Ainda a propósito do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência

Francisco Silva
Podia estar a dirigir-me apenas às pessoas com deficiência (incluindo as pessoas idosas, contingente este que desejo vir a integrar, porque a altura, então, também chegaria para mim), com o intuito que compreendessem o meu desejo de contribuir para um entendimento e melhor integração desta problemática - uma verdadeira oportunidade para todos nós. Mesmo sabendo-me um outsider, com certeza desajeitado, cuja aprendizagem não só vai no início, como, além disso, está de fora (ou será de dentro?) da área da normalidade em termos técnico-científicos da distribuição [em campânula] de Gauss (Não entendem? Procurem então fazê-lo!).
É mais ainda. É mais complicado e, talvez, mais perigoso o que estou a fazer. Mais perigoso porque poderei estar a induzir em erro aqueles que também estão de fora, aqueles que são, como eu, leigos na matéria desta cartilha. Contudo, feita de alguma forma a salvaguarda, vou directo ao assunto. Que é o eu estar convencido de ser - «normalmente» - a melhor solução o desenhar a oferta - dos bens, dos serviços - com base nos requisitos do conjunto de todas as pessoas e, portanto, das respectivas situações. E deste modo entendo eu a expressão Design for All: isto é, a prática de considerar a satisfação do contínuo das necessidades existentes.
Talvez esteja a abusar um pouco da intenção de quem criou tal expressão, o Design for All. Mas, por exemplo - já o terei contado noutra altura - no prédio onde habito, quando este ainda estava em construção, um vizinho futuro, cujo filho era portador de paralisia cerebral e se deslocava em cadeira de rodas, propôs-nos a construção de uma rampa de entrada de modo a ser fácil deslocar a cadeira de rodas no acesso ao prédio. É que nem nos custou mais dinheiro. E serviu a rampa para aquela cadeira de rodas e mais, a todos os carros de bebés que por ali andaram, andam e andarão. E serve também para o deslocar de malas apoiadas nas suas rodas.

Ora vejam lá os que ainda não tinham pensado nisto. Uma rampa desenhada e construída para uns, uns que até nem são dos ditos normais, isto é, dos que podem ser registados como pertencendo à parte central da distribuição estatística normal (de Gauss), para esses, as pessoas portadoras de, neste caso, de paralisia cerebral, essa rampa dá jeito a todos. Desde os registáveis na parte extrema da campânula, passando pelos «normalíssimos» centrais e indo até à outra ponta da distribuição. E foi a diferença que, para bem de todos nós, nos mostrou o caminho. Não foi a normalidade, essa que nos atarraxa às redutoras médias, que o conseguiu.
Posso até, agora, ironizar com uma ilustração, talvez, para muitos, de mau gosto. Posso ironizar com os gostos especiais estéticos e intelectuais «especiais» daqueles que gostam de ler - ah, essas coisas esquisitas que tu lês -, de ir ao teatro - aquelas peças não comerciais que o público não quer -, de fruir a arte da pintura - aquele quadro incompreensível que qualquer um podia ter pintado! -, sei lá, daqueles poucos dados a estes hábitos «intelectualóides». Estes também podem ser registados numa das pontas da, já agora in-famosa, distribuição de Gauss, Mas, não se poderia, também neste caso, extrair lições que servissem a todos? Fecho parêntesis.
Podia ainda voltar aos exemplos do nosso envolvimento espacial que nos mostram soluções que podem ser estimuladas pelas necessidades «minoritárias» de pessoas com deficiência - sendo o mundo da deficiência motora podia, por exemplo apontar a utilização dos cortes e restabelecimento de fluxos entre células fotoeléctricas para o comando de abertura e fecho de portas, hoje generalizado, que até nos protege dos desagradáveis contactos com os ventos e frios da Natureza, lá fora… Mas os exemplos e o assunto que mais insistentemente ainda me ocorre(m) é (são) - não poderiam deixar de ser? -, o(s) da área das comunicações.
Com efeito, nas comunicações estão os sentidos em jogo. E, a solução mais fácil e eficaz para as médias sempre foram as soluções mais redutoras - ou para verem a informação, ou para a ouvirem, ou para a tactearem. É certo, no cinema, no audiovisual, vê-se e ouve-se. Contudo, a novidade da última dezena de anos foi a introdução do ambíguo conceito de multimédia. A pensar-se na interactiva bidireccionalidade comunicacional, mas quase só, a maior parte, a pensar nos sentidos da vista e do ouvido… No entanto, sabemos nós que o sentido do tacto também aí é mais e mais utilizado, sobretudo com base no emprego do Braille.
Isto é, o multimédia deverá, para já, incluir os três sentidos referidos, a conversão dos sinais entre formas adequadas à recepção por cada um deles e a activa bidireccionalidade…


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