PCP constata insuficientes respostas à tragédia
INCÊNDIOS Um ano depois de o fogo ter devastado o Centro do País, a 15 e 16 de Outubro de 2017, o PCP promoveu uma jornada de contacto com populações e entidades atingidas. Jerónimo de Sousa regressou a Vila Cova de Alva.
«Verificou-se um desfasamento entre os objectivos enunciados pelo Governo e a realidade»
Em boa verdade, os quatro dias dedicados ao balanço das iniciativas, públicas, privadas e associativas, de reparação ou minimização das consequências dos maiores incêndios de que há registo em Portugal, e bem assim de identificação do (muito) que ainda falta fazer e daquilo que tem sido feito de forma errática ou com superficialidade, são um ponto alto no acompanhamento quase quotidiano, mas sempre próximo, que os comunistas têm vindo a efectuar após a tragédia.
A jornada, que se estendeu até anteontem, 16, e da qual fizeram parte dezenas de visitas e contactos (ver caixa), arrancou no sábado, 13, numa unidade hoteleira em Viseu, com uma sessão pública que contou com a participação de João Abreu, do Comité Central (CC) do PCP, Octávio Augusto e João Frazão, ambos da Comissão Política do CC, João Dias, deputado do PCP na Assembleia da República (AR), e João Ferreira, membro do CC e deputado do Partido no Parlamento Europeu, que encerrou a iniciativa.
A iniciar os trabalhos, João Abreu recordou que o Partido foi o primeiro a ir ao terreno – para tomar conhecimento da situação real, ouvir as populações e as instituições envolvidas; para avaliar as necessidades e decidir quais as medidas mais adequadas, apresentando, consequentemente, quer na AR, quer no PE, as propostas indispensáveis face aos problemas constatados.
Na sua intervenção, Octávio Augusto historiou, por seu lado, a actuação do partido nos últimos 365 dias. Recordou a natureza, as causas e os responsáveis pela catástrofe que trouxe à tona uma realidade resultante de décadas de políticas de direita.
Neste último ano, disse, «verificou-se um desfasamento entre os objectivos enunciados pelo governo e a realidade constatada no terreno». Um exemplo caricato foi o anúncio de que a Força Aérea ia finalmente apoiar o combate aos incêndios. Posteriormente, constatou-se que não havia meios para o fazer.
Octávio Augusto abordou ainda preocupações do PCP quer sobre os meios e o dispositivo dos bombeiros, quer sobre a excessiva militarização da Protecção Civil.
Ouvir para melhor responder às vítimas
Aberto o espaço para a intervenção do público, de entre as dezenas de presentes surgiram intervenções muito ricas. Para debate vieram exemplos concretos: de pressão e medo das multas devido à não limpeza dos terrenos, desconhecendo as condições ou a sua ausência para o cumprimento desta exigência; da continuação da eucaliptização desordenada; da incipiente cobertura por seguros agrícolas em muitos sectores de actividade; dos riscos para a saúde pública nas áreas ardidas e da não remoção dos lixos e entulhos; do não apoio à reconstrução de segundas habitações, agravando o isolamento e desertificação do interior; das debilidades do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, quer na intervenção preventiva quer na reflorestação; dos efeitos colaterais das portagens que todavia persistem; do desinvestimento no interior; do turismo e das comissões que servem para pouco mais do que alimentar clientelas políticas; da emigração forçada à carência de apoios à continuação e revitalização do tecido económico, aos pedidos para plantar eucaliptos, despachados em poucos meses, e das autorizações para plantar espécies autóctones, como carvalhos e castanheiros, há dois anos à espera!
As causas e as consequências dos grandes incêndios de 2017 foram o tema principal da intervenção do deputado na AR João Dias. A propósito da necessidade de medidas concretas no terreno, referiu que «a reforma da floresta não se faz apenas por via de medidas legislativas, muitas delas erradas e até com efeitos e consequências desastrosas, as quais, além do mais, remetem para segundo plano o essencial, ou seja: o apoio efectivo às vítimas, a recuperação dos danos, a reposição do potencial produtivo e também a perda de rendimentos até que se consiga voltar ao nível existente antes dos incêndios».
