Maioria aprova Código de Trabalho

«Hidra» ataca direitos e garantias

O chamado Código de Trabalho passou no Parlamento. Um «retrocesso social», classificou-o o PCP, num debate em que provou ser esta uma peça chave contra os direitos e garantias laborais. Por isso, garantiu, esta é uma luta para continuar.

A proposta de lei foi aprovada na generalidade com os votos a favor do PSD e CDS/PP e os votos contra de todos os restantes partidos. O diploma baixou à comissão parlamentar do Trabalho, onde os partidos da maioria formalizarão as alterações acordadas entre Bagão Félix e os parceiros UGT e CIP.

Argumentos novos trazidos ao debate, oriundos do Governo, não houve. Ouvida foi, sobretudo, a estafada ideia de que a proposta, ao flexibilizar as relações laborais, visa alegadamente contribuir para aumentar a produtividade e competitividade da economia portuguesa.

E com esse fim, segundo as palavras do ministro da tutela, esta é uma proposta «seguramente necessária e inadiável».

Fundamentação que não colheu em nenhum dos quadrantes à esquerda no Parlamento e, muito particularmente, na bancada comunista. Desta partiu, aliás, o mais incisivo e duro ataque ao conteúdo de um diploma que, na sua espinha dorsal, é marcado pelo objectivo de reduzir os custos de trabalho, conferindo maiores poderes à entidade patronal, com sacrifício de direitos e garantias dos trabalhadores.

Coube a Odete Santos desmontar em toda a linha os vários argumentos aduzidos pelo Executivo para a revisão da legislação laboral. E fê-lo pondo simultaneamente em evidência o facto de o Código de Trabalho constituir hoje um instrumento posto ao serviço do que apelidou de «hidra de várias cabeças, que esconde ainda muitas outras», cujo tronco, acusou, assenta numa «matriz que contraria o paradigma da nosso Constituição Laboral».

Refutada foi, desde logo, a asserção de que uma legislação menos proteccionista dos trabalhadores fixaria a atrairia investimento, permitindo, ao mesmo tempo, melhorar a produtividade e competitividade das empresas.

Acontecimentos recentes, como o encerramento da Clark, vêm comprovar a falácia de tais argumentos, deitando-os por terra, como assinalou a deputada comunista. É que, como este caso evidencia, lembrou, por um lado, aquela empresa detinha uma elevada produtividade (quatro vezes superior a outras empresas do ramo) e, por outro, certo é que não foi a anunciada subversão da legislação laboral que impediu que a administração procedesse ao seu encerramento. O que levou Odete Santos a concluir que «não é a redução e aniquilamento dos direitos dos trabalhadores, aplaudida e desejada pelos interesses instalados no Governo, que atrai o investimento».

Cortado pela base foi igualmente o argumento invocado pelo ministro quanto ao absentismo e ao carácter fraudulento dos trabalhadores portugueses. Depois de acusar Bagão Félix de utilizar um «argumento falso e desumano», a parlamentar do PCP, socorrendo-se de relatórios internacionais, demonstrou como todos eles convergem na conclusão de que as condições disponibilizadas em Portugal para o factor trabalho são altamente desfavoráveis, imperando o trabalho sem qualificações, a alta sinistralidade laboral e uma elevada taxa de abandono escolar.

«Em Portugal, a maioria dos trabalhadores não tem de facto um trabalho decente e produtivo, como a OIT o define: um trabalho em condições de liberdade, de equidade, de segurança e de dignidade», salientou Odete Santos, a quem não restam dúvidas sobre os perigos que o presente diploma encerra no sentido de acentuar ainda mais a «degradação das condições de vida dos trabalhadores».


