Três passos a caminho da intervenção estrangeira
A Sociedade Interamericana de (im) Prensa (SIP), que reúne os proprietários e editores de jornais e revistas do continente americano, fortemente vinculada aos interesses económicos e políticos dos Estados Unidos – nasceu em Washington e está sediada em Miami – e, por derivação, das elites governantes da América Latina, voltou a manifestar, há poucos dias, a sua «preocupação» pela liberdade de expressão na Venezuela.
Empenhada no sucesso de uma campanha mediática de desestabilização e desprestígio do governo desse país sul-americano que se articule com o golpismo dos meios locais, decidiu encabeçar em Abril uma acção continental que consiste em colocar no final de todos os programas de notícias de televisão e de rádio e nas edições de todos os jornais do continente a seguinte frase: «Venezuela continua sem liberdade de expressão». Talvez o consigam, talvez não.
Por agora, torna-se difícil acreditar que não haja liberdade de expressão num país onde é permitido anunciar, num acto público, uma campanha de provocação com estas características. Mais o é se lembrarmos que dias antes um dos principais chefes políticos da oposição se dirigiu impunemente ao presidente da República para lhe lembrar a mãe da forma mais reles que se possa imaginar. O insulto, proferido na televisão, ficou registado em todos os meios, o que confirma o parecer de analistas imparciais, no sentido de que na Venezuela não há memória de um presidente tão insultado sem um só jornalista preso ou morto. Vendo bem, que se passaria nos Estados Unidos se alguém falasse dessa maneira da mãe do Bush? Ou em Portugal? Ou na França?
Demos uma volta pela Internet e ser-nos-á mais fácil medir as verdadeiras intenções da SIP. El Nacional e El Universal, editados em Caracas, são os jornais mais tradicionais e «sérios» do país. Também são histericamente oposicionistas, antibolivarianos e apoiantes do golpe de 11 de Abril e do que está actualmente no forno, intervenção estrangeira incluída. Neles é difícil, quase impossível, encontrar uma notícia favorável ao governo. Em compensação, esmagam ambos pela profusão das críticas, manipulações e meias verdades. Vejamos evidências de alguns títulos, aparecidos depois do anúncio anterior.
A Asogata (Associação de ganadeiros) reitera que PPT (partido da coligação governamental) serve de enlace com a guerrilha (colombiana). Governo usurpa papel do sector privado. Chevron Texaco critica regulações venezuelanas. Tutela totalitária. Torturados um civil e um militar da Praça França (onde estão os militares rebeldes). SIP preocupada pela deterioração da liberdade de imprensa no país. O governo quer transformar os venezuelanos em pedintes. O novo massacre (referência aos incidentes do 1º. de Maio). O revogatório será defendido na rua. Primeiro Justiça (oposição) apela a um «golpe civil». A oposição tomou a rua. Fegalago (outra associação de ganadeiros) afirma que a guerrilha venezuelana participa em sequestros de ganadeiros. Denunciado o governo por identificação ilegal de estrangeiros. 60% das agressões a jornalistas são de partidários do governo. É um crime de lesa pátria contratar pessoal estrangeiro para PDVSA (empresa de petróleo). Presidente de Asogata denuncia plano para assassinar dirigentes ganadeiros. Shapiro (embaixador dos Estados Unidos) adverte que se deteriora a liberdade de imprensa. AD, ABP e Unión (partidos de oposição) apoiam voto de censura contra ministros de economia e saúde. Mais de mil milhões ao mês custam treinadores cubanos.
Aqui temos críticas para todos os gostos e em fartura e nem precisam de ser verdade: falta de liberdades, repressão política, conivência com as guerrilhas, crise económica, penetração cubana e quanto baste. São só os títulos. Mas como pelo andar da carruagem se sabe quem vai lá dentro, é fácil deduzir que liberdade de expressão há e muita.
Vejamos, porém e para terminar este ponto, uma declaração recente do argentino Raúl Alfonsín, ex-presidente da república: «o golpismo era uma espécie de infantilismo. Mas na Venezuela, vocês não imaginam a liberdade de imprensa que vi, as críticas que há ao governo». Dúvidas? É só ligar à Internet.
Armas biológicas…
e intervenção estrangeira
Numa dessas declarações que pretendem passar por ambíguas mas que são impossíveis de separar de ameaças muito precisas, o cubano-norte-americano Otto Reich afirmou que não estava programado atacar nenhum país latino-americano porque não estavam criadas as condições que obrigaram à agressão contra o Iraque. As condições – explicou - são armas de destruição maciça e uma tirania. Isto é, se se derem – ou eles dizerem que se dão – essas condições (ou uma delas) temos o que já se sabe.