De seguida, João Dias abordou de forma desenvolvida, entre outras, as questões que envolvem a regeneração natural, a madeira queimada (de 30 parques públicos de recepção anunciados pelo governo apenas 19 estão no terreno), a reconstrução da segunda habitação, o desadequado cadastro florestal, o excesso de produção legislativa. Sublinhou, ainda, que o PCP apresentou 44 medidas concretas, grande parte das quais recusadas.
Os responsáveis
e a alternativa
João Frazão, usando da palavra em seguida, fez o balanço das catástrofes ocorridas no Verão e Outono de 2017. As quais, disse, «têm causas, responsáveis e beneficiários».
As causas radicam nas consequências nefastas da política de direita, considerou, dando como caso paradigmático o sucedido no Pinhal de Leiria, onde o fogo consumiu 80 por cento da área florestal. Se há vinte anos ali trabalhavam 200 funcionários, hoje são pouco mais de uma dúzia!
Quanto aos responsáveis, «encontramo-los nos partidos dos governos PS e PSD, com ou sem o CDS, e entre os presidentes da República, incluindo o que está em exercício de funções». Já os beneficiários «são os grandes grupos económicos, o grande capital», designadamente com actividade em sectores ligados à exploração dos recursos naturais e do território.
As respostas que se impõem no âmbito de uma política alternativa, patriótica e de esquerda , ao despovoamento e à desertificação do mundo rural podem, nas palavras daquele dirigente do PCP, resumir-se em quatro grandes áreas: emprego, investimento público, serviços públicos e desconcentrados do Estado central, defesa da agricultura familiar.
A encerrar os trabalhos, o deputado do PCP no PE, João Ferreira, trouxe à reflexão temas como os efeitos da Política Agrícola Comum da União Europeia no nosso País; o Mecanismo Europeu de Protecção Civil; o lugar da floresta na política alternativa; o desaproveitamento dos recursos agrícolas e florestais e a utilização multifuncional desta; o plano nacional de florestação, o volume de investimento disponibilizado e o papel predador dos grupos monopolistas sobre a economia nacional.
Concluiu, depois, enunciando as medidas de uma política alternativa para o mundo rural que o PCP propõe ao povo português (ver caixa), a qual, detalhou, «contém a possibilidade de resposta aos problemas do País, e particularmente aos problemas do mundo rural, porque indica as condições e possibilidades do pleno aproveitamento do seu enorme potencial»
Jerónimo de Sousa voltou a Alva
onde o luto já cedeu lugar à luta
Entre sábado, 13, e terça-feira, 16, os dias foram de intenso diálogo com as vítimas dos incêndios de Outubro do ano passado na região Centro de Portugal. Deputados do PCP na AR e no PE, dirigentes nacionais e locais do Partido percorreram 20 dos 36 concelhos em quatro dos seis distritos por onde as chamas andaram aprofundando as dificuldades e, não raramente, a miséria, daqueles que ali vivem e trabalham, mas também dos que tendo raízes mas não vivendo nas vilas, aldeias, povoações e lugares daquele interior, lá regressam com frequência, levando vida a parcelas do território cada vez mais despovoadas e mergulhadas em assimetrias e desigualdades de diversa ordem.
Os incêndios de 15 e 16 de Outubro de 2017 vitimaram 120 pessoa, das quais 50 morreram e 70 ficaram feridas. Consumiram total ou parcialmente quase 1500 habitações e mais de meio milhar de unidades empresariais onde laboravam cerca de 4500 trabalhadores. Centenas de hectares de floresta, incluindo áreas protegidas (reservas, parques naturais e matas nacionais) foram reduzidos a cinzas. Centenas de explorações agrícolas e pecuárias, tantas vezes passadas de geração em geração e ainda hoje sustento, principal ou secundário, de milhares de famílias, assim como os respectivos equipamentos, ferramentas e outros bens, ficaram carbonizados.
Como nenhum outro partido, o PCP está desde a primeira hora no terreno. Conhece cada caso, casa a casa, lugar a lugar. Isso mesmo foi possível confirmar nas visitas e contactos que acompanhámos ou das quais obtivemos informações. A elas regressaremos com o justificado pormenor na próxima edição.
