Sem-Terra no Planalto
Pela primeira vez na história do Brasil o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra(MST) foi recebido pelo presidente da República no Palácio do Planalto.
A reforma agrária em curso no Brasil afronta os mais poderosos
O encontro decorreu, quarta-feira da semana passada, na sede do governo brasileiro, tendo como pano de fundo uma violenta campanha de desacreditação do MST, do processo de reforma agrária e do governo, claramente orquestrada pelos representantes dos interesses dos grandes latifundiários.
Os 27 representantes estaduais do MST recebidos por Lula da Silva e pelos responsáveis ministeriais da Segurança Alimentar, Desenvolvimento Agrário e da Casa Civil, entre outros membros do executivo e da coligação de esquerda no Congresso e no Senado, apresentaram uma agenda de reivindicações relacionadas com a concretização do plano de distribuição de terra a milhares de camponeses brasileiros, exigindo, desta forma, o cumprimento célere de um dos eixos centrais do programa de desenvolvimento e inclusão social que elegeu o ex-sindicalista metalúrgico para a presidência do Brasil.
Entre as cinco grandes linhas de orientação levadas à reunião pelo MST (ver caixa), destacam-se a agilização do Plano Nacional de Reforma Agrária, que permita a distribuição, até 2006, de terra a cerca de um milhão de famílias rurais; a desapropriação das fazendas ao capital absenteísta que não cumpra a legislação laboral, recorra ao trabalho escravo, cultive psicotrópicos ou pratique agressões ambientais; disponibilização imediata dos bancos públicos de terra e das áreas hipotecadas aos cofres do Estado para a reforma agrária; o estabelecimento de uma campanha de alfabetização no campo; a desburocratização das linhas de crédito à agricultura familiar, agro-industria e agro-ecologia; o combate à impunidade dos crimes praticados por proprietários agrícolas, ou milicianos a soldo destes, contra os militantes do MST.
Nas declarações proferidas no final do encontro os participantes mostraram-se cautelosos e não avançaram com conclusões ou medidas estratégicas dali retiradas. Ficou no entanto a certeza de que o processo de reforma agrária em curso no Brasil afronta os mais poderosos interesses agrários do país, e exige, da parte do executivo, determinação e ousadia para levar a cabo o cumprimento e aprofundamento das medidas legislativas de distribuição de terra a famílias e organizações populares camponesas.
Tendências, resistência e contra-reforma
As medidas recentemente aprovadas pelo governo brasileiro; renegociação das dívidas de cerca de 825 mil famílias a quem já foi dada terra; o Programa de Aquisição de Alimentos produzidos por estes agricultores; a disponibilização de 5,4 mil milhões de reais para o financiamento da agricultura familiar; e o incremento da distribuição dos chamados «cestos básicos» com géneros alimentares à população campesina incluída no programa «Fome Zero», não colheram o apoio das estruturas representativas do capital fundiário.
A constituição de milícias responsáveis pela escalada da violência e crescente tensão no campo, um pouco por todo o país, demonstra a envergadura do conflito de interesses entre o Movimento dos Sem-Terra e as reaccionárias organizações de proprietários rurais.
Em resposta, o MST procedeu à realização de diversas acções de ocupação de terras - algumas das quais foram posteriormente desocupadas pelas autoridades federais - e à fixação de acampamentos junto a terrenos incultos como forma de manter viva a chama da luta pela efectivação da reforma agrária.
Da parte do governo foram diversa as vozes que se levantaram em defesa da pacificação do processo, garantindo que a reforma agrária é tão imparável como necessária para solucionar a miserável condição de milhões de brasileiros.
As autoridades sublinharam, no entanto, que os mecanismos legais existentes aliados ao compromisso do governo são o caminho para a legítima distribuição de terras sem violência nem derramamento de sangue, e que não serão tolerados abusos nem dos com-terra nem dos sem-terra.
