Governo enxovalha o País
A posição do Governo face à administração Bush no que respeita ao Iraque constitui «um seguidismo inqualificável», que «enxovalha o nosso País e ofende a nossa dignidade enquanto povo».
Foi nestes termos, numa vigorosa e total condenação de uma guerra que disse ser uma «afronta ao Direito Internacional e um crime contra a Humanidade», que a bancada comunista se posicionou perante o incondicional apoio explicitado por Durão Barroso às pretensões imperiais norte-americanas.
«É uma vergonha para Portugal», afirmou o deputado Lino de Carvalho, em declaração política, na passada semana, numa referência às declarações proferidas pelo Primeiro-Ministro no Luxemburgo em que garantiu que «caso haja um conflito dos Estados Unidos com o Iraque, sem uma resolução das Nações Unidas, Portugal apoiará os Estados Unidos». Acontecimentos ulteriores, como foi o caso da cimeira da guerra, nos Açores, no passado fim-de-semana, vieram trazer acrescidas e fundadas razões às manifestações de repúdio do PCP.
Falta de legitimidade
Na que foi certamente a intervenção mais dura até hoje proferida no Parlamento sobre esta matéria, Lino de Carvalho, sempre em tom muito critico, acusou o Executivo de não ter «nenhuma legitimidade constitucional ou política» para fazer o que fez, ou seja, aceitar envolver-se directa ou indirectamente numa «guerra de pilhagem e ocupação».
«Em vez de pugnar em defesa da paz, como a Constituição da República lhe impõe, e em vez de pugnar pela defesa do Direito Internacional e do papel insubstituível das Nações Unidas como alternativa à selvática "lei do mais forte"», o Governo prestou-se a «desempenhar o papel secundário de embaixador dos EUA», acusou o deputado do PCP, para quem esta atitude ultrajante encerra ainda uma «violação grosseira da Carta das Nações Unidas a que Portugal está constitucionalmente vinculado».
Verberada por Lino de Carvalho foi também a atitude evidenciada pelo Governo no que respeita ao relacionamento com os restantes órgãos de soberania. Absolutamente inaceitável, numa questão tão decisiva como esta, segundo o PCP, foi o Governo ter agido à revelia da Assembleia da República, «em clara contradição com a posição a favor da paz e da valorização do papel das Nações Unidas» assumida pelo Presidente da República, e contrariando o sentimento anti-belicista que anima a esmagadora maioria do povo português».
Pactuar com o crime
Sem uma critica muito dura não passaram, por outro lado, as palavras empregues pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros para tentar justificar a posição de apoio aos EUA por parte do Executivo. Afirmou ele que na base do apoio está o facto de os EUA serem uma democracia e serem nossos aliados. «O que significa que quem tenha um certificado de democrata, reconhecido pelo governo português, pode fazer tudo, incluindo cometer os mais hediondos crimes contra a humanidade, sem que o Governo português se incomode com isso», sublinhou Lino de Carvalho.
Uma outra afirmação daquele membro do Governo – a de que em caso de ataque é a NATO que nos defende – motivou ainda um comentário do deputado comunista. Invocando as diferenças de opinião que separam, por exemplo, a Alemanha ou a França dos EUA, Lino de Carvalho lembrou que todos eles integram a NATO, com a diferença que os dois primeiros, tal como outros países, ao contrário do Governo português, «não estão dispostos a aceitar tudo o que vem dos EUA e mantêm o sentido de responsabilidade que os leva a recusar embarcar numa aventura militar que, a acontecer, será responsável por muitos milhares de vítimas inocentes».
Debate de urgência
O PCP voltou a pedir a realização de um debate de urgência sobre a crise que envolve o Iraque. A exigência de que o assunto seja objecto de debate no Parlamento foi reiterada na passada semana no momento em que foi conhecida publicamente a realização da cimeira nos Açores. Reagindo à notícia, Lino de Carvalho acusou o Governo de ter dado «mais um passo na escalada» da guerra ao permitir a realização da reunião em solo nacional.
Tal iniciativa, na perspectiva da bancada do PCP, traduz «o envolvimento mais profundo» de Durão Barroso na lógica belicista levada a cabo pelos EUA, o que corresponde a um «isolamento cada vez maior» do chefe do Governo «face à opinião pública».