As Pastorais «em rede»

Jorge Messias

As ideologias políticas são sistemas de ideias nascidas no interior de quadros sociais a substituir ou a alterar. As pastorais têm objectivos de catequese e descrevem a realidade mas exigem, em resposta, o cumprimento das normas previamente fixadas na doutrina da igreja. Por isso, enquanto que o conteúdo democrático das ideologias progressvas se revela em propostas dialécticas centradas no conhecimento e na mobilidade da resposta, as pastorais da igreja são dogmáticas. «A Igreja não é uma democracia», recordou secamente João Paulo II aos bispos noorte-americanos. No rasto desta posição, os teólogos negam a pés juntos ocultar a doutrina católica uma ideologia da igreja. Juízo que a política eclesiástica a cada passo desmente. Que são, afinal, as pastorais ?

A pastoral ( ou missão pastoral da Igreja ) consiste, no plano doutrinal, no dever ético de «velar para que o povo de Deus permaneça na verdade libertadora. Para cumprir este serviço, Cristo dotou os pastores do carisma da infabilidade em matéria de fé e de costumes»( Catecismo Católico, nº. 890 ). Ao ser transposto para o patamar da acção efectiva da igreja, o mesmo conceito de pastotal assume, no entanto, um outro conteúdo prático e a Igreja declara que a Pastoral Social é Catequese Permanente que, a partir dos códigos católicos, responde às questões da pobreza, da doença, da prisão, da marginalidade, da toxicodependência, dos problemas dos jovens, dos idosos, da mulher, dos intelectuais, dos operérios, das minorias étnicas, da família, etc. Neste sentido, a Pastoral apresenta-se como factor ideológico de transformação da sociedade a luz da doutrina, diversifica-se e cria os seus próprios instrumentos de intervenção. Abandona o carácter de pura teologia e transborda do campo religioso para o político, o social e o cultural. Surge organizada numa malha de formações laicas e confessionais de base sectorial - no trabalho, no ensino, na saúde, na comunicação social, nas telecomunicações, nas finanças, etc. O objectivo central não é de contrapor um tipo de organização do poder a outro poder diferente ou de tentar a eliminação radical dos males da humanidade. Será, como sempre foi, o do exercício da caridade. O bem comum visado pela doutrina da igreja esgota-se logo que sejam «salvaguardados os direitos e os deveres da pessoa humana, enquanto pessoa humana».

( Humanae Dignitatis, nº. 6) . Depois, incumbirá aos homens encontrar os seus novos equilíbrios sociais, desde que estes integrem os sábios princípios doutrinais. Tentemos ilustrar com um exemplo actual o que acontece, no nosso país, a nível das pastorais. Trata-se do novo milagre da «multiplicação dos pães».

A Pastoral da Acção Social aloja-se, a nível executivo, numa das doze Comissões que desdobram as funções da Conferência Episcopal Portuguesa, todas elas dotadas de pastorais sectoriais autónomas e com um mesmo modelo de organização. É presidida por um bispo, seu porta-voz no Plenário dos outros bispos, assessorado por quatro altos prelados com assento na Conferência Episcopal. Dispõe de um Secretariado Permanente quase sempre dirigido por um leigo. Quando em pleno funcionamento, a pastoral tem organização própria nas 20 dioceses e nas 4365 paróquias portuguesas. Comprende instituições com um património inestimável, como as Misericórdias e Uniões, as IPSS e as ONG, as Cáritas, as Conferências de S. Vicente de Paulo, as Federações dos Institutos Religiosos, etc. Convém acentuar que os bispos que compõem o elenco directivo desta área não trabalham, exclusivamente, no patamar sócio-caritativo. Vamos encontrá-los entre os orientadores de outras pastorais aparentemente não relacionadas entre si, tais como as de Evangelização e Sociedade, do Apostolado dos Leigos, da Educação Cristã, do Turismo Religioso ou da Universidade Católica Portuguesa. As associações, movimentos e obras laicais que dão corpo a estas pastorais são permanentemente acompanhados por um corpo de assistentes espirituais nomeados pela hierarquia e adjuntos à Conferência Episcopal. Uma outra rede de capelanias completa o esquema eclesiástico.

Esta trabalho «em rede» potencia enormemente a penetração das pastorais. Mas estas, por muito progressivas que pareçam, acabam por se confundir com os interesses estratégicos do grande capital.



Mais artigos de: Argumentos

Saúde, febre e temperatura

Saída de casa, pela manhãzinha, com o cão. Um dia em pleno mês de Janeiro, após uma temporada de rigores (Está bem, relativos foram os rigores!). É. Primeiro os rigores tinham sido os do frio. E depois a consistir em chuvadas imensas (Mas, na minha vizinhança,...

A Paz não se espera,<br> há que conquistá-la

Em 82 anos, o PCP esteve sempre na primeira linha da luta pela paz, participando activamente em todos os foruns internacionais que se reuniram para dar combate aos senhores da guerra, integrando e animando a actividade de grandes movimentos unitários em torno da causa da paz, exigindo uma política de...