Organizar o descontentamento para travar o Governo
Cortes orçamentais e a instrumentalização do movimento associativo pelo PSD foram dois dos temas mais abordados no Encontro Nacional do Ensino Superior da JCP, no sábado.
«Aprofundámos o debate e agora estamos mais preparados para discutir e intervir melhor nas nossas escolas. Seremos melhores agitadores e organizadores. Estamos em melhores condições para alterar a educação», afirmou Ana Parto, do Secretariado da Direcção Central do Ensino Superior da JCP, na intervenção de encerramento do Encontro Nacional do Ensino Superior, promovido pelos jovens comunistas, no sábado, em Lisboa.
«O encontro foi um ponto de chegada e será um ponto de partida. É fruto da discussão nos colectivos de escola e marcará um novo início da actividade da JCP. Temos de organizar o descontentamento dos estudantes, o que só é possível com uma organização forte», declarou a dirigente comunista.
Ao longo do dia foram discutidos problemas que atingem todas as instituições do ensino superior e questões concretas em diversas faculdades, politécnicos e escolas superiores. Como referiu João Gustavo, da Universidade de Aveiro, o Governo prepara-se para dar o maior golpe de sempre ao ensino público, impondo os serviços mínimos como única obrigação do Estado e alterando assim o princípio da educação em Portugal.
«O saber compra-se e vende-se. Esta é uma lógica de educação que não é a nossa. Deste modo, reproduzem-se socialmente as classes e o sistema perpetua-se. Os comunistas têm de assumir a vanguarda da luta, porque estamos mais informados e não permitiremos que estes ataques se consumam. Cada colega com que falemos é uma semente de descontentamento. Temos de avançar e não perder única ponta de firmeza», defendeu.
Contracorrente perigosa
Um dos aspectos mais citados pelos participantes foi a influência do PSD, tendo sido denunciada a existência de uma reunião entre o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce, e a JSD, no sentido dos militantes desta organização funcionaram como contracorrente dentro do movimento associativo.
Mas, como referiu Vítor Rodrigues, do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, os estudantes devem também manter-se alerta em relação à JS. «Os mauzinhos de ontem podem ser os bonzinhos de hoje e vice-versa. Temos de ter em conta que quem pretende ser líder pode estar a fazer umas negociatas por trás, fazendo cedências e fugindo às acções de massas», referiu.
O movimento estudantil esteve no centro do debate. Como se lê na resolução aprovada pelos participantes, «só a unidade de todos os estudantes pode fazer recuar o Governo nas suas intenções. As associações de estudantes (AEs) devem ser o motor da dinamização e concretização da luta. Os colectivos e os militantes comunistas devem ser elementos destacados na dinamização de movimentos unitários que, nas escolas, dêem resposta à necessidade de pressionar as AEs a assumir o esclarecimento e a mobilização dos estudantes para a luta. Onde isso não seja possível, devem ser os próprios movimentos a assumir este trabalho.»
«É indispensável privilegiarmos o contacto com os estudantes, nomeadamente com a efectivação de RGAs, debates, sessões de esclarecimento, documentos e acções de contestação e reivindicação nas escolas e nas academias. Estas acções devem criar condições para a concretização de uma grande acção nacional de luta de massas contra os ataques deste Governo ao ensino superior», refere a resolução.
Movimento dos estudantes é prioritário
Bruno Dias, deputado comunista na Assembleia da República, afirmou que o encontro deu «um contributo indispensável para que o PCP e a JCP conheçam melhor a realidade e estejam preparados para defender os interesses dos estudantes».
Durante a sua intervenção no final da iniciativa, o deputado explicitou as três formas de intervenção institucional do grupo parlamentar comunista: denunciar os problemas, resistir à política da maioria de direita e propor leis que melhorem a situação dos estudantes e das instituições. Contudo, o PCP lida com acrescidas dificuldades na Assembleia da República, não só por o grupo parlamentar ter sido reduzido nas últimas eleições legislativas, mas também pela grande arrogância dos partidos de direita que impedem uma discussão aprofundada no Parlamento.
«A ligação aos estudantes e à JCP é fundamental para o nosso trabalho», garantiu Bruno Dias, referindo que o grupo parlamentar comunista entregou dezenas de propostas de alteração ao Orçamento de Estado, «a maioria das quais foi para o caixote do lixo».
«Num quadro profundamente adverso, é preciso não baixar os braços e intervir», anunciando que esta semana iria ser entregue uma proposta no sentido dos professores contratados e os investigadores científicos do ensino superior passarem a ter direito ao subsídio de desemprego.
«Mas este trabalho não vale de muito sem a luta de massas e a ligação aos estudantes. É preciso sabermos o que se passa em cada escola através da JCP», afirmou Bruno Dias, sublinhando a importância de dar a conhecer aos estudantes o que a JCP e o PCP fazem no plano político e institucional.
Cada conquista é importante
Luísa Araújo, da Comissão Política do PCP, destacou a diversidade dos participantes e as suas diferentes origens geográficas, salientando a importância da discussão para a formação de quadros. A dirigente comunista referiu que o nosso país está a atravessar um «momento social e político muito complicado», que resulta nomeadamente na dificuldade do Partido intervir.
«Os êxitos não podem ser absolutos. Cada conquista é importante», argumentou Luísa Araújo, defendendo que os objectivos têm de ser definidos acima do que se pensa ser possível alcançar.
Para a dirigente do PCP, as políticas assumidas pelo Governo no campo laboral e do ensino estão intimamente ligadas. «Ambas convergem no mesmo sentido. São políticas de classe, que prejudicam os trabalhadores e privilegiam as classes dominantes», afirmou. Luísa Araújo defende que a luta comum abrangente contra as políticas de direita não é suficiente. «As lutas específicas em cada sector e em cada local são muito importantes», salientou.
Campanha já começou
Reunir 10 mil assinaturas até 24 de Março
A JCP lançou no sábado uma campanha de denuncia dos problemas do ensino superior e de divulgação das propostas comunistas. Nos próximos meses serão distribuídos cem mil documentos nas escolas de todo o País.
Outra iniciativa é um abaixo-assinado contra as propinas e em defesa de um ensino público, gratuito e de qualidade. O objectivo é reunir 10 mil assinaturas até 24 de Março, Dia do Estudante, quando os nomes serão entregues ao ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce. Durante este período, terá lugar um ciclo de debates sobre questões centrais deste sistema do ensino.
Naturalmente, o Regime Jurídico para o Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior será um aspecto abordado. Este documento preocupa os jovens comunistas, que, durante o encontro, alertaram para as suas consequências.
«Com esta lei, abrem-se as portas ao financiamento ensino superior privado pelo Orçamento de Estado, desvalorizando a responsabilidade fundamental da garantia de um ensino superior público. Aborda-se a avaliação das instituições no sentido do estabelecimento de rankings, encarando-a como um método punitivo e não como um instrumento para a resolução dos seus problemas. Mantém-se o fosso entre o ensino universitário e politécnico. Há uma acentuada concentração de poderes na figura do ministro da Ciência e do Ensino Superior», destaca-se no texto da resolução do encontro.
Os cortes orçamentais e a intenção de aumentar as propinas é outro tema da campanha que foi amplamente abordado na iniciativa. «É mantida a perspectiva de substituir o papel fundamental do Estado no financiamento do ensino superior, indo de encontro ao desejo antigo de privatizar mais este serviço público, para gáudio dos grandes senhores do mercado e incrementando-se a elitização do ensino», lê-se na resolução.