De entre as iniciativas realizadas, assume especial significado o regresso do Secretário-geral do Partido a Vila Cova de Alva, segunda-feira 15, acompanhado, entre outros, por Francisco Lopes, do Secretariado do CC, Octávio Augusto, João Frazão e Vladimiro Vale, da Comissão Política do CC, e João Ferreira, deputado comunista no PE.
Jerónimo de Sousa já havia estado na exploração agropecuária de Natalina Jorge a 5 de Novembro do ano passado. Na altura, esta mulher de rara têmpera, que enfrentou sozinha as chamas até que as mangueiras derreteram, conseguindo salvar a sua casa e a queijaria onde fermenta o amanteigado da Serra da Estrela, afirmava não querer desistir. Porém, o desespero motivado pela ausência de perspectiva e de apoios sobrepunha-se, e Natalina Jorge, que perdeu o ovil, 170 cabeças de gado e o palheiro, sublinhava desesperada que «sozinha não consigo».
Na altura, o Secretário-geral do Partido prometeu voltar e assumiu que até lá tudo iria fazer para que aquele e centenas de outros casos semelhantes, se não piores, não caíssem no esquecimento. Voltou, pois claro, e encontrou Natalina Jorge com a determinação revigorada, própria de quem colocou a luta no lugar do luto.
Porém, tal decorre da vontade de prosseguir, de voltar a fazer medrar a sua terra. É que Natalina Jorge teve prejuízos de cerca de 200 mil euros, contudo, uma vez que o Governo determinou que as ajudas públicas seriam, a partir de um determinado montante, pagas contra recibo, foi forçada a adiantar o valor necessário para a reconstrução, ao que acrescem os 15 por cento à sua conta sem retorno. Ficou-se por um projecto de 50 mil euros.
Relatos idênticos obtivemos noutros locais por parte doutros produtores. Na ocasião, Jerónimo de Sousa constatou que os obstáculos ao restabelecimento das actividades produtivas, a burocracia imposta e os atrasos que se verificam constituindo-se como garrotes objectivos na libertação de fundos, contrastam com a «coragem de quem perdeu tudo». No fundo, ao concreto revela-se uma enorme disparidade entre a execução e os milhões e milhões que têm sido propagandeados pelo Governo, concluiu, reivindicando do executivo de António Costa uma perspectiva verdadeiramente capaz de impedir a desistência de muitos produtores arruinados pelos incêndios.
O mundo rural precisa
Uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que tem no aumento da produção nacional um eixo fundamental, requer no seu desenvolvimento e implementação, entre outros aspectos:
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O relançamento do papel dinamizador do Estado nas actividades económicas, especialmente na esfera produtiva, na agricultura, floresta, indústria extractiva e transformadora e produção energética, através do planeamento e da reorganização da administração pública;
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A dotação de meios humanos, técnicos e financeiros adequados à dinamização da actividade económica;
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O apoio às empresas, especialmente às MPME, às cooperativas e aos baldios;
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O máximo aproveitamento dos efeitos multiplicadores das fileiras produtivas em que haja potencialidades e experiência capazes de produzirem efeitos a curto prazo, como é o caso do sector florestal;
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A adequação, através da intervenção da banca pública (Caixa Geral de Depósitos), de um sector financeiro público, de uma política de crédito e de financiamento às necessidades da produção;
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A eliminação de constrangimentos e bloqueios ao nível dos transportes, nomeadamente com a eliminação no imediato das portagens nas auto-estradas das regiões do interior;
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A intervenção fiscalizadora e disciplinadora do Estado para atacar o comportamento predatório dos grupos monopolistas, defendendo produtores, em especial os pequenos produtores;
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A valorização e investimento no ensino público, visando a melhoria das qualificações científicas e técnicas da população;
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O aprofundamento das ligações entre o ensino superior e a esfera produtiva, em sectores como a biotecnologia e indústria farmacêutica, as indústrias electrónicas, as indústrias de equipamentos para a produção energética, as dos novos materiais, entre outras;
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A adopção de medidas públicas para a colocação de diplomados desempregados ou subempregados (especialmente de engenharia, gestão, economia, gestão de recursos humanos) nos sectores produtivos, sobretudo nas MPME;
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A promoção de encomendas e discriminação positiva do crédito e investimento público às MPME, às cooperativas e associações de baldios.