A pretexto dos incidentes entre militantes do MST e milícias agrárias, os sectores mais reaccionários com assento no Senado e no Congresso brasileiros, propuseram a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à actividade do Movimento, alegadamente para investigar ocupações ilícitas, mas que na prática visa dificultar a concertação no tempo e no espaço das posições do MST e do governo, e atrasar ou mesmo impedir a expropriação de milhares de hectares de solo arável.
Os acontecimentos demonstram que o que marca a actualidade na sociedade brasileira são as tendências contraditórias em torno de um dos mais ousados projectos de justiça social, revelando o poder da contra-reforma, mas também a tenacidade da resistência de quem quer cultivar a terra para ter o que comer.
Uma questão de justiça social
O Brasil é um dos países do mundo com mais e melhores recursos naturais, mas é também o segundo na lista dos que encerram as maiores desigualdades sociais.
Tais factos ficam explícitos nos dados avançados pelo relatório das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD2003), no qual se pode ler que os 10% mais ricos detém 70 vezes mais riqueza que os 10% mais pobres, e que, nas regiões do norte do país, o número de pobres aumentou de 36% para 44% nos últimos dez anos.
Também o Banco Mundial revela que 64% do rendimento é apropriado por 20% da população, e que 37 “fazendas” ocupam um maior espaço cultivável que mais de 2,5 milhões de propriedades com menos de 10 hectares.
Neste contexto, a reforma da propriedade da terra, reclamada por milhares de famílias camponesas organizadas no MST e inscrita nas prioridades do governo brasileiro, é fundamental para garantir o sucesso na luta contra a fome, assegurar as condições mínimas de segurança alimentar às mais amplas camadas populares e reduzir o fluxo migratório que, todos os anos, vota à miséria mais extrema milhões de pessoas nas favelas das grande cidades.
Estas são as razões que estão na base da urgência da reforma agrária, cujo arranque em larga escala tem vindo a sofrer sucessivos atrasos e recuos. Para além da acção dos grupos e corporações de proprietários, com tentáculos no Senado, no congresso e no poder político em vários Estados, parte do processo está nas mãos do poder judiciário, a quem compete julgar a legitimidade da expropriação em caso de contenda litigiosa, o que tem burocratizado a efectivação da reforma.
O MST estima que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), organismo que tutela a expropriação e respectiva distribuição de terras pelos camponeses, tem condições para albergar imediatamente 40% dos Sem-Terra, pelo que o movimento tem vindo a exigir da parte do governo celeridade e determinação no «assentamento» de famílias um pouco por todo o país.
Algumas propostas do MST
O MST aproveitou a reunião com o governo brasileiro para apresentar um conjunto de propostas incluídas em cinco eixos de orientação fundamental que, a serem implementados, constituíram passos fundamentais e decisivos para a democratização do acesso à propriedade e produção agrícola, bem como contribuiriam para o sucesso social e económico da reforma agrária.
Para além das medidas anteriormente referidas, o MST propõe ainda:
A) Terra
Garantir o imediato «assentamento» das 120 mil famílias acampadas em todo o território nacional.
Fortalecer o INCRA como organismo de reforma agrária, dotado de recursos financeiros e humanos.
Preservar o Imposto Territorial Rural como complementar à reforma agrária.
B) «Assentamentos»
Desenvolver um programa de assistência técnica com equipas multidisciplinares, que tenha como referência um técnico para cada 100 famílias.
Estimular a implementação de um novo modelo tecnológico, baseado na agricultura orgânica, na multiplicação e produção de sementes pelos agricultores.
Implementar em todos os «assentamentos» infra-estruturas básicas, tais como: Estradas; energia eléctrica; habitação; saneamento básico; atendimento à saúde; cultura e lazer.
C) Educação
Fortalecer o Programa de Educação Nacional nas áreas afectas à reforma agrária.
Promover um programa de capacitação profissional direccionado aos jovens camponeses.