Agora vejamos, neste momento, na América Latina, qual é o governo que «nos» convém que tenha armas de destruição maciça? Por agora, a Venezuela. E estas declarações de Otto Reich têm dois antecedentes perigosamente reveladores. Há vários meses apareceu na imprensa venezuelana um nota que dizia que em «certos» círculos – nestas coisas nunca se pode ser muito rigoroso - havia preocupação por saber o destino e utilização do urânio que teria sido importado tempo atrás pelo Instituto Venezuelano de Investigações Científicas (IVIC). Ficava lançada a suspeição…
Mais recuado no tempo, temos, em Junho do ano passado, um funcionário de quarta ou quinta categoria a trabalhar na secção de Inteligência do Departamento de Estado, o secretário assistente Carl Ford, a garantir que tinha provas de que uns laboratórios cubanos – com tecnologia iraquiana – que aparentemente estariam envolvidos com o antraz utilizado nos atentados de 2001, haviam sido deslocados para a Venezuela num avião da Força Aérea desse país e estavam no IVIC. Tudo isto teria sido, segundo o jornalista Díaz Rangel, confirmado por um militar venezuelano exilado nos Estados Unidos e capaz de jurar a pés juntos que testemunhou os acordos Fidel-Chávez nesse sentido.
Nada muito convincente, mas não faltarão gentes dispostas a acreditar em tudo isto e certamente todavia ninguém esqueceu que a invasão do Iraque começou com argumentos idênticos, ainda que até agora – falta de iniciativa, claro está – não tenham aparecido as tais armas de destruição maciça, mas estejam a funcionar bem os poços de petróleo, que foi o único que se salvou naquela devastação bushiana.
Um embaixador
perigosamente «amigo»…
e intervenção estrangeira
Os Estados Unidos e a Espanha, os dois países que aplaudiram o golpe militar contra o governo de Hugo Chávez, formam, junto com o Brasil, Chile e Portugal, o Grupo de Amigos, criado para facilitar o clima de diálogo e de estabilidade democrática no país. A história recente –está dolorosamente fresco o caso do Chile de Pinochet – é rica em experiências sobre o (pouco) interesse norte-americano na democracia do continente. E se alguma coisa é previsível é o comportamento do Estados Unidos em casos como o venezuelano. Mas continuemos…
Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Charles Shapiro, embaixador norte-americano, deu uma recepção diplomática durante a qual se permitiu o descaramento (e a provocação) de se mostrar preocupado com a situação da liberdade de expressão na Venezuela, se bem que teve de admitir que não há nenhum jornalista nem processado nem preso. Mas a provocação foi mais longe. Amante da comédia barata, convidou um imitador que, no calor acolhedor do serão, apelou ao seu número de sempre: um boneco grotesco que arremeda Hugo Chávez. Logicamente, houve a inevitável reacção oficial e a embaixada emitiu um comunicado onde, sem referir o ponto principal da questão, admite que houve uma apresentação «parte da qual nos pareceu de mau gosto pelo seu conteúdo político» e que a «embaixada não conhecia nem censura» o que um humorista vai dizer. Ou seja, tudo em nome da liberdade de expressão.
A gaffe diplomática foi de tamanho tal que chocou certa oposição. Uma jornalista antibolivariana classificou o incidente como «violador das normas mais básicas da diplomacia» e um internacionalista admitiu que «sim, houve algumas acções e atitudes que poderiam exceder o tratamento diplomático previsto na Convenção de Genebra» e que «houve matizes políticos que se deviam ter evitado». Isto é que é elegância! Uma vez metido o pé na argola, um funcionário da embaixada tratou de que o assunto não transpirasse para os meios de comunicação – impossível porque o show foi gravado e exibido pela televisão local e daí saltou para os jornais - e outro limitou-se a admitir que «Shit happens!» (Estas m…. passam!). É certo, a coisa cheira mal, mesmo muito mal.
Temos aqui um conjunto de situações que «fabricam» um clima político favorável a uma aberta intervenção militar norte-americana contra Caracas: falta de liberdade de imprensa, tendências ditatoriais e totalitárias, construção de armas de destruição maciça e a imprescindível provocação descarada da potência imperial na política nacional de uma nação soberana. Uma intervenção que contaria, sem dúvida, com o apoio da oposição golpista. O internacionalista referido anteriormente recorda que «já não vigora o princípio da soberania absoluta, o que quer dizer que a comunidade internacional pode intervir em processos que degenerem em ditadura». Não ficou claro? Carlos Fernández, o líder da patronal, que estava de saúde de ferro enquanto chamava à rebelião durante a greve golpista e que ficou à morte quando lhe foi ditado o regime de cárcere por prisão e agora está refugiado no estrangeiro, pede desesperado a intervenção gringa: «É importante que a comunidade internacional empreenda acções perante a situação da Venezuela(…) Aos Estados Unidos, país mais importante da América, como promotor da democracia, corresponde-lhe ver o caso da Venezuela mais além das fronteiras da Venezuela».
