30 mil professores no desemprego

Professores na rua, educação em perigo

Isabel Araújo Branco
Mais de trinta mil professores não foram colocados nos concursos nacionais, a maioria jovens. Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, fala de erros e irregularidades e defende que estes profissionais devem combater o analfabetismo e a iliteracia.

«Como pode um país ter um milhão de analfabetos e 30 mil professores desempregados?»

A grande maioria dos 30 mil professores que não foram colocados este ano têm menos de 30 anos. Os jovens são, pois, os principais afectados, engrossando o número de licenciados desempregados.
Mário Nogueira, membro do Secretariado da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), revela que o número de vagas diminui em 50 por cento desde o ano passado, quando ficaram 24 mil professores fora do sistema educativo. Este ano, aos 30 mil que já sabem que não têm emprego, juntar-se-ão cerca de cinco mil professores do primeiro ciclo e educadores de infância e 14 mil docentes do ensino superior, num total que se aproxima dos 50 mil professores desempregados.
No entanto, Mário Nogueira considera que não há professores a mais para as necessidades reais do País. «Como é que um país que tem um milhão de analfabetos, pode ter 30 mil professores desempregados? Isto faz parte da política do Governo, porque um dos seus principais objectivos é reduzir o número de trabalhadores da administração pública. Apenas está a aplicar a sua orientação geral na educação», sustenta.
Para o dirigente sindical, o País pode aproveitar o investimento que fez na formação destes professores através de medidas de melhoria da qualidade do ensino, do rejuvenescimento do corpo docente ou do desenvolvimento de um plano nacional de alfabetização. «Se isso fosse feito, o número de professores seria insuficiente», garante.
«O ministro da Educação diz que o Estado não é uma agência de emprego, mas a Fenprof apenas exige que se criem condições para que as escolas funcionem melhor e que o ensino tenha mais qualidade. Se assim for, o emprego surgirá naturalmente porque serão precisos mais docentes. Se as turmas não estivessem sobrelotadas, os professores seriam colocados», afirma Mário Nogueira, dando o exemplo de uma escola em Coimbra que já teve três mil alunos, que hoje têm seiscentos alunos, mas onde a dimensão das turmas é igual. Ou o caso de uma escola com 12 alunos de Alemão no 11.º ano e 11 no 12.º ano, mas que têm aulas na mesma turma por ordem da Direcção Geral de Educação.

Futuro negro

«É verdade que há menos jovens, mas também é verdade que a intenção do Governo é aproveitar isso, não para combater o insucesso e o abandono escolar e desenvolver a qualidade da educação, mas para gerar desemprego nos professores», considera Mário Nogueira.
A Fenprof não vislumbra boas perspectivas nos próximos anos, mesmo com o aumento da escolaridade obrigatória do 9.º para o 12.º ano. Por um lado, esta medida só será aplicada em 2010 e, por outro, dois terços dos professores desempregados são do primeiro, segundo e terceiro ciclos (do primeiro ao nono ano), ou seja, não serão afectados pelo acréscimo dos alunos do ensino secundário.
Outra questão importante é o rejuvenescimento do corpo docente, igualmente desprezada pelo Governo. «Em vez de permitir a aposentação dos professores aos trinta anos de serviço, o Ministério da Educação só aceita a saída de professores que também tenham mais de 60 anos de idade. Isto é uma forma de impedir a entrada de novos professores. Como o decréscimo do número de alunos é contínuo, se aguentarem um pouco mais estes professores no sistema, não vão precisar de os substituir por outros mais novos», explica Mário Nogueira.
A maioria dos professores não tem alternativas profissionais com as suas habilitações.
A Fenprof defende a recolocação dos professores, devido aos erros e ilegalidades do concurso. Mário Nogueira acusa o Ministério da Educação de «irresponsável técnica e política», de «postura prepotente» e de fomentar situações de injustiça e de instabilidade. «Houve vários professores que foram colocados na mesma vaga, docentes colocados em vagas que não existem ou que foram destacados para mais do que uma escola, professores mais graduados que não ficaram atrás de outros menos graduados», enumera.

Professores no desemprego
Perder na lotaria das colocações

Saídas as colocações, milhares de professores ficaram no desemprego. Preocupados com o futuro, Nuno Neves, Cátia Lima e Maria Antónia Coelho contam a sua história e tentam delinear um «plano de ataque». Como diz Cátia, «temos de sobreviver».

