Entrevistas na Festa

Globalizar a luta, construir a alternativa!

O Espaço Internacional da Festa do Avante! é um local de debate e convívio entre camaradas de partidos comunistas, progressistas e de esquerda de dezenas países. Mas é também lugar privilegiado para a troca de experiências de luta entre os que, oriundos dos cinco continentes, fazem da vida de todos os dias a construção de uma sociedade nova.
Aproveitando a presença de delegações dos Partidos Comunistas de Cuba, da Boémia e Morávia, da Grécia e do Partido dos Trabalhadores do Brasil, o Avante! foi ouvir, de viva voz, o relato dos caminhos revolucionários que resistem à tirania do capital transnacional.
Com destaque para as práticas levadas a cabo no sub-continente latino-americano e na Europa, abordámos, em breves conversas, temas como a guerra imperialista, a economia mundializada, a globalização das lutas e o reforço do internacionalismo e, como não podia deixar de ser, falámos da Festa que, sendo a do Partido Comunista Português, é também a dos que connosco partilham o sonho de um outro mundo socialista.


É dessa ousadia de um povo que resiste na conjuntura mais adversa que nos fala Alberto Cordelo do PC de Cuba.
No contexto da mais violenta ofensiva capitalista à escala global, em que os Estados Unidos da América e as ditas «nações livres» procuram impor a sua ordem a todo o mundo, violentando povos soberanos em nome do saque dos recursos, Cuba insiste em traçar o seu próprio caminho. Contudo, sublinhou Alberto Cordelo, «a política norte-americana nos últimos anos demonstra existir um plano de guerra que, seleccionando países como pertencentes ao dito “eixo do mal” e pondo de um lado países “amigos” e do outro países “inimigos”, perfila uma lista onde determinam existir perigo para os seus interesses».
A sua política, afirma, «é a da eliminação desses núcleos de resistência a partir da guerra, levando o mundo a uma situação de permanente conflito mais ou menos declarado».
No plano político, continua, «tal fica igualmente demonstrado com uma pressão muito forte contra os movimentos populares» e pelo apoio incondicional a «todas as acções da direita».
A batalha das ideias desempenha hoje um papel preponderante na construção da alternativa de esquerda no mundo, pelo que, segundo aquele dirigente cubano, os EUA e seus fiéis acólitos «tratam inclusivamente de montar um sistema ideológico de pensamento único, onde as condições de luta de todos, não somente as de Cuba se complicam tremendamente». Não obstante, «no nosso caso, a confrontação com o imperialismo norte-americano não é nada de novo, é uma questão que vem de há muitos anos, da época revolucionária, da luta pela independência. Agora, como elemento novo, os EUA têm um plano específico de agressão a Cuba, como aliás têm contra o Irão, contra a Colômbia e contra todos os países e povos que se opõem aos seus desígnios imperialistas».
«Nessas condições, temos que mobilizar, implementar a unidade nacional e incluir todo o povo no projecto do país. A plataforma ampla que tem o governo cubano com o povo é baseada na correspondência dos interesses de todos, adaptando-se às novas condições que enfrentamos, movida pela construção de uma nova sociedade. Ou seja, superar os nossos próprios defeitos é uma constante, uma dinâmica, uma dialéctica permanente de revolução, que faz com que em Cuba se produza uma identificação entre a maioria da população e o projecto revolucionário para o país».
«O grande desafio que tem o povo cubano neste momento é salvar o processo revolucionário, porque é o que corresponde aos interesses do socialismo ao nível mundial, das causas progressistas contra a hegemonia unipolar, contra os intentos do imperialismo que assume hoje traços fascistas», afirma preocupado.