Por agora, torna-se difícil acreditar que não haja liberdade de expressão num país onde é permitido anunciar, num acto público, uma campanha de provocação com estas características. Mais o é se lembrarmos que dias antes um dos principais chefes políticos da oposição se dirigiu impunemente ao presidente da República para lhe lembrar a mãe da forma mais reles que se possa imaginar. O insulto, proferido na televisão, ficou registado em todos os meios, o que confirma o parecer de analistas imparciais, no sentido de que na Venezuela não há memória de um presidente tão insultado sem um só jornalista preso ou morto. Vendo bem, que se passaria nos Estados Unidos se alguém falasse dessa maneira da mãe do Bush? Ou em Portugal? Ou na França?
Demos uma volta pela Internet e ser-nos-á mais fácil medir as verdadeiras intenções da SIP. El Nacional e El Universal, editados em Caracas, são os jornais mais tradicionais e «sérios» do país. Também são histericamente oposicionistas, antibolivarianos e apoiantes do golpe de 11 de Abril e do que está actualmente no forno, intervenção estrangeira incluída. Neles é difícil, quase impossível, encontrar uma notícia favorável ao governo. Em compensação, esmagam ambos pela profusão das críticas, manipulações e meias verdades. Vejamos evidências de alguns títulos, aparecidos depois do anúncio anterior.
A Asogata (Associação de ganadeiros) reitera que PPT (partido da coligação governamental) serve de enlace com a guerrilha (colombiana). Governo usurpa papel do sector privado. Chevron Texaco critica regulações venezuelanas. Tutela totalitária. Torturados um civil e um militar da Praça França (onde estão os militares rebeldes). SIP preocupada pela deterioração da liberdade de imprensa no país. O governo quer transformar os venezuelanos em pedintes. O novo massacre (referência aos incidentes do 1º. de Maio). O revogatório será defendido na rua. Primeiro Justiça (oposição) apela a um «golpe civil». A oposição tomou a rua. Fegalago (outra associação de ganadeiros) afirma que a guerrilha venezuelana participa em sequestros de ganadeiros. Denunciado o governo por identificação ilegal de estrangeiros. 60% das agressões a jornalistas são de partidários do governo. É um crime de lesa pátria contratar pessoal estrangeiro para PDVSA (empresa de petróleo). Presidente de Asogata denuncia plano para assassinar dirigentes ganadeiros. Shapiro (embaixador dos Estados Unidos) adverte que se deteriora a liberdade de imprensa. AD, ABP e Unión (partidos de oposição) apoiam voto de censura contra ministros de economia e saúde. Mais de mil milhões ao mês custam treinadores cubanos.
Aqui temos críticas para todos os gostos e em fartura e nem precisam de ser verdade: falta de liberdades, repressão política, conivência com as guerrilhas, crise económica, penetração cubana e quanto baste. São só os títulos. Mas como pelo andar da carruagem se sabe quem vai lá dentro, é fácil deduzir que liberdade de expressão há e muita.
Vejamos, porém e para terminar este ponto, uma declaração recente do argentino Raúl Alfonsín, ex-presidente da república: «o golpismo era uma espécie de infantilismo. Mas na Venezuela, vocês não imaginam a liberdade de imprensa que vi, as críticas que há ao governo». Dúvidas? É só ligar à Internet.
Armas biológicas…
e intervenção estrangeira
Numa dessas declarações que pretendem passar por ambíguas mas que são impossíveis de separar de ameaças muito precisas, o cubano-norte-americano Otto Reich afirmou que não estava programado atacar nenhum país latino-americano porque não estavam criadas as condições que obrigaram à agressão contra o Iraque. As condições – explicou - são armas de destruição maciça e uma tirania. Isto é, se se derem – ou eles dizerem que se dão – essas condições (ou uma delas) temos o que já se sabe.