Nuno Neves e Cátia Lima compraram casa há um ano, entusiasmados com a sua nova vida de professores do segundo ciclo. Hoje pensam como vão pagar as prestações ao banco, depois de verem os resultados do concurso nacional e de saberem que nenhum dos dois foi colocado. O último ordenado foi o de Agosto e, por agora, não têm quaisquer perspectivas profissionais. «Isto já nos está a afectar em termos económicos. Vai ser complicado», comenta Nuno.
Licenciados em História, na variante de Arqueologia, começaram ambos a dar aulas no último ano lectivo. Cátia ficou em décimo lugar no mini-concurso e deu aulas de História a sete turmas de duas escolas, no Montijo e em Setúbal. Nuno esteve no Barreiro, com quatro turmas de História e duas de Língua Portuguesa. «Logo no primeiro ano ficámos muito bem colocados, com horário completo. Gostei muito. Ao ensinarmos, estamos a aprender muita coisa. Queria mesmo continuar», diz Cátia.
O resultado do concurso veio arrefecer entusiasmos e motivar preocupações. «Os dias a seguir às colocações foram muito difíceis. Ficámos muito em baixo. Até deu vontade de chorar», conta Nuno. Ambos apontam o dedo ao Ministério da Educação e falam em incompetência, negligência e irregularidades.
«Nós soubemos de uma série de situações irregulares. E só damos aulas há um ano, não conhecemos assim tantos professores», refere Nuno. Cátia fala de casos de horários que não foram a concurso, colocações de professores em escolas ou em horários a que não concorreram e pessoas que entraram com colocações muito inferiores a outras que ficaram de fora. «Basta haver uma pessoa mal colocada para todas as que lhe seguem estarem também mal. Numa escola foram colocadas onze pessoas para o mesmo horário», acrescenta.
«Este ano, ao acabar com os mini-concursos, o Ministério da Educação disse que queria colocar os professores mais cedo, antes do ano lectivo começar. Isso era uma boa ideia, mas não se está a verificar isso. Quando os professores se candidataram, as escolas ainda não tinha os horários feitos. Agora é que estão a enviar para a Direcção-Geral de Administração Educativa as listas de horários, feitas posteriormente às colocações. É uma espécie de mini-concursos abafados. Todo o processo devia ter sido antecipado e não apenas as candidaturas», defende Nuno.
«Foi uma autêntica lotaria. Nos mini-concursos, sabíamos a que escolas e a que horários podíamos concorrer. Este ano, não sabíamos os horários das escolas, foi como jogar na roleta», ironiza.

Apostar na qualidade

Cátia e Nuno não compreendem as motivos da redução de vagas. Nas escolas onde deram aulas no ano passado, o número de alunos manteve-se ou subiu. Além disso, com mais professores a qualidade do ensino aumentaria. «Se o Estado estivesse disposto a empregar mais professores e a diminuir o tamanho das turmas, seria um grande avanço. Tivemos alunos do 5.º e do 6.º ano que são praticamente analfabetos. Não sabem ler, não sabem escrever e não estão capazes de frequentar esses anos. Precisam de muito acompanhamento», exemplifica Cátia.
Na próxima segunda-feira sai a nova lista de colocações. «Pelo menos até lá temos de esperar», diz Cátia. «Se não formos colocados, temos de nos virar para outra coisa e rapidamente», completa Nuno. Há duas semanas enviaram currículos para colégios, escolas particulares e ateliers de tempos livres, mas ainda não obtiveram nenhuma resposta.
Já pensam também em trabalhar em arqueologia, mas é uma área «muito incerta. Nunca há contratos de trabalho, é tudo a recibos verdes. É uma semana aqui, outra em Trás-os-Montes, outra no Algarve, sem haver garantia de continuidade», explica Nuno. Se nada disso resultar, terão de arranjar um emprego fora da sua área académica. «Temos de sobreviver», sublinha Cátia.

Maria Antónia Coelho
O que tenho de fazer para ser professora?

