Comentário

Amen

Pedro Carvalho
A Comissão Europeia apresentou as «orientações gerais para as políticas económicas» para o período 2003-2005, que deverão esta semana receber o amen do Parlamento Europeu e que adquirem este ano uma importância especial.
Este instrumento de classe pretende ser a resposta do capitalismo europeu à crise, sendo aglutinador das orientações traçadas na agenda neoliberal europeia - a «Estratégia de Lisboa». Este enquadra, numa estratégia de médio prazo, não só as políticas monetárias e fiscais alicerçadas no euro e no pacto de estabilidade (PEC), como a Estratégia Europeia de Emprego (EEE) que promove a desregulamentação do mercado de trabalho. Aliás, a dita «Estratégia de Lisboa» foi delineada pelo patronato, representado a nível europeu pela UNICE e a Mesa Redonda dos Industriais. Mais, todos os grandes passos na integração económica e política desta «construção europeia» tiveram sempre a «mão» do patronato. Desde a criação de um mercado interno até ao grande salto qualitativo que foi o Tratado de Maastricht.
A carga ideológica é evidente. Vejamos o euro. Quem beneficia? As multinacionais europeias que reduzem os seus custos de internalização e internacionalização. Quem paga a factura? Quem trabalha, pois não só a «estabilidade de preços» se traduz em moderação salarial, como a rigidez da política monetária e fiscal implica que os ajustamentos a choques económicos virá de uma maior flexibilidade sobre o trabalho e salários, o mesmo será dizer precarização, desemprego e redução dos custos unitários do trabalho. E o PEC? Um ataque ao sector e serviços públicos alicerçado, não só na moderação salarial, como na desresponsabilização do Estado nas áreas sociais, com a entrega à lógica de rentabilização privada das pensões, da saúde e da educação. E a «Estratégia de Lisboa»? Enquadra os objectivos precedentes, com a conquista de novos mercados, sobretudo a liberalização dos mercados públicos, reforçando a coordenação das políticas económicas na UE – a dita «governação económica».

Precarizar o trabalho

Se lermos as orientações económicas para este ano, torna-se evidente o cunho de classe. Uma das principais orientações prende-se com a formação dos salários, ou seja, «garantir que o aumento dos salários nominais seja compatível com a estabilidade de preços». Mais concretamente, que «os aumentos salariais deverão permanecer moderados» com vista a «permitir um restabelecimento das margens de lucro», «tomando medidas que permitam que os salários reflectiam as diferenças de produtividade e as condições dos mercados de trabalho locais», ou seja, a redução dos custos unitários do trabalho e o fim da negociação colectiva.
Por outro lado, «promover uma organização do trabalho mais flexível e rever a regulamentação laboral, especialmente no que se refere aos contratos de trabalho», assim como «facilitar a mobilidade da mão-de-obra» e «diminuir a pressão fiscal sobre salários mais baixos e melhorar a gestão dos critérios de elegibilidade para prestações sociais». A Comissão justifica-se: «uma regulamentação laboral inflexível, que protege os trabalhadores no emprego mas que torna a contratação de novos efectivos um risco para as empresas, deixa muitos potenciais trabalhadores à margem do mercado de trabalho». «Em contrapartida, menos regulamentação e uma organização do trabalho mais flexível ? por exemplo, promovendo o trabalho a tempo parcial e horários laborais flexíveis», facilitaria «a sua contratação por empresas». Ou seja, a criação de uma mão-de-obra flexível, móvel e barata – sem direitos - para poder ser «utilizada» onde, como e quando o patrão quiser. Precarização a troco de emprego.
A força do instrumento «orientações» nota-se no amen e incentivo na prossecução da política de direita pelos governos de cada Estado-membro, aliás por eles aprovadas, para depois justificarem a sua inevitabilidade. Uma comparação das recomendações da Comissão para Portugal com a política do governo PSD/PP é elucidativa. Recomenda-se ao governo que «assegure a redução do défice orçamental em 2003» e «empreenda reformas estruturais em sectores com efeitos mais directos sobre a consolidação orçamental, especialmente na administração pública, ensino, saúde e segurança social». Que «reforce a eficiência do sistema de saúde, introduzindo uma vasta série de medidas de reforço dos mecanismos de mercado» e «adopte nova reformas do regime de pensões dos trabalhadores da administração pública». Por outro lado, para além do amen ao pacote laboral, que «sensibilize os parceiros sociais para a moderação salarial, permitindo ainda que os aumentos salariais tenham em conta as diferenças de produtividade e qualificações». Finalmente, que «fomente uma concorrência eficaz nos serviços públicos liberalizados, especialmente no sector da energia». Descubra as diferenças.
Não haja dúvidas que esta integração europeia tem contribuído para a regressão progressiva dos direitos conquistados pelos trabalhadores após o 25 de Abril. Haja resistência e luta para que os ventos de «mudança» não tragam o cheiro a bafio da primavera marcelista.


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