Meditações pastorais (3)

O «núcleo duro»

Jorge Messias
O topo da cadeia de comando recentemente estabelecido pela conferência episcopal, passa a coordenar todo o projecto eclesial em curso - orgânico, político e social - visando, como objectivo central, modernizar a intervenção da igreja católica portuguesa na sociedade laica. É uma tentativa arrojada que implica o reforço da centralização da autoridade eclesiástica. E que desenvolve, simultaneamente, uma ligação mais sólida entre a igreja portuguesa, o Vaticano, a Igreja Ibérica e o Opus Dei. Assim, tanto quanto vai transparecendo dos planos da hierarquia, a CEP passou a organizar-se em três «frentes» principais: a da pastoral territorial (acção política), a da acção pastoral da Cúria (acção financeira e formativa) e a do acompanhamento dos Movimentos (acção canónica institucional). Simultaneamente, são reforçadas as formas de controlo das Vigararias (267 círculos canónicos representando 6711 paróquias, quase-paróquias e centros pastorais) que ficam na dependência de apenas três vigários-gerais. O reforço do comando único sacerdotal está bem patente no número e nos nomes dos responsáveis por esta operação de combate. Apenas cinco eclesiásticos (os bispos José Alves, Tomaz Nunes, Manuel Clemente, Manuel Felício e Sanches Alves) repartem com o cardeal-patriarca a direcção operacional da igreja portuguesa nesta fase delicada. No plano extremamente extenso e complexo das Vigararias, vamos encontrar essa equipa reforçada por dois outros sacerdotes com larga preparação canónica: o cónego Orlando Leitão e o padre António da Franca Marim. Para que se entenda a importância que as vigararias (a verdadeira ligação das cúpulas eclesiásticas com as comunidades religiosas de base) revestem para a orgânica da igreja, basta referir que o grande mentor da Reforma Paroquial, o bispo de Coimbra, D. José Alves, foi agora chamado a acompanhar também os trabalhos de reconversão das áreas do termo Ocidental de Lisboa - Amadora, Cascais, Loures, Oeiras e Sintra. Medida de grande alcance se pensarmos que estes territórios suburbanos, densamente povoados e com forte penetração da acção caritativa católica, irão representar dentro de pouco tempo fronteiras da nova ordenação territorial da igreja: uma só Província Eclesiástica, de Braga a Setúbal, uma única diocese (de Fátima/Leiria) autónoma da CEP e directamente gerida pelo Opus Dei, e o abandono prático da paróquia como unidade básica da organização canónica tradicional.
Quatro dos seis bispos que anteriormente citámos acumulam outras funções, juntando às tarefas de acompanhamento das vigararias desempenhos na área da acção pastoral da Cúria. Há referências explícitas a instituições que são consensualmente reconhecidas como das mais ricas da igreja portuguesa (Evangelização e Sociedade, Institutos da Vida Consagrada, Sociedades da Vida Apostólica, Bens Culturais da Igreja, Legados Pios, os Centros Económicos Paroquiais, etc.). Tratar-se-á, neste aspecto, da gestão e controlo dos bens financeiros necessários à vasta operação que se desenha. Mas uma outra preocupação parece entrecruzar-se com a área financeira. É a questão do recrutamento e formação dos Agentes da Pastoral, responsabilidade que sendo explicitamente atribuída a D. Manuel Clemente, não deixa de vincular também muitas outras formações confessionais, algumas já citadas e outras igualmente referidas, como por exemplo, os Centros de Documentação Pastoral ou as IPSS.
Os seis responsáveis pelo Núcleo Duro dividem depois entre si o Acompanhamento dos Movimentos católicos (pelo menos dos principais movimentos) com que contam para realizarem a reestruturação territorial da igreja. D. José Policarpo, cardeal-patriarca, fica à sua conta com os profissionais de Saúde (médicos e enfermeiros), com os empresários católicos, os farmacêuticos e os juristas, os professores e o... GRAAL. Poderá parecer bizarra esta alusão a uma simples organização católica quando todas as outras estruturas referidas parecem ter níveis de representatividade muito superiores. Alguma razão haverá para que isto aconteça. A hierarquia da igreja nada faz por acaso. E não será por acaso que são esquecidos pelos bispos os papéis a distribuir a estruturas católicas determinantes, como é o caso da Universidade Católica.


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