«Olhamos para o melhor da história do movimento comunista em Itália»

Gustavo Carneiro

ENTREVISTA Francesco Maringiò, membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Italiano e responsável pelo seu Departamento Internacional, traçou um retrato expressivo da situação em Itália e das perspectivas de luta dos comunistas.

A principal prioridade definida pelo PCI é continuar a construir o Partido

O Partido Comunista Italiano (PCI) surgiu em 2016, na sequência de um congresso nacional constituinte iniciado pelo antigo Partido dos Comunistas Italianos. O nome e o emblema são, agora, os que marcaram impressivamente o século XX italiano, mas o alcance da iniciativa vai muito mais para lá da simbologia.

 

Como avalia o PCI a actual situação em Itália?

Durante a chamada «crise financeira» houve uma degradação da economia em todas as vertentes: o desemprego e a pobreza alastraram e há estatísticas que mostram que os hábitos alimentares se alteraram para padrões só comparáveis aos do tempo da guerra. Além disso, a integração na União Europeia (UE), que é um processo de longo termo, criou em muitos a ideia de que não há alternativa. Por isso, grande parte da população não combate a actual situação e nem sequer vota para a alterar. A luta social e a consciência das massas regrediram......


Quais as prioridades de intervenção do PCI?

A primeira é a continuação do processo de construção do Partido. Depois, procuramos fazer alianças com outras forças comunistas e de esquerda que permitam o desenvolvimento da luta política. Uma terceira prioridade, que sublinhámos no nosso recente congresso, é alargar a luta contra o processo de integração na UE.


Isso diferencia-vos de outras forças de esquerda...
Todas as forças comunistas e de esquerda são, por princípio, contra «esta» Europa, mas poucas são as que propõem uma verdadeira alternativa. Pretendem crescer, conquistar mais votos e a partir daí mudar a UE «por dentro». Não acompanhamos esta visão e focamo-nos, antes, na luta contra o processo de integração e por uma verdadeira alternativa fora desse quadro. E não é fácil, pois acusam-nos muitas vezes de «nacionalismo». O PCI integrou a coligação eleitoral «Poder ao Povo» e foi difícil tocar neste ponto. A nível geral, estimula-se a polarização entre forças populistas e pró-UE, ofuscando posições como a nossa.


Como avaliam a natureza dos partidos que compõem o governo italiano?

A Liga é um partido de extrema-direita clássico, já o Movimento Cinco Estrelas (M5E) é difícil de categorizar. Tem no seu interior grupos oriundos de movimentos ambientalistas e anti-globalização e outros mais conservadores, com expressão no seu líder actual (Luigi Di Maio). Muito embora governe com a Liga, o M5E foi um dos partidos que se juntou à esquerda na defesa da Constituição, escrita pelos partigiani, contra a intenção dos social-democratas de a rever. É uma mistura complexa…


Mas com tantas diferenças lá conseguiram unir-se…

Era o único governo possível no quadro institucional italiano. Além disso, ambos pretendem apresentar-se como novidade face ao «velho sistema». Mas há, ao mesmo tempo, grandes contradições: a Liga tem a sua força principal nos capitalistas do Norte e o consenso em torno do M5E provém principalmente do Sul, junto das pessoas que empobreceram. São interesses inconciliáveis, que acabarão por criar problemas à governação. Mas por agora gozam de amplo consenso.


É uma viragem radical na política italiana. Como se explica?

Em Itália há um conflito muito forte entre sectores do capital. Durante anos, os social-democratas representaram os bancos e os fundos especulativos e a Liga e o M5E surgiram a dar voz a sectores mais focados na produção. Em Itália não houve, à esquerda, nenhum partido que, como o PCP em Portugal, tenha apresentado uma proposta para salvaguardar os interesses nacionais e uma alternativa viável à presente situação, daí o apoio social não ter ido para a esquerda.


Quais as suas posições sobre a UE e a NATO?

Uns entendem que têm de ser formalmente contra a UE para terem mais poder negocial e outros acham que é efectivamente necessário preparar uma saída. Sobre a NATO, a Liga nunca disse nada contra, pelo contrário, são-lhe fiéis. No M5E, o tema é mais polémico. No seu programa político apontavam a saída da NATO e essa era a tendência maioritária entre os seus membros, mas desde o início da campanha eleitoral até hoje nada mais disseram sobre o tema. A Itália está sob controlo estrito da NATO, que tem uma forte influência na política do país, muitas vezes contra os interesses do próprio capitalismo italiano, como sucedeu com a invasão da Líbia.


Como vê o PCI a questão dos refugiados?

Não acompanhamos as posições racistas do governo. Para nós, mais do que saber quantos navios podem ou não atracar em Itália preocupa-nos as razões pela qual o fazem. Insistimos nas responsabilidades dos governos italianos e da UE nesta situação e sabemos que sectores do capital estimulam a imigração como exército industrial de reserva, para usar a expressão marxista.


O PCI surgiu (ou ressurgiu) recentemente, com os símbolos utilizados durante grande parte do século XX. Qual o seu significado?

Iniciámos há uns anos um processo que chamámos de reunificação dos comunistas e construção do Partido. Escolhemos o nome e o símbolo históricos, algo que durante anos não foi permitido por razões legais. Com isso quisemos deixar claro que, nesta fase particularmente difícil, olhamos para o melhor da história do movimento comunista em Itália para tentar inverter a tendência de declínio que há muito o marca.


Que última palavra gostarias de deixar aos leitores do Avante!?

«Obrigado». Desde logo pelo que estão a fazer no vosso país, mas também pelo envolvimento dos partidos estrangeiros na Festa do Avante!. É um importante contributo para a unidade e encontro entre os diversos partidos e uma grande ajuda para organizações como a nossa. Nem imaginam quanto!




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