D) Preocupações gerais
Combater a produção de trangênicos e a imposição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Defender um modelo agrícola voltado para a geração de emprego, a soberania alimentar, a produção para o mercado interno e elevação das condições de trabalho no campo.
Os 27 representantes estaduais do MST recebidos por Lula da Silva e pelos responsáveis ministeriais da Segurança Alimentar, Desenvolvimento Agrário e da Casa Civil, entre outros membros do executivo e da coligação de esquerda no Congresso e no Senado, apresentaram uma agenda de reivindicações relacionadas com a concretização do plano de distribuição de terra a milhares de camponeses brasileiros, exigindo, desta forma, o cumprimento célere de um dos eixos centrais do programa de desenvolvimento e inclusão social que elegeu o ex-sindicalista metalúrgico para a presidência do Brasil.
Entre as cinco grandes linhas de orientação levadas à reunião pelo MST (ver caixa), destacam-se a agilização do Plano Nacional de Reforma Agrária, que permita a distribuição, até 2006, de terra a cerca de um milhão de famílias rurais; a desapropriação das fazendas ao capital absenteísta que não cumpra a legislação laboral, recorra ao trabalho escravo, cultive psicotrópicos ou pratique agressões ambientais; disponibilização imediata dos bancos públicos de terra e das áreas hipotecadas aos cofres do Estado para a reforma agrária; o estabelecimento de uma campanha de alfabetização no campo; a desburocratização das linhas de crédito à agricultura familiar, agro-industria e agro-ecologia; o combate à impunidade dos crimes praticados por proprietários agrícolas, ou milicianos a soldo destes, contra os militantes do MST.
Nas declarações proferidas no final do encontro os participantes mostraram-se cautelosos e não avançaram com conclusões ou medidas estratégicas dali retiradas. Ficou no entanto a certeza de que o processo de reforma agrária em curso no Brasil afronta os mais poderosos interesses agrários do país, e exige, da parte do executivo, determinação e ousadia para levar a cabo o cumprimento e aprofundamento das medidas legislativas de distribuição de terra a famílias e organizações populares camponesas.
Tendências, resistência e contra-reforma
As medidas recentemente aprovadas pelo governo brasileiro; renegociação das dívidas de cerca de 825 mil famílias a quem já foi dada terra; o Programa de Aquisição de Alimentos produzidos por estes agricultores; a disponibilização de 5,4 mil milhões de reais para o financiamento da agricultura familiar; e o incremento da distribuição dos chamados «cestos básicos» com géneros alimentares à população campesina incluída no programa «Fome Zero», não colheram o apoio das estruturas representativas do capital fundiário.
A constituição de milícias responsáveis pela escalada da violência e crescente tensão no campo, um pouco por todo o país, demonstra a envergadura do conflito de interesses entre o Movimento dos Sem-Terra e as reaccionárias organizações de proprietários rurais.
Em resposta, o MST procedeu à realização de diversas acções de ocupação de terras - algumas das quais foram posteriormente desocupadas pelas autoridades federais - e à fixação de acampamentos junto a terrenos incultos como forma de manter viva a chama da luta pela efectivação da reforma agrária.
Da parte do governo foram diversa as vozes que se levantaram em defesa da pacificação do processo, garantindo que a reforma agrária é tão imparável como necessária para solucionar a miserável condição de milhões de brasileiros.
As autoridades sublinharam, no entanto, que os mecanismos legais existentes aliados ao compromisso do governo são o caminho para a legítima distribuição de terras sem violência nem derramamento de sangue, e que não serão tolerados abusos nem dos com-terra nem dos sem-terra.
A pretexto dos incidentes entre militantes do MST e milícias agrárias, os sectores mais reaccionários com assento no Senado e no Congresso brasileiros, propuseram a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à actividade do Movimento, alegadamente para investigar ocupações ilícitas, mas que na prática visa dificultar a concertação no tempo e no espaço das posições do MST e do governo, e atrasar ou mesmo impedir a expropriação de milhares de hectares de solo arável.
