Declaração de guerra
A declaração de guerra ao Iraque feita por George W. Bush na passada segunda-feira representa um toque de finados para as Nações Unidas.
Na cimeira do isolamento, como chamou o New Iork Times ao encontro de Bush, Blair e Aznar nos Açores, foi anunciada a «última oportunidade» para a maioria dos membros do Conselho de Segurança se pôr de acordo com a minoria que há muito escolheu o caminho da guerra. Menos de 24 horas depois, a troika belicista retirava a segunda proposta de resolução que pretendia ver aprovada pelo Conselho e Washington anunciava o discurso de Bush urbit et orbi.
Tentando esconder a derrota da sua diplomacia, os EUA fugiram ao debate nas Nações Unidas e declaram através do secretário de Estado Colin Powell ter chegado «a hora da verdade». Confrontados com o facto, como disse o representante francês, Jean-Marc de La Sablière, de a maioria dos membros do Conselho de Segurança ter avaliado «que não seria legítimo autorizar o emprego da força uma vez que as inspecções dão resultados», os EUA assestaram um rude golpe - porventura mortal - na autoridade das Nações Unidas.
Sem a «maioria moral» com que se propunha enfrentar o veto da França e da Rússia - só a Bulgária se deixou arregimentar -, a administração norte-americana escolheu o caminho do confronto, tornando claro que só lhe interessam umas Nações Unidas que sirvam de fachada ao hegemonismo dos EUA. Neste contexto, o discurso de Bush limitou-se a confirmar o que já se sabia.
Os polícias do mundo
Nos escassos quinze minutos da sua intervenção Bush confirmou ao país e ao mundo que os EUA se assumem como os polícias do planeta: «O Conselho de Segurança das Nações Unidas não esteve à altura das suas responsabilidades, mas nós estaremos à altura das nossas», disse o inquilino da Casa Branca.
A comunicação não aduziu novos argumentos para a guerra, mas insistiu nas acusações ao Iraque e agitou o fantasma de ameaças terríveis. [O regime iraquiano] «é profundamente odiado na América e pelos nossos amigos e ajudou, treinou e abrigou terroristas, incluindo operacionais da Al-Qaeda», disse Bush, garantindo que «o perigo é claro: usando armas químicas, biológicas e, um dia, nucleares, obtidas com a ajuda do Iraque, os terroristas poderiam satisfazer as suas ambições declaradas e matar milhares e centenas de milhar de pessoas inocentes no nosso país ou qualquer outro. Os EUA e as outras nações nada fizeram para merecer ou provocar esta ameaça, mas faremos tudo para derrotá-la. Em vez de corrermos em direcção à tragédia, seguiremos um curso em direcção à segurança».
Para o presidente norte-americano, a guerra preventiva é um direito: «Os Estados Unidos da América têm a autoridade soberana para usar a força e assegurar a sua própria segurança nacional. Tal dever cabe-me a mim, como comandante-em-chefe pelo juramento que fiz e me comprometi a cumprir.»
Pouco importa que o resto do mundo não esteja de acordo com a Casa Branca. Para Bush basta o facto de o Congresso dos Estados Unidos ter votado favoravelmente, no ano passado, o recurso à força contra o Iraque: «Saddam Hussein e seus filhos devem deixar o Iraque dentro de 48 horas. A sua recusa em fazê-lo resultará no conflito militar que será iniciado no momento que decidirmos. Para sua segurança, todos os estrangeiros, incluindo jornalistas e inspectores, devem deixar o Iraque imediatamente.»
Quando a nossa edição chegar às bancas é possível que os EUA tenham já começado a cumprir a ameaça terrível de Bush: «a única forma de reduzir o mal e a duração da guerra é aplicar a força total do nosso poder militar e estamos preparados para isso».
Democracia à bomba
O presidente norte-americano não perdeu a oportunidade para se dirigir aos iraquianos, garantindo-lhes que depois das bombas os EUA fornecerão «alimentos e remédios» e os ajudarão «a construir um novo Iraque, que seja próspero e livre». Prometeu ainda que «está próximo» o dia em que os iraquianos «serão libertados» e apelou aos militares para que não lutem «por um regime moribundo que não vale a sua própria vida», antes permitam «a entrada pacífica das forças» das forças ocupantes.
Segundo Bush, «os Estados Unidos, com outros países, trabalharão para fazer com que a liberdade e a paz avancem na região», e embora o esse objectivo não possa ser «alcançado da noite para o dia», poderá «vir com o tempo». «Esse é o futuro que nós escolhemos», afirmou.
Ao contrário do que sucedeu nos Açores, desta vez Bush não se referiu à questão palestiniana. Horas antes, o governo de Ariel Sharon reagia ao «roteiro para a paz» anunciado nas Lajes exigindo a retirada de todas as referências a um Estado palestiniano «independente», o afastamento de Yasser Arafat e rejeitando o desmantelamento dos colonatos, ao mesmo tempo que fazia depender o fim da construção de novos colonatos de uma «prolongada e contínua calma em termos de segurança». Numa palavra, Israel continua, mais de 30 anos depois, em «violação material» das decisões da ONU, com o beneplácito dos EUA.