Agora vejamos, neste momento, na América Latina, qual é o governo que «nos» convém que tenha armas de destruição maciça? Por agora, a Venezuela. E estas declarações de Otto Reich têm dois antecedentes perigosamente reveladores. Há vários meses apareceu na imprensa venezuelana um nota que dizia que em «certos» círculos – nestas coisas nunca se pode ser muito rigoroso - havia preocupação por saber o destino e utilização do urânio que teria sido importado tempo atrás pelo Instituto Venezuelano de Investigações Científicas (IVIC). Ficava lançada a suspeição…
Mais recuado no tempo, temos, em Junho do ano passado, um funcionário de quarta ou quinta categoria a trabalhar na secção de Inteligência do Departamento de Estado, o secretário assistente Carl Ford, a garantir que tinha provas de que uns laboratórios cubanos – com tecnologia iraquiana – que aparentemente estariam envolvidos com o antraz utilizado nos atentados de 2001, haviam sido deslocados para a Venezuela num avião da Força Aérea desse país e estavam no IVIC. Tudo isto teria sido, segundo o jornalista Díaz Rangel, confirmado por um militar venezuelano exilado nos Estados Unidos e capaz de jurar a pés juntos que testemunhou os acordos Fidel-Chávez nesse sentido.
Nada muito convincente, mas não faltarão gentes dispostas a acreditar em tudo isto e certamente todavia ninguém esqueceu que a invasão do Iraque começou com argumentos idênticos, ainda que até agora – falta de iniciativa, claro está – não tenham aparecido as tais armas de destruição maciça, mas estejam a funcionar bem os poços de petróleo, que foi o único que se salvou naquela devastação bushiana.
Um embaixador
perigosamente «amigo»…
e intervenção estrangeira
Os Estados Unidos e a Espanha, os dois países que aplaudiram o golpe militar contra o governo de Hugo Chávez, formam, junto com o Brasil, Chile e Portugal, o Grupo de Amigos, criado para facilitar o clima de diálogo e de estabilidade democrática no país. A história recente –está dolorosamente fresco o caso do Chile de Pinochet – é rica em experiências sobre o (pouco) interesse norte-americano na democracia do continente. E se alguma coisa é previsível é o comportamento do Estados Unidos em casos como o venezuelano. Mas continuemos…
Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Charles Shapiro, embaixador norte-americano, deu uma recepção diplomática durante a qual se permitiu o descaramento (e a provocação) de se mostrar preocupado com a situação da liberdade de expressão na Venezuela, se bem que teve de admitir que não há nenhum jornalista nem processado nem preso. Mas a provocação foi mais longe. Amante da comédia barata, convidou um imitador que, no calor acolhedor do serão, apelou ao seu número de sempre: um boneco grotesco que arremeda Hugo Chávez. Logicamente, houve a inevitável reacção oficial e a embaixada emitiu um comunicado onde, sem referir o ponto principal da questão, admite que houve uma apresentação «parte da qual nos pareceu de mau gosto pelo seu conteúdo político» e que a «embaixada não conhecia nem censura» o que um humorista vai dizer. Ou seja, tudo em nome da liberdade de expressão.
A gaffe diplomática foi de tamanho tal que chocou certa oposição. Uma jornalista antibolivariana classificou o incidente como «violador das normas mais básicas da diplomacia» e um internacionalista admitiu que «sim, houve algumas acções e atitudes que poderiam exceder o tratamento diplomático previsto na Convenção de Genebra» e que «houve matizes políticos que se deviam ter evitado». Isto é que é elegância! Uma vez metido o pé na argola, um funcionário da embaixada tratou de que o assunto não transpirasse para os meios de comunicação – impossível porque o show foi gravado e exibido pela televisão local e daí saltou para os jornais - e outro limitou-se a admitir que «Shit happens!» (Estas m…. passam!). É certo, a coisa cheira mal, mesmo muito mal.
Temos aqui um conjunto de situações que «fabricam» um clima político favorável a uma aberta intervenção militar norte-americana contra Caracas: falta de liberdade de imprensa, tendências ditatoriais e totalitárias, construção de armas de destruição maciça e a imprescindível provocação descarada da potência imperial na política nacional de uma nação soberana. Uma intervenção que contaria, sem dúvida, com o apoio da oposição golpista. O internacionalista referido anteriormente recorda que «já não vigora o princípio da soberania absoluta, o que quer dizer que a comunidade internacional pode intervir em processos que degenerem em ditadura». Não ficou claro? Carlos Fernández, o líder da patronal, que estava de saúde de ferro enquanto chamava à rebelião durante a greve golpista e que ficou à morte quando lhe foi ditado o regime de cárcere por prisão e agora está refugiado no estrangeiro, pede desesperado a intervenção gringa: «É importante que a comunidade internacional empreenda acções perante a situação da Venezuela(…) Aos Estados Unidos, país mais importante da América, como promotor da democracia, corresponde-lhe ver o caso da Venezuela mais além das fronteiras da Venezuela».