A luta constante de um sub-continente

Com a vitória de amplas plataformas eleitorais de esquerda em diversos países da América Latina, o imperialismo norte-americano sofreu duros golpes na sua hegemonia continental.
Países como o Brasil ou a Venezuela são simultaneamente, a par de Cuba, experiências que despontam um grito de independência face aos interesses americanos e plataformas de discussão do movimento revolucionário.
Muito embora de natureza diversa, as opções tomadas por governos apoiados por partidos e movimentos comunistas e de esquerda, demonstram que um outro mundo socialista granjeia o apoio das mais vastas camadas da população.
Isso mesmo nos diz Henrique Fontana, do Partido dos Trabalhadores do Brasil, para quem «a primeira questão importante de ressaltar é que a eleição de um candidato dos de esquerda, de um líder operário e sindical modifica, acima de tudo, a própria cultura política do país tornando possível uma alteração qualitativa importante».
Mas os primeiros meses de gestão de Lula da Silva na presidência do Brasil demonstraram que tais caminhos são repletos de dificuldades, de resistências externas e internas, pelo que, sublinha o deputado federal brasileiro, «o início da nossa gestão foi extremamente difícil porquanto herdámos uma situação dramática de enfraquecimento do Estado brasileiro. O anterior governo foi hegemonizado pela aplicação integral da política neoliberal, do que serve de exemplo que, nos últimos 10 anos, o país vendeu 70% do seu património público, aumentando brutalmente o seu endividamento externo, submetendo-o à lógica da globalização financeira, que, perversamente o faz depender desses capitais em condições cada vez mais inaceitáveis».
Assim, «o nosso mais importante desafio foi retirar o Brasil desta situação de vulnerabilidade e dependência que levou a situação económica à beira do precipício, fazendo a moeda brasileira perder cerca de 40% do valor. Foi este cenário que tivemos que ultrapassar nos primeiros 6 meses, assumindo que tínhamos que operar mecanismos de política macro-económica dentro deste mesmo sistema, mas sempre com a visão de que esta não é a política que sustentaremos no médio e longo prazo.
«Por outro lado, é fulcral ampliar relações multilaterais, especialmente com os países da América Latina, que nos permitam contrapor os interesses dos que hoje hegemonizam a política económica no mundo.»
O reforço dos vínculos entre os países do sul do continente são, na opinião de Alberto Cordelo e Henrique Fontana, fundamentais para combater as políticas e os instrumentos do grande capital neoliberal.
Tal assume particular importância, na medida em que os EUA procuram impor na região o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), traduzindo-se num modelo de integração económica de dependência.
Como ressalta Henrique Fontana, «a proposta do governo americano seria uma anexação económica dos países e dos mercados da América latina», à qual só «o fortalecimento de relações de troca multilaterais baseadas no respeito mútuo entre nações, pode criar blocos que imponham um outro ritmo às negociações, uma outra visão assente na cooperação, capaz de retirar legitimidade e primazia ao governo americano e de relançar uma grande cooperação internacional de ideias de esquerda».
Alberto Cordelo concorda com tal necessidade, e acrescenta que «estando o povo cubano integrado numa realidade que diz respeito, no fundamental, aos povos latino-americanos, compartilhamos com eles a luta nos campos da cultura, no movimento feminista, sindical, da juventude e, sendo esse um dos factores basilares da nossa revolução, o estar integrado numa ampla realidade histórica latino-americana, permite agir nas diversas frentes. No caso da ALCA, que recupera a ideia de 1890 de integração da América Latina nos EUA, pode significar o desaparecimento dos Estados enquanto identidades soberanas e independentes.»

