No fio da navalha
Bagdad está a colaborar, mas há muitas perguntas sem resposta - esta, em síntese, a conclusão do relatório apresentado segunda-feira em Nova Iorque.
«Presunções não bastam, são precisas provas»
Hans Blix e Mohamed El-Baradei, os responsáveis pelas inspecções da ONU no Iraque, apresentaram um relatório no Conselho de Segurança da ONU que apenas permite a conclusão de que não é possível concluir, por enquanto, se o regime de Bagdad possui ou as armas de destruição maciça de que é acusado.
Na audiência no Conselho de Segurança, Hans Blix, chefe da Comissão de Controle e Verificação das Nações Unidas (na sigla inglesa, Unmovic), reconheceu que os iraquianos «colaboraram bastante bem com os inspectores», e garantiu que estes tiveram acesso «a todos os locais» que quiseram inspeccionar.
Em contrapartida, Blix queixou-se que de «a declaração de 12 mil páginas (apresentada pelo Iraque em 7 de Dezembro, obedecendo à Resolução 1441 da ONU) não parece conter nenhum elemento novo». «O Iraque deve desenvolver mais esforços para fazer com que esta declaração seja exacta. O Iraque parece não aceitar verdadeiramente, ainda hoje, o desarmamento que lhe foi exigido e que ele deve efectuar para ganhar a confiança do mundo», referiu o diplomata sueco.
Para o responsável da Unmovic, é ainda motivo de crítica o facto de o regime iraquiano não reconhecer as zonas de exclusão aérea impostas unilateralmente pelos EUA e Grã-Bretanha no Norte e no Sul do país e, consequentemente, não garantir a segurança dos voos efectuados pelas forças daqueles países. Bagdad exige o fim desses voos e dos bombardeamentos da aviação anglo-americana, o que para Blix parece não fazer sentido.
Segundo o mesmo responsável, há «indicações de que o Iraque produziu armas biológicas com o bacilo de carvão (anthrax), as quais não declarou (na declaração de Dezembro) e «não existe prova fidedigna» de que as tenha destruído.
Apesar das suas dúvidas, Blix insistiu na necessidade de provas, e não apenas presunções, de que o Iraque ainda possui armas de destruição maciça. «Presunções não bastam para resolver a questão, são precisas provas», disse, contrariando a tese norte-americana de que cabe ao Iraque provar que não tem armas de destruição em massa.
Prosseguir inspecções
Pelo seu lado, Mohamed El-Baradei, chefe da Agência Internacional de Energia Atómica (Aiea) foi claro ao declarar que as inspecções não descobriram «nenhuma prova de que o Iraque relançou seu programa de armas nucleares depois da eliminação do programa dos anos 90».
O diplomata egípcio considera necessário que o Iraque forneça mais informações sobre seu programa nuclear após 1991 e esclareça um conjunto de questões, designadamente as alegadas tentativas de adquirir urânio, mas revela-se bastante optimista quanto aos resultados. «Salvo circunstâncias excepcionais e desde que haja suficiente colaboração da parte do Iraque, nos próximos meses devemos estar em condições de assegurar de forma fidedigna que o Iraque não dispõe de um programa de armamentos nucleares», declarou ao Conselho de Segurança, a quem solicitou o prosseguimento das inspecções da ONU.
Ainda antes da apresentação do relatório, a União Europeia saudou a intenção dos inspectores em prosseguir e intensificar o seu trabalho. O prolongamento do prazo das inspecções conta com o apoio dos quatro membros da UE que integram o Conselho de Segurança (Alemanha, França, Grã-Bretanha e Espanha).
EUA insistem na guerra
Para os EUA, nas palavras de Colin Powell, o relatório dos inspectores da ONU indica que o governo iraquiano «continua a desafiar» a vontade das Nações Unidas. Embora nada permita uma tal conclusão, Powell afirmou que «a recusa do Iraque em se desarmar ainda ameaça a paz e a segurança internacional», e garantiu que o tempo que Bagdad tem para «se desarmar pacificamente está chegando ao fim».
Quanto ao embaixador norte-americano na ONU, John Negroponte, parece estar fora de causa que as inspecções se prolonguem por «mais alguns meses», como pediu Mohamed El-Baradei.
«Nos próximos dias, o Conselho (de Segurança) e os governos que são seus membros devem fazer face às suas responsabilidades e examinar que mensagem a indecisão do Conselho transmite ao Iraque e a outros proliferadores», disse o embaixador. Para Negroponte, a recusa de Bagdad em permitir que o país seja sobrevoado por aviões de espionagem U-2 dos Estados Unidos já representa por si só «uma nítida violação da Resolução 1441» e justifica a imposição das «sérias consequências».
Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, pronunciou-se no mesmo sentido: «O processo continua mas o tempo está contado. O presidente (Bush) está inquieto, pois as Nações Unidas mostram ao mundo que há numerosas razões para pensar que o Iraque está na posse de armas mortíferas», disse.