecem dirigentes sindicais, sociais e opositores, todos à esquerda do regime.
No final da primeira quinzena de Dezembro, o editorialista de El Comercio, o cientista Rodrigo Fierro, recebeu uma sentença condenando-o a um mês de prisão por «injúria».
O sindicato dos trabalhadores do sector do petróleo, um dos mais combativos e que mais contribuíram para a vitória eleitoral de Gutiérrez e para o nascimento do arco-íris nacional, foi praticamente desarticulado e aniquilado para o impedir de lutar contra a política de privatizações relançada por Gutiérrez.
Um tal «Legión Blanca» emite ameaças de morte e notas fúnebres contra jornalistas da imprensa alternativa.
As execuções extrajudiciais continuam e lembram os anos funestos do Febres Cordero.
E convém não esquecer a repressão de 10 de Dezembro quando da «Tomada de Quito», encabeçada pelo Movimento Popular Democrático. A feroz repressão trouxe, de novo, à memória as jornadas repressivas de 1987, precisamente durante as jornadas do Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Num momento em que algumas forças sociais progressistas evidenciam sinais de confusão frente ao gutierrismo, a vanguarda da luta parece descansar, entre outras, principalmente nas mãos do movimento indígena, que se perfila como o mais radicalizado e definido nas suas propostas de luta popular.
Não estranha, portanto, a prisão de Humberto Cholango nestas vésperas de 2004.

Círculos Bolivarianos em Congresso

Acaba de terminar na Venezuela o I Congresso Nacional Político e Ideológico e Organizativo dos Círculos Bolivarianos, que decorreu em Maracay, cidade vizinha da capital, e ao qual assistiram 387 delegados de 22 estados.
Ausentes estiveram, por razões de tipo logístico, os de Zulia e Amazonas.
Os Círculos Bolivarianos, organização de base do poder popular, que têm sido sistematicamente satanizados pela oposição, passam por uma etapa de certo marasmo – e até de discrepâncias internas – e este Congresso pretende relançá-los numa época particularmente difícil do processo revolucionário venezuelano.
Segundo os organizadores, pretende-se, através de um debate amplo, encontrar um perfil político, ideológico e organizativo que permita o funcionamento adequado dos quadros populares na defesa da constituição.
No final de Abril de 2001 havia no país perto de 230 mil círculos e neste momento estima-se que existem à volta de 380 mil, que se podem activar em menos de uma hora no caso de que as forças ligadas aos golpistas tencionem repetir um golpe semelhante ao de Abril de 2002. Nesse momento, os círculos, segundo o próprio presidente Hugo Chávez, foram os que lhe salvaram a vida, quando a oligarquia quis liquidá-lo como uma via de recuperar o poder.
No discurso de encerramento do I Congresso, o líder venezuelano afirmou que «os círculos bolivarianos são essenciais para o projecto revolucionário, devem estar conscientes disso (…) para que não se contaminem nem se desviem, deve ser um movimento unitário que ataque o sectarismo e que inclua as diferentes expressões das correntes populares. Não devem ser um partido político».
Frequentemente satanizados pelos meios de comunicação, que tratam de os equiparar aos CDR cubanos, os Círculos Bolivarianos afirmam constantemente as suas raízes nacionais, na medida em que se inspiram ideologicamente na «Árvore das Três Raízes», numa alusão ao Libertador Simón Bolívar; a Simón Rodríguez, o seu mestre; e a Ezequiel Zamora, um líder da luta agrária, cuja acção épica teve lugar durante o século XIX.
Num contexto político potencialmente explosivo criado fundamentalmente nos meios de comunicação, e quando a oposição já afirmou, pelo menos pelas vozes de alguns dos seus representantes mais visíveis, que não aceitará que o Conselho Nacional de Eleições determine que não foi recolhido o número suficiente de assinaturas para convocar o referendo contra Hugo Chávez, os Círculos Bolivarianos, junto com os militares democráticos, podem ter uma palavra decisiva nos meses que se avizinham.


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