«Ninguém investe na educação. Podiam pegar nos professores não colocados e reforçar as aulas de apoio e os diversos projectos das escolas – o Clube da Ciência, o Clube de Português... – que são muito importantes para os alunos. Isso seria investir, mas a política do Ministério da Educação consiste em poupar.»
Quem o diz é Maria Antónia Coelho, de 25 anos, professora de Educação Visual do quinto ao nono ano. Depois de quatro anos a dar aulas, não conseguiu colocação em nenhuma escola do País. Sente-se desiludida, frustrada e injustiçada, mas o pior é mesmo quando pensa no seu futuro.
Licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Maria sempre sonhou em dar aulas. «Quando acabei o terceiro ano, como já tinha habilitação própria e precisava de trabalhar, candidatei-me ao ensino», conta. Desde então nunca mais abandonou os alunos, inicialmente em bairros sociais urbanos com jovens carenciadas, depois nas áreas rurais com «miúdos de calos nas mãos do trabalho na enxada».
Os seus olhos brilham quando fala das experiências por que passou e do esforço que anualmente faz para cativar as turmas. «Gosto de marcar a diferença e abrir-lhes os horizontes. Tento despertar o interesse deles para investigar e descobrir mais», diz.
No entanto, este entusiasmo poderá ter um fim a curto prazo, porque o Ministério da Educação dá preferência aos professores com formação pedagógica e o curso de Maria Antónia não tem essas disciplinas. Mais grave do que isso, não pode fazer essas cadeiras noutra instituição. A única hipótese é tirar uma nova licenciatura em Artes Plásticas, na Universidade de Évora. Serão mais cinco anos de uma formação igual à sua. E já lhe adiantaram que não deve esperar equivalências às disciplinas.
Mas essa possibilidade está cada vez mais longe. Este ano candidatou-se ao curso no concurso especial, mas não entrou. «Só havia uma vaga para 18 candidatos. Dão preferência aos bacharelatos e eu não consegui. Há uns anos a Universidade Aberta tinha umas profissionalizações. Pessoas como eu pagavam e faziam as disciplinas pedagógicas, mas acabaram com isso.»
O futuro é uma incógnita para Maria. «É uma grande frustração, porque dei os passos todos certos: apostei no prestígio da faculdade, tirei o curso com uma boa média, comecei a dar aulas muito antes de acabar o curso e depois passam-me a perna.»

Vida difícil

Maria Antónia Coelho abdicou da estabilidade pessoal para dar aulas. «Adaptei-me à ideia de ter de ir para um ponto diferente do País todos os anos. Família é para esquecer, mesmo ter relações... Estou a investir na minha vida profissional. Claro que não vou desistir e que vou continuar a tentar, mas começo a ver que daqui a uns tempos vou ter de reformular a minha vida. Às vezes penso que ser professora é muito mais difícil. Há malta da minha área que acaba por se safar com bolsas ou projectos de cenografia, mas eu gosto mesmo de dar aulas», comenta.
Entretanto, Maria arranjou emprego num colégio privado em Lisboa, onde ficará até ao fim do ano, «a menos que aconteça um milagre». Mas diz que não acredita na possibilidade da reformulação dos concursos de colocação de professores. «Não sabemos quantos horários há nem fazemos ideia se as pessoas que estão à nossa frente na lista são de Lisboa ou do Porto. Fui à Direcção-Geral de Administração Educativa e fiquei com a impressão que eles não têm noção de nada. Perguntei como vão atribuir os horários que entretanto surgiram, se serão distribuídos pelos primeiros das listas ou se será aleatoriamente, e responderam-me que ainda não pensaram nisso.»
Maria não quer pensar em abandonar o ensino, mas sabe que esse é problema que terá de contornar. «Se chegar à conclusão que não consigo dar aulas, vou ter de arranjar outro trabalho para me sustentar. Eu quero dar aulas, mas, não podendo, vou trabalhar para um escritório.»

PCP alerta e protesta
Mais um golpe no ensino público

A situação criada a milhares de profissionais com «as irregularidades verificadas nos concursos» é «grave para os professores, para as escolas e para as respectivas comunidades escolares», considera o PCP, numa nota de imprensa de dia 8.
Os comunistas sustentam que se trata de mais um factor de «degradação do sistema público de ensino e uma leviandade do Governo». «O fornecimento de dados errados e o trabalho sob pressão, incompatíveis com o extremo cuidado de que estes processos se devem revestir, não podem refugiar-se no anonimato e na responsabilidade de técnicos informáticos. O Governo deve assumir as suas responsabilidades na situação caótica que criou e corrigir os erros sem prejuízo dos professores que já foram colocados», defendem.
Para o PCP, os métodos de decisão e de trabalho deste Governo são reveladores da «intencionalidade de degradar a imagem de qualidade do ensino, também já comprometida com a falta de investimentos e de condições de funcionamento das escolas, os novos modelos de gestão e o abandono das escolas à sua sorte».
«Esta deliberada degradação não pode deixar de ser encarada como a criação de um terreno favorável a noves golpes contra o sistema público e contrabando de novos apoios ao sector privado», alerta. «Este descrédito não pode deixar de pôr em causa a possibilidade de realização, com qualidade, de um direito básico fundamental, que “justifique” a redução da sua universalidade e a uma desqualificação que caminharia a par com um conceito assistencialista e de “caridadezinha” para a educação, a que a generalidade da população tem direito de forma bem diversa e consagrada na Constituição. É um descrédito a que se contraporiam situações de “excelência”, cada vez mais caras, e a que teriam acesso “por liberdade de escolha” só os filhos das camadas com maior poder económico», acrescenta.
O PCP apela aos professores, aos estudantes, às famílias e às comunidades escolares para susterem estes processos e exigirem o direito ao trabalho docente como forma insubstituível de garantia de qualidade e estabilidade da vida escolar e dos processos educativos.


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