Do lado de cá Atlântico, a mesma luta de classes

Apesar de agirem em realidades sociais e económicas diversas, também deste lado do oceano os comunistas lutam contra o jugo da exploração capitalista e pela construção da única alternativa capaz de a superar, a sociedade socialista.
Pelo caminho, feito de avanços e recuos, vão-se deparando processos contraditórios e, na actual conjuntura global, cada vez mais agressivos aos interesses dos povos.
A um passo de entrar na União Europeia (UE), a República Checa enfrenta uma das mais duras crises económica e social, fruto das políticas neoliberais impostas no decurso da última década.
Milan Kyselý, do Partido Comunista da Boémia e Morávia, sublinha a esse respeito que «o Partido Social-Democrata que governa em coligação com pequenos partidos da extrema-direita, fez promessas que iam no sentido da melhoria das condições de vida da população e do aprofundamento dos direitos sociais. No entanto, e essa é uma das reivindicações prioritárias da nossa acção, a prática concreta nada tem a ver com as promessas feitas e é essencial que o demonstremos.
«A crise económica e social permite fazer tais afirmações, pelo que estamos a mobilizar na luta contra o desemprego que, nas ex-zonas industriais é francamente superior aos 20% da população activa, em resultado da privatização ou restituição de bens aos ex-proprietários. Por essa via acabaram com uma parte significativa da nossa industria, ou pura e simplesmente transferiram-na para as mãos de grupos económicos privados, sujeitando-nos às selváticas leis do capitalismo global.»
A entrada na UE pode representar, por esse facto, a aglutinação da periférica economia do país por parte dos interesses do grande capital, pelo que, destaca Milan Kyselý, «é para nós bastante importante aprender com a experiência dos outros partidos comunistas, nomeadamente o PCP, à cerca de como conduzir a luta no contexto da UE».
Aliás, o processo de adesão foi, por parte do PC da Boémia e Morávia, alvo de uma ampla campanha de esclarecimento, na medida em que «era preciso desenvolver um trabalho político de fundo para que as pessoas percebessem qual o seu conteúdo e quais os factores que vão operar nesse campo». Tal ficou provado pela
fraca aderência às urnas « onde apenas cerca de 40% da população compareceu, muito embora tenhamos insistido que era extremamente importante que as pessoas fossem votar, e de nos manifestarmos contrários à entrada».
Para o futuro «o principal é que os representantes da República Checa no Parlamento Europeu e os do nosso partido em particular, sejam elementos importantes na defesa dos interesses do povo checo. Se integrarmos uma plataforma de esquerda no contexto do parlamento, então será ainda mais viável a inversão da política da União», concluiu.
Na mesma tónica está o PC da Grécia, para quem, segundo disse Babis Aungorakis, «a construção de uma frente antimonopolista de partidos e movimentos pela inversão da política da UE, que esteja direccionada contra a política do grande capital e que se oponha ao imperialismo e à NATO» é hoje mais actual do que nunca.
«As sólidas e profundas relações que temos com o PCP desde à largos anos, no âmbito das quais cooperamos de forma estreita, são fundamentais para a constituição de um movimento contestatário, sobre o qual partilhamos o mesmo ponto de vista.»
«Neste campo em que o partido está, desde há muitos anos, directamente ligado às bases destes movimentos, porque no espectro político da Grécia não é possível estabelecer alianças entre partidos, o que se traduziu nos movimentos pela paz, como no caso da Jugoslávia e agora do Iraque, e na mobilização por altura da Cimeira de Chefes de Estado da UE em Salónica», acrescentou.
Apesar dos avanços e das potencialidades latentes, explica Babis Aungorakis, «há uma grande luta política e ideológica dentro do movimento, pois entendemos que muitos dos que se mobilizam devem perceber que sem um projecto de sociedade nova, as suas reivindicações não estarão completas e não serão verdadeiramente radicais e revolucionárias, de cariz socialista e comunista. Não digo que somos capazes de dar resposta a todas as questões do mundo contemporâneo, ou que transportamos todas as soluções, mas temos os instrumentos e a experiência que estruturam as razões essenciais pelo qual se movem neste momento as massas.
Portanto não esquecendo o contexto europeu e o de cada país em concreto, temos que reforçar a nossa identidade, a nossa influência e a necessidade da existência de partidos comunistas, com causas, valores e convicções. Neste sentido estamos irmanados com o PCP nesta mesma luta, de objectivos e visões semelhantes do nosso papel no movimento e do movimento na transformação da sociedade».

Não há Festa como esta

«Para nós é o maior evento comunista do mundo e vocês têm que o aceitar e reconhecer. Conseguimos perceber que na luta quotidiana, com as dificuldades inerentes à organização de um evento com esta dimensão e impacto, possam esquecer a totalidade da sua importância, mas este é o maior evento político e cultural dirigido às massas populares, e é por isso estratégico no reforço de laços e experiências comuns, ajudando a trazer mais gente para a nossa causa e luta», disse Babis Aungorakis em relação à Festa do Avante!. Opinião que traduz o fundamental do que foi expresso por todos os camaradas com quem falámos, tendo Alberto Cordelo destacado ainda que «este é o equilíbrio fraterno que se deve buscar e tomar como exemplo, ainda mais no contexto dramático que estamos vivendo, dá vontade de dizer que o caminho é tomar o céu de assalto e buscar a felicidade...»


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