Uns mais iguais que outros
Não seria de esperar outra coisa. A última reunião do Eurogrupo, no passado dia 6 de Outubro, que avaliou o procedimento de défice excessivo francês, não trouxe multas. Até se silenciaram «as pequenas frases assassinas» dos ministros das Finanças da Holanda e da Áustria. O amigo alemão, que como a França se prepara para não cumprir o Pacto de Estabilidade pelo terceiro ano consecutivo, apoiou o ministro das Finanças francês, Francis Mer, na justificação do «contexto recessivo» da sua economia. Ao mesmo tempo, a presidência italiana preparava compromissos com Paris - adiamentos de prazos - quando se prevê que a Itália também não cumprirá os limites do Pacto em 2004. O próprio «tom» da Comissão foi menos vigoroso do que o que utilizou com Portugal. Longe fica o objectivo do défice zero em 2004. Assim se vê o peso dos grandes países, que realmente mandam na UE. No federalismo uns são mais iguais que outros. Veja-se a escalada federalista da dita «Constituição Europeia», onde se reforça o poder das grandes potências no processo de decisão.
Mas esta ironia não é pela defesa do moribundo Pacto de Estabilidade - que o próprio presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, considerou «estúpido» -, mas sim para evidenciar os seus critérios irracionais, que chocam cada vez mais com a realidade económica e social e contribuem para potenciar as condições recessivas das economias da UE, nomeadamente de Portugal. Qualquer economista sério não confunde rigor orçamental e finanças públicas sãs, com objectivos de défice zero ou critérios tão arbitrários como o limite de três por cento do PIB para o défice. O aumento dos défices verifica-se não por um acréscimo na despesa pública, mas sim por uma redução das receitas devida ao forte abrandamento económico.
O Pacto de Estabilidade (assim como o euro) tem objectivos políticos e, por isso, Francis Mer, quer uma solução política. Esta é a razão da sobrevivência do Pacto no presente contexto, pois existem objectivos de classe que poderão ser postos em causa com o seu fim. Basta olhar para Portugal, onde o Pacto foi sinónimo de um ataque desenfreado ao sector público - incentivado as privatizações – e aos direitos e salários dos trabalhadores do sector público, contribuindo para o objectivo da moderação salarial.
O bom aluno
O caso português não deixa de ser paradigmático. O Governo PSD/CDS-PP transformou o défice e o cumprimento do Pacto no objectivo central da política económica em Portugal. A ministra das Finanças, Ferreira Leite, lembrava as consequências da aplicação das multas, nomeadamente a retirada dos Fundos Estruturais. Hoje, face aos ventos europeus, onde a ameaça de multas se esvazia, afirma que temos de cumprir o Pacto, não por causa das multas, mas sim para combatermos o endividamento público. Por isso, em 2003 temos de ficar abaixo dos três por cento do PIB, mais precisamente ter um défice de 2,944 por cento. Nem uma décima a mais.
Para este objectivo vale tudo. Corta-se no investimento público. Aumentam-se os impostos indirectos que afectam todos independentemente do rendimento. Vende-se património público ao desbarato. Fazem-se «perdões fiscais» para arrecadar despesa, penalizando quem paga a tempo e horas os seus impostos. Vende-se, pasme-se, a rede fixa de telecomunicações nacionais a uma empresa. Fazem-se mais concessões de portagens. Discute-se com o Eurostat as mais diversas práticas de contabilidade criativa, nomeadamente como tratar as injecções de capital ou como se pode incluir ou não o remanescente do Fundo da EFTA ou o Fundo de Pensões dos CTT. Agora já se fala de titularização de créditos e, neste contexto, ainda se avança com a redução do IRC para o capital. Obviamente que sem medidas extraordinárias, o défice continua a ser superior a quatro por cento.
Os resultados desta política da «tanga» estão à vista de todos. Portugal entrou em divergência com a União Europeia. A economia entrou em recessão, prevendo-se um crescimento económico negativo para 2003. O desemprego aumentou mais que em qualquer outro país da UE, atingido no último mês os sete por cento, ao mesmo tempo que se prevê o seu crescimento em 2004.
A questão
Face à situação económica, o eixo franco-alemão, a que se junta o Reino Unido, avança com uma nova «Iniciativa para o Crescimento». Para além da agenda definida em Lisboa, quer estimular-se as redes transeuropeias, voltando ao projecto de grandes investimentos públicos de dimensão europeia do Livro Branco de Delors. Os grandes mais uma vez avançam, mas esta não é a questão central.