Os acontecimentos demonstram que o que marca a actualidade na sociedade brasileira são as tendências contraditórias em torno de um dos mais ousados projectos de justiça social, revelando o poder da contra-reforma, mas também a tenacidade da resistência de quem quer cultivar a terra para ter o que comer.
Uma questão de justiça social
O Brasil é um dos países do mundo com mais e melhores recursos naturais, mas é também o segundo na lista dos que encerram as maiores desigualdades sociais.
Tais factos ficam explícitos nos dados avançados pelo relatório das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD2003), no qual se pode ler que os 10% mais ricos detém 70 vezes mais riqueza que os 10% mais pobres, e que, nas regiões do norte do país, o número de pobres aumentou de 36% para 44% nos últimos dez anos.
Também o Banco Mundial revela que 64% do rendimento é apropriado por 20% da população, e que 37 “fazendas” ocupam um maior espaço cultivável que mais de 2,5 milhões de propriedades com menos de 10 hectares.
Neste contexto, a reforma da propriedade da terra, reclamada por milhares de famílias camponesas organizadas no MST e inscrita nas prioridades do governo brasileiro, é fundamental para garantir o sucesso na luta contra a fome, assegurar as condições mínimas de segurança alimentar às mais amplas camadas populares e reduzir o fluxo migratório que, todos os anos, vota à miséria mais extrema milhões de pessoas nas favelas das grande cidades.
Estas são as razões que estão na base da urgência da reforma agrária, cujo arranque em larga escala tem vindo a sofrer sucessivos atrasos e recuos. Para além da acção dos grupos e corporações de proprietários, com tentáculos no Senado, no congresso e no poder político em vários Estados, parte do processo está nas mãos do poder judiciário, a quem compete julgar a legitimidade da expropriação em caso de contenda litigiosa, o que tem burocratizado a efectivação da reforma.
O MST estima que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), organismo que tutela a expropriação e respectiva distribuição de terras pelos camponeses, tem condições para albergar imediatamente 40% dos Sem-Terra, pelo que o movimento tem vindo a exigir da parte do governo celeridade e determinação no «assentamento» de famílias um pouco por todo o país.
Algumas propostas do MST
O MST aproveitou a reunião com o governo brasileiro para apresentar um conjunto de propostas incluídas em cinco eixos de orientação fundamental que, a serem implementados, constituíram passos fundamentais e decisivos para a democratização do acesso à propriedade e produção agrícola, bem como contribuiriam para o sucesso social e económico da reforma agrária.
Para além das medidas anteriormente referidas, o MST propõe ainda:
A) Terra
Garantir o imediato «assentamento» das 120 mil famílias acampadas em todo o território nacional.
Fortalecer o INCRA como organismo de reforma agrária, dotado de recursos financeiros e humanos.
Preservar o Imposto Territorial Rural como complementar à reforma agrária.
B) «Assentamentos»
Desenvolver um programa de assistência técnica com equipas multidisciplinares, que tenha como referência um técnico para cada 100 famílias.
Estimular a implementação de um novo modelo tecnológico, baseado na agricultura orgânica, na multiplicação e produção de sementes pelos agricultores.
Implementar em todos os «assentamentos» infra-estruturas básicas, tais como: Estradas; energia eléctrica; habitação; saneamento básico; atendimento à saúde; cultura e lazer.
C) Educação
Fortalecer o Programa de Educação Nacional nas áreas afectas à reforma agrária.
Promover um programa de capacitação profissional direccionado aos jovens camponeses.
D) Preocupações gerais
Combater a produção de trangênicos e a imposição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Defender um modelo agrícola voltado para a geração de emprego, a soberania alimentar, a produção para o mercado interno e elevação das condições de trabalho no campo.