Fragilizar mais o elo mais fraco


De um modo contundente, ao longo do debate, a bancada comunista denunciou os aspectos mais negativas da proposta do Governo. Inaceitável, do seu ponto de vista, é, por exemplo, a matriz subjacente ao diploma que considera que o trabalhador dispõe de liberdade contratual quando celebra o contrato. «Encontramos essa matriz em várias disposições, nomeadamente naquelas em que permite que um trabalhador possa celebrar um contrato individual de trabalho com clausula mais desfavoráveis do que as constantes dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho», esclareceu Odete Santos, que disse poderem ainda ser encontradas idênticas disposições quanto aos «direitos de personalidade», em que houve o cuidado, acusou, de «proteger, em paralelo com os direitos dos trabalhadores, os direitos dos empregadores».

Resulta igualmente claro, na perspectiva da bancada comunista, que o Código de Trabalho visa uma maior precarização das relações laborais e uma precarização ainda maior no que toca ao emprego jovem.

A esta acusação somou-se a de que o Governo pretende uma «maior desregulamentação do horário de trabalho», tendo sido dado como exemplo o facto de a regra estabelecida na proposta ser a de que poderá haver semanas em que se trabalha 50 horas, dez horas por dia. Lembrado por Odete Santos foi ainda a permissão de que, por contratação colectiva, sejam definidos horários semanais de 60 horas, 12 horas por dia, bem como o estabelecimento de que as pequenas pausas em uso nas empresas não contam para o tempo de trabalho.

Sobre o Governo recai igualmente a acusação de querer, com a alteração dos limites do trabalho nocturno, submeter os trabalhadores a «uma organização de trabalho puramente ditada pelas regras do mercado», e, simultaneamente, pretender lançar um feroz ataque aos direitos conquistados pelos trabalhadores em contratação colectiva ao prever a caducidade de convenções antes de serem substituídas por outras.

Do conjunto de acusações desferido por Odete Santos contra o Código de Trabalho, realce ainda para o propósito nele expresso de enveredar pela individualização das relações laborais, limitando o direito à contratação colectiva, bem como, noutro plano, para a violação à Convenção 98 da OIT, «ao prever, na forma por que o faz a arbitragem obrigatória».

Muito graves, no entender do PCP, são também as «restrições inconstitucionais ao direito à greve» presentes na proposta de lei, assim como a «fixação de serviços máximos em vez de serviços mínimos», o que para Odete Santos viola a autonomia dos trabalhadores consagrada na Lei Fundamental e no próprio regime de definição dos serviços mínimos.


Uma peça anti-social


Muitas foram as acusações dirigidas ao Governo pela bancada comunista no que respeita às consequências directas que emanam da aplicação do Código de Trabalho. Foi um verdadeiro libelo acusatório o que os deputados comunistas lançaram sobre o Governo de direita, a quem responsabilizaram por cometer diversas violações à Constituição na elaboração de uma proposta de lei cujo carácter, como foi sublinhado, é profundamente anti-social e constitui um «grave retrocesso no ordenamento jurídico-laboral e na vida democrática do País».

Pela voz de Odete Santos, ainda que sucintamente, por insuficiência de tempo no debate, o Governo foi alvo das seguintes acusações:

- põe em causa e viola o princípio constitucional de proibição dos despedimentos sem justa causa, ao permitir, em certos casos, a substituição da reintegração por indemnização;
- permite restrições a direitos fundamentais dos cidadãos nas empresas, submetendo esses direitos ao normal funcionamento da empresa;
- permite a maior devassa da vida privada dos trabalhadores, admitindo que a entidade patronal recolha informações sobre a gravidez de trabalhadora, sobre doenças genéticas, sobre os antecedentes biológicos do trabalhador, sobre a sua origem ética ou racial, sobre orientação sexual;
- torna impossível, com a flexibilização, a conciliação da vida familiar com a vida profissional;
- torna possível a discriminação em razão do sexo, com o conceito de retribuição;
- contribui para a desqualificação do trabalho com um novo regime de mobilidade funcional;
- é motor de degradação da vida familiar, com a flexibilização, mas também com a mobilidade geográfica que não conhece limites nos termos da proposta de lei.



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