A prossecução de uma política monetária rígida, preocupada exclusivamente com o combate à inflação e em dar ganhos de produtividade ao patronato, aliada ao processo de consolidação orçamental desde 1997, contribuiu não só para o não aproveitamento cabal das oportunidades de crescimento económico, como para agravar o período recessivo em que vivemos, cujo sinal mais claro é o aumento do desemprego. Os débeis sinais de retoma poderão contribuir para continuar estas políticas restritivas, em vez das políticas expansionistas que se impõem, viradas para o crescimento e o emprego.
Importa, por isso, como se afirma na Resolução Política do XVI Congresso do PCP, pôr fim ao Pacto de Estabilidade e proceder a uma profunda revisão da política monetária e orçamental na UE. Esta, sim, é a verdadeira questão.
Mas esta ironia não é pela defesa do moribundo Pacto de Estabilidade - que o próprio presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, considerou «estúpido» -, mas sim para evidenciar os seus critérios irracionais, que chocam cada vez mais com a realidade económica e social e contribuem para potenciar as condições recessivas das economias da UE, nomeadamente de Portugal. Qualquer economista sério não confunde rigor orçamental e finanças públicas sãs, com objectivos de défice zero ou critérios tão arbitrários como o limite de três por cento do PIB para o défice. O aumento dos défices verifica-se não por um acréscimo na despesa pública, mas sim por uma redução das receitas devida ao forte abrandamento económico.
O Pacto de Estabilidade (assim como o euro) tem objectivos políticos e, por isso, Francis Mer, quer uma solução política. Esta é a razão da sobrevivência do Pacto no presente contexto, pois existem objectivos de classe que poderão ser postos em causa com o seu fim. Basta olhar para Portugal, onde o Pacto foi sinónimo de um ataque desenfreado ao sector público - incentivado as privatizações – e aos direitos e salários dos trabalhadores do sector público, contribuindo para o objectivo da moderação salarial.
O bom aluno
O caso português não deixa de ser paradigmático. O Governo PSD/CDS-PP transformou o défice e o cumprimento do Pacto no objectivo central da política económica em Portugal. A ministra das Finanças, Ferreira Leite, lembrava as consequências da aplicação das multas, nomeadamente a retirada dos Fundos Estruturais. Hoje, face aos ventos europeus, onde a ameaça de multas se esvazia, afirma que temos de cumprir o Pacto, não por causa das multas, mas sim para combatermos o endividamento público. Por isso, em 2003 temos de ficar abaixo dos três por cento do PIB, mais precisamente ter um défice de 2,944 por cento. Nem uma décima a mais.
Para este objectivo vale tudo. Corta-se no investimento público. Aumentam-se os impostos indirectos que afectam todos independentemente do rendimento. Vende-se património público ao desbarato. Fazem-se «perdões fiscais» para arrecadar despesa, penalizando quem paga a tempo e horas os seus impostos. Vende-se, pasme-se, a rede fixa de telecomunicações nacionais a uma empresa. Fazem-se mais concessões de portagens. Discute-se com o Eurostat as mais diversas práticas de contabilidade criativa, nomeadamente como tratar as injecções de capital ou como se pode incluir ou não o remanescente do Fundo da EFTA ou o Fundo de Pensões dos CTT. Agora já se fala de titularização de créditos e, neste contexto, ainda se avança com a redução do IRC para o capital. Obviamente que sem medidas extraordinárias, o défice continua a ser superior a quatro por cento.
Os resultados desta política da «tanga» estão à vista de todos. Portugal entrou em divergência com a União Europeia. A economia entrou em recessão, prevendo-se um crescimento económico negativo para 2003. O desemprego aumentou mais que em qualquer outro país da UE, atingido no último mês os sete por cento, ao mesmo tempo que se prevê o seu crescimento em 2004.
A questão
Face à situação económica, o eixo franco-alemão, a que se junta o Reino Unido, avança com uma nova «Iniciativa para o Crescimento». Para além da agenda definida em Lisboa, quer estimular-se as redes transeuropeias, voltando ao projecto de grandes investimentos públicos de dimensão europeia do Livro Branco de Delors. Os grandes mais uma vez avançam, mas esta não é a questão central.
A prossecução de uma política monetária rígida, preocupada exclusivamente com o combate à inflação e em dar ganhos de produtividade ao patronato, aliada ao processo de consolidação orçamental desde 1997, contribuiu não só para o não aproveitamento cabal das oportunidades de crescimento económico, como para agravar o período recessivo em que vivemos, cujo sinal mais claro é o aumento do desemprego. Os débeis sinais de retoma poderão contribuir para continuar estas políticas restritivas, em vez das políticas expansionistas que se impõem, viradas para o crescimento e o emprego.
Importa, por isso, como se afirma na Resolução Política do XVI Congresso do PCP, pôr fim ao Pacto de Estabilidade e proceder a uma profunda revisão da política monetária e orçamental na UE. Esta, sim, é a verdadeira questão.