Motim contra Tony Blair
Londres, encontrámo-la cidade aterrorizada. A propaganda da guerra feita por quase toda a imprensa conservadora repugnou-nos. Nas áreas principais surgem a cada momento avisos de que está em curso uma operação de emergência relacionada com possíveis ataques terroristas. Logo mandam encerrar esta ou aquela estação do Metro. A confusão instala-se. As pessoas procuram estações alternativas. Mas isso obriga a longos e cansativos trajectos no interior do «tube». A impaciência cresce. A funcionar bem está o sistema da nova taxa contra o congestionamento do trânsito. O centro, quase completamente livre de automóveis particulares, surge-nos agora como um novo paraíso. Entretanto, nas auto-estradas que circundam a grande metrópole inglesa, o movimento que evita aquela taxa torna-se infernal.
Há um motim em pleno coração do Partido Trabalhista. Um considerável número de deputados colocou-se abertamente contra a política de guerra adoptada por Blair em aliança com o pior e o mais aventureirista dos presidentes americanos, George W. Bush. Já há três semanas, no final de um debate nos Comuns sobre a acção do governo quanto à próxima guerra contra o Iraque, nada menos de 141 desses deputados trabalhistas votaram contra. Agora, quando se verificar o prometido novo debate para anunciar o início das operações militares, espera-se que pelo menos 200 parlamentares da bancada trabalhista se revoltem contra o executivo «New Labour» chefiado por Blair. Aliás, já no seio do próprio gabinete surgiram divisões. A ministra para o Desenvolvimento Internacional, Clare Short, anunciou estar preparada para demitir-se se o governo britânico avançasse para a guerra sem o consentimento da ONU. Outros secretários e subsecretários de Estado afastaram-se dos seus cargos. Por outro lado, em todas as circunscrições eleitorais do país, o «Labour Party», velho ou novo, está quase unanimemente contra Blair. O mesmo pode dizer-se do próprio país que em larga medida inclui liberais e muitos conservadores num impressionante e generoso protesto contra a ameaça de guerra no Iraque.
Eleitores pressionam deputados
O motim contra o primeiro-ministro já ganha forma, mas para ser levado à prática terá de ter em conta as circunstâncias específicas do quadro político deste país. Não pode, de um momento para o outro, mudar-se o líder do país, a não ser que este se demita ou morra ou surjam condições verdadeiramente excepcionais e inesperadas. Vejamos como funcionará o processo da substituição de Tony Blair:
Os deputados trabalhistas contrários à guerra devem requerer ao Comité Nacional Executivo do «Labour Party» a convocação de uma conferência especial do partido para discutir a crise iraquiana;
O Comité em questão deverá, então, aprovar e organizar a conferência solicitada;
Essa conferência votará por maioria simples se concorda ou não com a eleição de um novo «leader» parlamentar;
Os candidatos serão aceites desde que se apresentem apoiados por 20 por cento dos deputados partidários (82);
A votação terá lugar, então, segundo o sistema eleitoral dos trabalhistas que envolve os deputados, as circunscrições nacionais e os sindicatos;
Mas este quadro apresenta um problema. O Comité Nacional Executivo está recheado de «blairistas» que ali foram plantados para proteger o primeiro-ministro. Assim, tem-se como certo que o Comité rejeitará o pedido de convocação de uma conferência especial do partido. A posição de Blair, nestes termos, manter-se-á ou agravar-se-á até que tenha lugar a Conferência Nacional estatutária em Setembro na cidade de Bournemouth. Aí assistiremos a uma das maiores batalhas da história do trabalhismo.
Na quase impossível situação de o primeiro-ministro ver derrotada a sua política na Câmara dos Comuns por uma maioria de votos entre todos os partidos, teria de, imediatamente, colocar a questão de confiança. Nesse voto, pode ainda admitir-se que os amotinados trabalhistas arrastem consigo a bancada parlamentar no seu conjunto dada a pressão que todos os deputados sofrerão a nível dos seus eleitores. No primeiro caso, porém, Blair teria consigo os votos dos conservadores; no segundo, não. E, se assim acontecesse (derrota de Blair na questão de confiança), o primeiro-ministro teria de demitir-se, imediatamente, o Parlamento seria dissolvido e convocadas novas eleições gerais. Note-se que muitos trabalhistas não se mostram desfavoráveis à ideia de uma nova consulta eleitoral ao país apresentando-lhe um novo «leader», visto saberem que os conservadores não se encontram em condições de lhes fazer frente.